Crítica
Not In Chronological Order: a intemporalidade do amor segundo Julia Michaels
Nos seus EPs Nervous System e Inner Monologue Part 1 e Part 2, Julia Michaels canta sobre vários temas pessoais desde o fim de relações amorosas até à ansiedade e mesmo (a ausência de) amor-próprio. Com Not In Chronological Order, a cantora deixa para trás esses assuntos introspetivos e opta por explorar tanto os lados positivos como negativos do amor, nunca descartando as letras emocionais pelas quais é conhecida.
“All Your Exes” abre o álbum com um som muito diferente do resto da discografia de Michaels. Começa com uma guitarra acústica e, a partir do primeiro refrão, é introduzido um som mais rock com o uso de uma hipnotizante guitarra elétrica que condiz tão bem com a letra muitas vezes agressiva em que a cantora deseja um mundo onde as “exes” do seu amado estejam mortas. Esta canção ilustra muito bem a progressão de todo o álbum, que acaba por ser uma montanha-russa que passa de músicas calmas e acústicas para outras mais mexidas e contagiantes.
Entre as músicas mais calmas destaca-se “Little Did I Know”, que apresenta uma produção mais sentimental com piano e violino. Julia Michaels admite que tinha uma visão pessimista e até nociva do amor até que conheceu o seu namorado atual, que a mudou para sempre: «Little did I know/You would be the one that would save me».
“Love is Weird” é outra faixa cujos instrumentais subtis fazem brilhar a letra emocional sobre o difícil esquecimento das relações do passado. Já “Pessimist” introduz um pop mais descontraído com recurso à guitarra acústica, que conjuga muito bem com o tom mais alegre da música. A sua batida simples mas encantadora transporta-nos de imediato para o verão.
Nesta faixa, Michaels canta de uma forma tão bela sobre o quão uma pessoa que amamos pode alterar completamente a nossa perspetiva face ao amor – ideia mais evidente no verso «You took a pessimist and turned me into something else».
Entretanto, a meio do álbum, surge “Orange Magic”. É uma música querida sobre os primeiros encontros do casal e tem uma batida agradável e calma, mas que infelizmente é pouco memorável, perdendo-se um pouco entre duas músicas bem mais fortes e apelativas.
O álbum apressa o passo com “Lie Like This” e “Wrapped Around”. A primeira música é puramente pop. É dançável e cativante, e não surpreende o facto de ter sido escolhida para primeiro single (que saiu em outubro do ano passado), pois é, definitivamente, um dos destaques do projeto. A cantora fala sobre uma relação amorosa saudável e verdadeira em que se sente bem estando apenas deitada com o seu amado.
“Wrapped Around” continua com o pop energético agora com um som mais disco e um refrão com um baixo hipnotizante e melodia contagiante que nos faz simplesmente querer levantar e dançar. A letra irreverente e cheia de personalidade, juntamente com o build-up tão bem conseguido no pré-refrão, fazem desta faixa uma das mais fortes de todo o álbum.
Chega a vez de “History”, uma faixa sobre a curiosidade da cantora pelo passado do seu companheiro que serve como uma pequena pausa no som pop das músicas anteriores, sendo introduzido, assim, um instrumental muito simples com apenas a voz suave de Julia Michaels acompanhada de uma guitarra.
De certa forma, deixa-nos respirar um pouco antes da próxima faixa mais mexida, “Undertone”. Esta música, que foca uma tentativa de esquecer uma relação passada, tem um instrumental acelerado e verdadeiramente fascinante, assim como um dos refrões mais intensos de todo o álbum onde ecoa a poderosa frase «Every time I find somebody new/I hope that the memory of you will leave me alone/But you’re always an undertone».
O álbum termina com a serena e comovente “That’s The Kind of Woman”. Embora com uma produção mais discreta, é nesta faixa onde brilha o talento de Michaels como compositora.
Numa das músicas mais emocionais do projeto, a cantora evidencia as suas falhas enquanto imagina uma versão melhor de si.
A par do tema geral sobre o amor e as suas diferentes facetas, as letras também apresentam, várias vezes, referências temporais que entrelaçam perfeitamente com o título do álbum. Estas encontram-se em faixas como “All Your Exes”, que alude aos anos 2017 e 2023, “Little Did I Know” (referência ao verão) e em “History”, onde é abordado o passado e, especialmente, a infância, revelando a destreza de Michaels enquanto compositora.
Embora curto (não chega sequer aos 30 minutos), Not In Chronological Order é um debut maduro e coeso com influências pop e retro, que demonstra extremamente bem os dotes de Julia Michaels quer como cantora quer como compositora, destacando-se ainda a sua versatilidade e até humanidade.