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Cultura

Euphoria: O fenómeno perdeu o brilho?

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Para aqueles que ainda não foram contagiados pela euforia e rebuliço à volta desta série, Euphoria é uma produção da HBO, iniciada em 2018. A versão americana de uma produção israelita do mesmo nome rapidamente obteve sucesso, não só devido à sua atriz principal, Zendaya (Dune; Spiderman: Homecoming; Malcolm & Marie), como também pela sua trama e cinematografia incomuns. A série aborda a vida de Rue Bennett, uma adolescente que conhece o mundo das drogas após o falecimento do seu pai, e se torna altamente instável e extremamente dependente da única coisa que a faz sentir em paz consigo mesma. Paralelamente, surgem histórias de outros adolescentes, que também abordam temas polémicos e sensíveis, que vão sendo desenvolvidos de uma forma dura e crua. O sucesso da série deve-se a isto mesmo: ao fator choque. A abordagem de problemáticas como o mundo dos vícios, do sexo, da toxicidade do ambiente escolar e familiar, o bullying, o body-shaming, a instabilidade mental, a leviandade e irracionalidade adolescente é feita de forma dura, sem romantismos. Os temas vão sendo encadeados e discutidos sem nunca parecerem artificiais e forçados a encaixarem-se na estrutura da série.

Cada episódio é como um murro no estômago e quando achamos que não podemos ser surpreendidos, eis que acontece uma vez mais.

A narrativa é contada com recurso a uma cinematografia exímia. Com toda a certeza, é das séries visualmente mais estonteantes de sempre, com uma ambientação que remete a outras produções, mas que possui traços que a tornam única. A 1ª Temporada obteve grande sucesso pelo seu uso de néons, glitters e cores berrantes. Estes contrastavam com os ambientes mais escuros que condiziam com toda a narrativa e visão adotada para o que era retratado. Agora, na 2ª temporada, assistimos a uma mudança de visuais, mas que assenta perfeitamente em função da parte narrativa: cores mais pastel, menos euforia, mais seriedade. A parte sonora envolve-se com todos os visuais e com a emoção da trama.

Tudo isto se traduziu na renovação da série para uma 2ª temporada e em dois episódios especiais, que estrearam um ano antes do novo capítulo. Alguns fãs criticaram esta iniciativa, uma vez que Euphoria brilhava por parecer algo mais contido, mais limitado. No entanto, as pontas soltas deixadas em alguns dos episódios e a necessidade de ver e sentir mais, sobressaiu. As premiações, principalmente o sucesso obtido nos Emmys, contribuiu para aumentar a ânsia em ver mais desta série singular, tornando-se num dos lançamentos mais aguardados da companhia televisiva.

Com a chegada da pandemia, as gravações da nova fase de Euphoria atrasaram-se. A HBO e os showrunners também revelaram que pretendiam demorar o tempo necessário, mesmo que ultrapassasse o período de um ano, com o objetivo de entregar um produto de qualidade e que não desapontasse os críticos e os fãs. Assim sendo, a 2ª temporada chega quase dois anos depois, com um novo episódio todas as semanas.

Durante a época pandémica, houve um boom de novos fãs e de pessoas interessadas em conhecer esta série. Provavelmente, tanto no Twitter como no TikTok, deram de caras com algum conteúdo referente à mesma. A sua fama, já acrescida pelo desempenho da emissão e principalmente na época dos Emmys, deu um salto gigantesco e chegou a um público cada vez mais alargado.

Mas também a um público mais jovem. Embora a série seja classificada para maiores de 18, o seu público é constituído por faixas etárias demasiado jovens. A HBO reforçou o aviso de conteúdos explícitos e perturbadores, principalmente no início do 2º ano da série. Euphoria atinge valores de audiência cada vez maiores e domina todas as redes sociais, onde é possível encontrar pessoas jovens a comentar alguns temas da série.

Será isto benéfico para o público mais jovem? Poderá funcionar como um meio de sensibilização e como forma de evitar determinados comportamentos? Compreenderão todos os tópicos representados?

O problema, que é cada vez mais verificável, é que a maioria da audiência mais tenra ou desviada do verdadeiro objetivo da série, interpreta a sua narrativa da forma mais errada possível. Romantizam comportamentos tóxicos, aderem à série por ser tendência e apenas vêm esta produção como algo aesthetic e “fixolas”. Não é a primeira vez que se vê alguém a defender a personagem X ou a assemelhar-se à personagem Y. Isto é preocupante, visto que este não é o principal foco da série. Não é algo feito para nos compararmos a certo personagem, uma vez que todos têm algum tipo de vício e servem como meio de crítica para os mesmos. Por exemplo, a Rue possui o vício em narcóticos; a Jules deseja ser o mais feminina possível; a Cassie tem a necessidade de possuir sempre algum tipo de aprovação e relação amorosa; o Nate é controlador, tóxico e quer sempre afirmar-se como a representação física de todos os ideais de masculinidade. Todos são, de alguma forma, dependentes de alguma coisa.

Frame de “Euphoria” – HBO Max

A série já foi alvo de críticas por parte de entidades superiores, que acusavam a HBO de usar e abusar de nudez, cenas de cariz violento e de romantizarem o uso de drogas, pela sua ambientação mais frenética. Contudo, estas acusações foram feitas pela incorreta absorção dos conteúdos por parte dos fãs que acham que esta é uma série mais chiclete e leve. A audiência precisa de adotar um olhar mais sério, mais atento à narrativa e à combinação que a série faz com os seus visuais e parte sonora.

Respondendo à questão do uso do glitter e do ambiente mais festivo, a série mostra que o uso de drogas é inicialmente ligado à necessidade de diversão. Pensa-se que estas apenas trazem bem-estar, uma espécie de loucura momentânea e de espírito de festa. Mas à medida que a história vai avançando, todo o brilho vai desaparecendo, chegando aos tons pastel da 2ª temporada. A euforia inicial transforma-se em vício, cria instabilidade e toda a diversão fica cada vez mais suja, desesperada e sem o poder inicial. À medida que a sanidade mental e física de Rue é deteriorada pelo seu consumo excessivo de estupefacientes e de comportamentos autodestrutivos, a série vai perdendo a sua beleza e todo os néons, começando a adotar cores mais cruas, que simbolizam uma espécie de ressaca.

Euphoria não fala apenas da toxicodependência, mas também de uma dependência associada a ideias incorretas que nos destroem.

A 2ª Temporada, que está na sua reta final, está a receber boas críticas e tanto se debruça sobre um novo leque de problemas, como também aproveita para desenvolver o que já foi posto em evidência no passado. É mais bruta do que a anterior e a fasquia está ainda mais elevada, por toda a atenção que foi chamando. De uma forma mais pessoal, temo que a série possa perder qualidade devido à sua popularidade desmedida, algo que já se verificou nos últimos episódios e que foi defendido pelos fãs mais antigos da série. Deve tentar ser o mais contida possível e continuar com a sua visão cortante, mas sem abusar e demarcando-se da necessidade de agradar ao maior número de fãs. Triunfou por ser polémica, por isso, assim deve continuar. No entanto, a segunda temporada também tem mostrado que quando Euphoria quer dar um soco emocional nos fãs, nada a consegue impedir. Os momentos mais chocantes, mais emotivos, continuam a ser o ponto alto da série, quer por toda a parte visual e auditiva, mas principalmente pelas atuações dignas de Emmys de quase todo o elenco, onde se destaca Zendaya, Sydney Sweeney (The White Lotus; The Handmaid’s Tale; The Voyeurs) e Hunter Schafer, que possuem um domínio emocional de louvar.

Espera-se agora pela finalização da nova fase da série, com uma terceira temporada já confirmada. Será que o prolongamento da narrativa se justifica? Toda a popularidade que a série tem conseguido não estará a causar uma deterioração gradual da sua qualidade? As aguardadas respostas serão dadas nas próximas semanas.

Em síntese, Euphoria não é uma série de conforto e que deve ser vista de forma leve. É uma produção única e que não tem medo de nos deixar em choque e ansiosos com os conteúdos apresentados. É, certamente, uma das produções mais bem pensadas e executadas dos últimos anos, mas que precisa de continuar focada no seu principal objetivo para não sair do seu caminho. Deve ser renovada apenas se necessário e não ser influenciada pelo lucro e audiência que tem vindo a conquistar.

Artigo escrito por João Jesus

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