Cultura
Tyler Faraday : Ter na Rua o maior palco do mundo
Como é que a engenharia e a música se encontraram na tua vida?
Na verdade, elas nunca se encontraram. Eu estudei engenharia porque eu gosto muito de ciências e sempre soube que estudaria algo nessa área.
Eu queria estudar arquitetura, mas o curso era numa cidade diferente e os meus pais não podiam pagar isso porque eramos cinco irmãos e não dava para estarmos todos a estudar fora. Das escolhas que eu tinha em Málaga optei por engenharia das telecomunicações. Esta era a minha vontade académica, mas eu era músico de uma forma paralela. Estava apaixonado pela música de uma forma super profunda, ouvia música todos os dias, muita, constantemente, estudava os álbuns, estava apaixonado pela sensação sonora de ouvir música. Para mim era mesmo algo especial, ficava a ouvir uma música cinquenta vezes em repeat. Na verdade, estes dois mundos nunca se encontraram, embora sejam parecidos, porque as harmonias são regras matemáticas, relações numéricas entre as alturas tonais, mas não aconteceu. Foram, aliás, uma contrariedade porque se eu estava muito focado no trabalho como engenheiro não tinha tempo para fazer música, se me focava na música, os meus estudos iam muito mal. Houve um ano em que me foquei totalmente na música e perdi o ano todo. Esses mundos nunca estiverem juntos, tive que escolher um e escolhi a música.
Qual o teu percurso até te assumires enquanto Tyler Faraday?
Eu trabalhava como engenheiro nos hospitais, por isso, tinha que dar uma certa imagem. Naquela altura, comecei a receber pedidos de amizade no Facebook de colegas de trabalho, do diretor do hospital e o que eu partilhava na minha página era eu a tocar na rua, em jam sessions muito tarde à noite e eu não podia passar aquela imagem. Por isso, precisava de uma forma de ter anonimato e escolhi um nome totalmente random.
Para isso procurei dois personagens que eu adorava. Um deles foi o Tyler Durden, do filme Fight Club. Gostava dele pela projeção psicológica que tinha de si próprio (que era o oposto do que ele queria ser). Naquela altura, eu estava também apaixonado por uma série que se chamava Lost onde havia um cientista que se chamava Daniel Faraday, uma personagem que controlava as viagens no espaço-tempo.
Eu gostava muito destas personagens e fiz uma combinação delas, mas nunca houve uma intenção musical por detrás, de ter um stage name. Como me quis inscrever num concurso de cantautores, utilizei este nome pela primeira vez e ficou para sempre.
A música chegou-te primeiro sob a forma de uma guitarra. Porque é que o canto só se seguiu muito depois?
Para mim sempre foi muito natural cantar. A minha mãe cantava muito, com uma voz fininha e acho que foi por isso que eu apanhei esta identidade de voz aguda. Ela cantava sempre bolero e outras cancões tradicionais da américa do sul e de Espanha.
Durante a minha vida toda, eu ouvi aquela voz aguda e como tinha bom ouvido também cantava mas não gostava muito da minha voz.
Para além disso, eu tocava numa banda que já tinha um vocalista, eu ajudava-o a entonar mas era ele quem cantava. Eu cantava todos os dias, mas não explorava a minha voz.
Até que, quando eu trabalhava como engenheiro numa cidade chamada Cáferes, onde morei durante dois anos, havia um barco onde faziam jam sessions e onde qualquer pessoa podia ir atuar. Mas, quem quisesse tocar tinha que também cantar a música porque, na verdade, ninguém cantava bem então era como uma desculpa. Ninguém estava à espera que se cantasse bem.
Eu fui então atuar e cantei. Depois da minha performance toda a gente ficou doida com a minha voz, as pessoas vinham ter comigo a dizer que a minha voz era incrível e eu comecei a acreditar em mim. Isto aconteceu há pouco tempo, há cerca de seis anos.
Depois disso, desenvolvi o meu primeiro projeto como cantor. Foi em Cáferes que mudei o meu nome para Tyler Faraday e me inscrevi no concurso que já referi, o qual acabei por ganhar.
Durante esse processo de mudança, porque escolheste adotar uma carrinha como casa?
Houve uma altura em que decidi não trabalhar mais, poupar o dinheiro de um ano como engenheiro para dar a volta o mundo. Fiquei com essa ideia durante o ano todo e foi a única vez na minha vida em que trabalhei com realização pessoal, fazia-o com a convicção de que aquilo estava certo. Foi o melhor ano da minha vida porque fazer o meu trabalho de engenheiro com motivação deu sentido a tudo. Eu estava a trabalhar em algo que eu não queria mas ainda assim isso deu à minha vida, um significado inacreditável e eu fui muito feliz.
Quando arranjei por fim esse dinheiro pensei “Caramba, agora vou dar a volta o mundo, vou ficar sem dinheiro e depois o quê, vou ter que trabalhar como engenheiro de novo?”. Então pensei que deveria investir na minha formação como músico. Comecei a procurar escolas na Europa até que uma menina portuguesa- que estava a fazer Erasmus em Málaga – me disse “Tu não vais para a Alemanha nem para Holanda, com o mesmo dinheiro vais estudar cinco anos em Lisboa”.
Quando cheguei a Lisboa fiquei apaixonado desde o primeiro momento, pensei logo que não haveria forma de não fazer aquilo. Pedi dois dias de férias ao meu chefe e depois disse que desistia do trabalho e ia estudar música em Portugal. Ele ficou doido.(risos)
Depois de dois anos a estudar em Lisboa, fiquei mal psicologicamente porque jazz é muito puxado, há muita rivalidade, competição e quanto mais velhos somos mais difícil é absorver conhecimento, a minha evolução era muito devagar, comecei a ficar desmotivado. Então, resolvi desistir da escola, comprar uma carrinha com o resto do dinheiro que eu tinha e dar a volta ao mundo.
Na carrinha construí uma cama, uma pia para lavar os dentes, a louça e outras comodidades.
Mas nesse momento, eu comecei a sentir-me tão bem em Portugal que acabei por ficar aqui e desisti da volta ao mundo outra vez. Aliás, no dia em que iria partir para essa tal viagem ligaram-me para participar no The Voice. Nunca mais saí de Portugal desde esse momento até à pandemia em que tive de voltar para Espanha para ter ajuda familiar.
Participaste no The Voice Portugal e logo a seguir no The Voice Espanha. O que retiraste de cada uma destas experiências?
Eu só queria participar no programa para “pular” alguns passos que como artista tinha que ter feito de forma natural. Ou seja, para conseguir ter um projeto maduro e toca-lo o mais possível em todo o lugar. Eu queria pular esse passo porque é muito chato, ser artista independente dá um trabalho inacreditável, fazer o cartaz, sessão de fotos, logística, estar o dia todo a tentar ter uma oportunidade num espaço onde ninguém te conhece…
Quais consideras serem os maiores desafios de um artista independente?
Para as pessoas que estão muito próximas de ti não é fácil reconhecerem o teu talento porque, inevitavelmente, uma pessoa que cresceu ao teu lado, precisa de uma natureza muito humilde e muito sensível para reconhecer isso em ti.
Um artista independente precisa do feedback de quem está à sua volta mas a família e os amigos não conseguem descolar-te desse papel afetivo. Para isso, tem que te ver alguém de fora para ficar tocado com o teu talento.
O problema de ser um artista independente é que se tem menos credibilidade, independentemente da qualidade ou do talento, por isso, tem que se trabalhar muito mais para conseguir a mesma coisa. O outro lado disso, é não poder ser muito genuíno, ter que se “vender”.