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Crítica

JUP Baú: Revisitar o hotel lunar dos Arctic Monkeys no seu terceiro aniversário (e em tempos de pandemia)

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Há três anos nascia Tranquility Base Hotel & Casino (TBH&C), o mais recente álbum dos quatro rapazes de High Green, Sheffield, incompreendido e demasiado à moda dos anos 70 para quem esperava um AM-parte 2.

A viagem além mundos a que nos leva agora em muito difere daquela feita, pela primeira vez, em 2018, quando o álbum foi lançado. Depois de mais de um ano tão desconcertante e inquietante como este com que nos vimos confrontados, TBH&C leva-nos agora a repensar o que já cá andava há muito tempo, apesar de despercebido, e recentemente tem vindo ao de cima: as redes sociais e os seus efeitos malignos, a tecnologia a tomar conta das nossas vidas, a esfera política que está de pernas para o ar e o papel do mundo do entretenimento.

Tudo isto é-nos apresentado envolto numa necessidade de evasão para outro lugar e numa crítica social e satírica deste mundo globalizado, que está bem escondida entre as letras de Alex Turner, vocalista e autor da banda, mas que é inequivocamente primordial. Mas comecemos pelo princípio.

TBH&C ganha o seu nome da Tranquility Base, lugar onde Apollo 11 aterrou na Lua. Aqui ganha um novo sentido, ao adicionar-lhe Hotel and Casino, tornando-se assim um hotel lunar de luxo, onde habitam lendas de rock, agora afastadas da sociedade moderna (gosto de o imaginar um pouco como sendo o Grand Budapest Hotel, mas na lua, com Monsieur Gustave H. como gerente e David Bowie, Leonard Cohen e Elton John como residentes, transformado ainda numa realidade de Kubrick). Torna-se num refúgio para elites, um sítio de entretenimento opressivo e esmagador, com uma atmosfera de lounge bar onde reinam o jazz e a lamentação própria.

Este universo fictício resultou do chamado drama da folha em branco, com que Turner se deparou por volta dos finais de 2016, e que acabou por vencer com a ajuda de livros, filmes de ficção científica, e um piano.

Uma audição atenta transporta-nos para um futuro não muito distante e apresenta-nos os residentes do hotel lunar, de onde surgem personagens que contêm um pouco de todos nós. Especialmente nos últimos tempos.

O papel do entretenimento mudou drasticamente quando subitamente nos vimos confinados. O tempo parece infinito e a necessidade de distração cresce. Por outro lado, afogamo-nos em informação, seja o número de casos ativos, os novos programas de horário nobre ao domingo à noite ou posts de Instagram infinitos, que retratam vidas aparentemente muito mais interessantes que as nossas, e consumimos tudo o que nos é oferecido, muitas vezes sem processar a informação.

Amusing Ourselves to Death” de Neil Postman, um livro de 1985, deu a Turner o mote para escrever Four Out of Five. No livro, é dissecada a teoria que se refere ao facto de as pessoas se sentirem desamparadas quando são bombardeadas com muita informação e, apesar de terem acesso a tudo o que quiserem através da tecnologia, quando a obtêm não saberem o que fazer com ela.

Na canção, o autor usa esta ideia como base e conjuga-a com a realidade de nos sentirmos paralisados com tanta informação (sem sabermos bem se havemos de nos preocupar um pouco com tudo, ou muito com pouca coisa).

Daqui resulta uma análise satírica ao marketing moderno, que mesmo confrontado com o caos arranja oportunidades para nos vender tudo e mais alguma coisa. Mais relevante ainda do que em 1985 ou 2018, esta música mostra-nos que talvez seja altura de repensarmos não só o que adquirimos de mão beijada, mas também a informação e conteúdo que consumimos, sejam eles repletos de fake news (“Breaking news, we take the truth and make it fluid”, diz já em “American Sports”) ou vidas contruídas unicamente para serem exibidas nas redes sociais.

O ataque às redes sociais está presente em “She Looks Like Fun” (o máximo de rock and roll que os acérrimos fãs de AM, quinto álbum da banda inglesa, encontrarão neste disco) na medida em que critica a prontidão com que as pessoas estão dispostas a ofenderem-se virtualmente. É nesta música que encontramos o presente no passado: com “No one’s on the streets, we moved it all online, as of March“, Alex Turner referia-se, na verdade, à passagem da revista musical britânica NME Magazine para o formato digital… há com cada coincidência. Este tópico está também presente em “The Ultracheese”, última música do álbum, onde Turner divaga sobre como a vida tecnológica nos pode distanciar tanto da real, e como acabamos por perder amizades e deixar de saber socializar (quantos de nós sairemos da pandemia com este sentimento de apatia social?!).

Em “Batphone” (e em confinamento e aulas online) “life became a spectators sports“, em “American Sports” as videochamadas aparecem “just in time for my weekly chat with god, on video call” e em “Science Fiction” surge “the rise of the machines”. Confesso que tudo isto me tinha passado ao lado em 2018, mas a nova conotação que agora estas letras adquirem tornam este álbum mais único que nunca.

Caímos diariamente numa espiral de tecnologia e o nosso vício e afeto aos aparelhos digitais aumentam a ritmos preocupantes.

Turner prevê um mundo onde até a religião foi reduzida a um processo tecnológico, e onde a esfera política foi tão banalizada ao ponto de aos líderes políticos não faltarem mentiras para contar nem promessas por cumprir. Tornam-se “bendable figures with a fresh new pack of lies” com algo para vender e, enfim, ganhar votos.

Para um álbum sobre o papel do entretenimento na Lua, aqui na Terra tem sido visto como corajoso e ambicioso. Passados três anos do seu lançamento é mais claro do que nunca que Alex Turner, Matt Helders, Jamie Cook e Nick O’Malley não perderam o seu caminho mas, pelo contrário, encontraram-no, criando um disco artisticamente bem pensado.

Este é provavelmente o álbum mais visionário e poético da banda, uma ode à grandeza e excesso, tendo sido talvez por isso, e por ser tão diferente daquilo a que Arctic Monkeys nos tinham habituado, que tenha sido recebido com poucos louvores e muitas críticas em 2018. A opinião tem vindo a mudar, no entanto, e talvez até teria tido uma reação mais positiva se tivesse sido lançado em tempos de pandemia – porque os comuns mortais rever-se-iam facilmente na mensagem transmitida.

Apesar do rock psicadélico à Kevin Parker e da sonoridade de Ziggy Stardust poderem abafar a poesia que se esconde por detrás, é aí que reside grande parte da ousadia deste álbum.

Segundo o vocalista, muitas das letras foram escritas em “isolamento” (um mero isolamento voluntário, daqueles antigos) e todas parecem meticulosamente pensadas e trabalhadas – mesmo que muito provavelmente não o tenham sido – com referências infinitas que cobrem todo o espectro desde 1984 de George Orwell a Blade Runner.

A mudança (e evolução) imprevista da sonoridade, tal como aconteceu com o também controverso e incompreendido Hambug – terceiro álbum da banda inglesa -, trouxe uma audição tematicamente coesa, uma instrumentação exuberante, letras sofisticadas e satíricas, e temas realmente relevantes. TBH&C é o projeto mais introspetivo da banda, e agora que já tivemos tempo de o digerir, mostra-nos que não nos devemos confinar na nossa própria bolha nem afundar na tecnologia. Muito menos no mundo dentro de um ecrã, alheios ao que acontece fora dele. É verdade que a tecnologia e o entretenimento constante durante o confinamento nos mantiveram sãos por muito tempo, mas nada é bom em excesso. Exceto, talvez, Tranquility Base Hotel & Casino.

Artigo da autoria de Margarida Pereira

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