Cultura
Porque É Victor Hugo Pontes Infinito
Na mais recente criação da Nome Próprio, Victor Hugo Pontes agarrou em corpos pequenos para encher o grande palco – desta vez, do Teatro Nacional São João. A proposta era partir do canónico “Romeu e Julieta” – e partiram. Partiram-no. E, tal qual como no jogo das cadeiras, só houve espaço para algumas partes sentarem. O resto ficou a ser dançado, questionado e trocado por miúdos.
O teatro habituou-nos ao fingimento. Sabemos que, ali, em palco, as pessoas não morrem a sério, não discutem a sério, não dormem a sério. Esta mágica convenção também nos permite ver homens a fazer de mulheres, jovens a fazer de velhos e adultos a fazer de crianças, sem que a lógica seja posta em causa. Mas aqui surge Victor Hugo Pontes e a sua insana busca pela verdade. Do texto original de Shakespeare todos conhecem a narrativa da bela história trágica de amor entre dois jovens de famílias rivais. Porém, já só alguns conseguem lembrar-se quem morre primeiro e quem morre depois, quem usa veneno e quem usa o punhal, ou quem são os responsáveis por tais dias fatídicos. E o que quase ninguém diria, embora seja verdade, é que os protagonistas têm treze e quinze anos quando tudo isto acontece.
Se assim é, tinha mesmo de ser esta geração a viver neste palco, a sentir este amor e futuro comprometido, a comparar as realidades díspares do século XVI e XXI e a traduzir este sentimento sem tempo nem fim.
O elenco conta com oito jovens entre os 15 e os 18 anos e os três já grandes: António Júlio, Pedro Frias e Vera Santos. Juntos, numa dança de corpos, idades, experiências, perspetivas, leituras e aberturas, “Porque É Infinito” resulta da infinitude da entrega desta equipa na exploração do amor, suas formas, limites, promessas e problemáticas.
Nesta versão, Joana Craveiro, autora do texto, não deu lugar aos monólogos indecifráveis nem às hesitações que cicatrizam o clássico. De facto, nem sequer deu margem para as dúvidas ou tempos mortos – porque uma geração habituada aos intuitivos scroll down e à rapidez das redes não está para aguentar tantas mortes lentas e silêncios dramáticos shakespearianos. Assim, num ritmo alucinante e sempre acompanhados de um manual de instruções para amores impossíveis, estes miúdos e graúdos foram contando e interrompendo a mais icónica história de amor de todos os tempos para a comparar, apreciar e satirizar.
Palavras nenhumas farão jus às imagens poeticamente sem gravidade construídas pelo coreógrafo.
Todo modo, pensamos, entre aplausos, que quem nos dera que Shakespeare pudesse ver o que andam a fazer consigo, para também poder emocionar-se de pé. Se falar de amor não é fácil, falar com o corpo torna a sua língua ainda mais universal (e isso é proeza para poucos). Mas, como falar de amor não é desafio que chegue em “Porque É Infinito”, a equipa eleva também a morte, a culpa e toda a inconstância adolescente a um expoente de beleza cénica.
Há amores maiores que a vida. Há vidas que sobrevivem à morte. Há palavras que superam tudo. E há espetáculos que terminam com o silêncio de uma pergunta. E mesmo que esse descaramento seja desconcertante, é a forma perfeita de responder a todas as inquietações que aquelas duas horas provocaram. (Duas horas? Não é possível, passou tão rápido… Irónico como teriam sido, esse breve par de horas, tempo suficiente para toda a tragédia ter outro desfecho. Enfim, tudo na juventude é um sopro.)
Artigo da autoria de Inês Sincero