Crítica

Continuance: Curren$y volta a espalhar rimas sobre os deleites de The Alchemist

Published

on

Continuance assinala o terceiro projeto colaborativo do rapper com o célebre produtor. The Alchemist já anda por aí desde os anos 90 e colaborou com inúmeros artistas e grupos de renome como Mobb Deep, Nas, Ghostface Killah ou B-Real. Mais recentemente, trabalhou com músicos como o rapper/chef de Queens, Action Bronson, Mac Miller ou Freddie Gibbs. Alan The Chemist é o pai natal do game – tudo o que um rapper quiser, ele traz.Já Curren$y, natural de New Orleans, saiu em 2011 da discográfica de Lil Wayne,Young Money, para criar a sua, Jet Life Recordings. É caso para dizer que o rapper anda mesmo de jato e que o “cansaço” do seu flow não se reflete (de todo) na sua produtividade – Curren$y é um dos artistas que mais música nos oferece e Continuance é o mais recente de 36 álbuns e mixtapes lançados pelo rapper nos últimos dez anos, 8 dos quais no ano passado.

Foi com o ‘Juke’ que The Alchemist entrou numa nova fase da sua carreira e deixou a sua pegada na nova escola, onde tem passado nos testes todos. A sua primeira vez juntos foi em 2010 em Covert Coup, projeto que Spitta diz ter gravado com Alchemist no dia em que se conheceram. Um dia em que química e sintonia nasceu das cinzas deixadas no cinzeiro de serviço. Juntos, o estúdio ganha uma vida nova e boa música é garantida.

Foto: Luís Ferrá

Quando comparado a Covert Coup, Continuance é mais distenso e menos barulhento. Os beats são totalmente diferentes, agora muito mais apurados em termos melódicos.

Exemplo disso é a sensual melodia que dá início ao álbum no single “Half Moon Mornings”. Uma incógnita mulher é o tema inicial, mas num piscar de olhos Curren$y leva-nos numa viagem de carro pela cidade, ao sol e entre as “árvores do Taiti”. Enquanto nos conta algumas histórias passadas no East Side (que vemos gravado no seu carro azul-bebé), o luxuoso estilo de vida do rapper vem ao de cima no videoclipe.

Lentamente, irrompe um cheiro a brisa do mar na transição entre a primeira faixa e a segunda, “Reese’s Cup”. Nesta faixa de minuto e meio, Spitta descreve-nos, por cima de uma extasiante “pianada”, um carro, mais especificamente, um “Rover castanho-chocolate” com “bancos de cabedal bronzeados”, que fazem o rapper sentir que mordeu uma “Reese’s Cup” quando se senta neles (Reese’s é um famoso chocolate americano de manteiga de amendoim).

Entre referências a basquetebol, Chevrolet’s e até ao clássico Scarface, Curren$y descreve a vida mundana como alguém que a vê de fora e valoriza os pormenores de uma maneira muito singular.

Em “Jodeci Tape”, por exemplo, o rapper sugere que se ouça uma cassete dos Jodeci (grupo de R&B de Charlotte) acompanhada de uma fatia de bolo de frutos vermelhos no seu Chevrolet Camaro para curar um coração partido. Apesar de ter uma escrita relativamente cuidada, parece simplesmente dizer o que lhe vem à cabeça quando está em frente ao microfone, off the dome. Para além dessa subtileza, muda completamente de assunto em dois versos e quem ouve nem se apercebe, porque ele sabe ligar os temas que aborda suave e harmonicamente, tal como The Alchemist soube ligar estes estupendos beats.

E se o hip hop for como um Chevrolet, Alchemist conduz sem imprecisões e estaciona sempre com os melhores beats, sem cessar de vida e frescura. Em Continuance, os seus instrumentais guiam qualquer humano a um mundo bonito, agradável, com beats a um ritmo que vai acalmar essa ansiedade.

O seu sampling é sempre certeiro, e expressa-se neste projeto quase exclusivamente através de sons dos anos 70, essencialmente soul, com extratos de David Oliver e Norman Feels. Em “No Yeas”’, o produtor consegue captar o auge dos feels transmitidos por Norman na faixa de 1974 “Where or When”, pedindo emprestados à sua bela voz dois momentos climáticos da canção.

“Kool & The Gang”, a última faixa do projeto, tem uma sample de Moord Met Geduld do holandês Rogier van Otterloo retirada da soundtrack original do filme Turks Fruit (Delícias Turcas) é, de facto, uma delícia. A banda de rock/jazz The Section e o japonês Yuji Ohno também foram “samplados” por Alchemist neste projeto conjunto com Curren$y.

As colaborações estão cozinhadas no ponto. Wiz Khalifa, amigo próximo de Curren$y há mais de 10 anos, não podia falhar o álbum. Com um verso em “Corvette Rally Stripes”, o rapper de 34 anos apresenta um dos momentos mais marcantes do projeto, com referências ao estilo de vida luxuoso dos seus e, claro, à sua substância preferida. Se começava a ficar seco, Wiz veio refrescar este álbum. Havoc, que entra no mesmo som, também cumpre os requisitos com entrega e uma letra bem trabalhada.

Quem não conhece vai ter certamente interesse em dar uma vista de olhos a Boldy James, que entra num dos melhores sons de Continuance, “No Yeast”’. Nesta terceira faixa muito smooth (cujo vídeo conta com a presença de Action Bronson, Earl Sweatshirt e Daringer e Guapdad 4000), Boldy veio de Detroit para falar da sua nova vida opulenta e contar a história da caminhada dos dois rappers até ao sucesso.

Styles P, rapper que pertence à discográfica de Curren$y, apresenta um verso limpo e seco no som mais chill do álbum, “Whale Watching”. Uma faixa para respirar fundo e ir com a corrente que faz mesmo crer que estás a observar baleias. Grande beat, grande colaboração.

A meio do álbum, “The Tonight Show” salta à vista com o melhor beat do projeto.  É o pico da consonância que une os dois artistas.

Em “Endurance Runners”, Curren$y vem calar a nova escola e lembrar que ainda anda por cá, a executar pelo gosto e não pelo reconhecimento. A música fala da longevidade dos autores do álbum no game (“Recipe to my sauce, they need that help with the hustling/Longevity, we endurance runners”) e de como estes o dominam e nunca se gabaram disso (“This ain’t the same/I’m legendary, you just a lame/Mainstreamers bit the style and act like they forgot my name”). No fundo, é um resumo daquilo que o álbum representa, a consistência e continuidade (Continuance) de muita música de qualidade.

Continuance não tem a diversidade de estilos musicais habituais noutros álbuns contemporâneos. Curren$y raramente muda de registo ao longo do projeto. É, sim, um álbum para quem quer ouvir hip-hop de alto nível.

É um projeto que transmite esperança e reminiscência, superação e consequente sucesso. Um álbum sem medo de falhar por não ter ambições de fama e reconhecimento, resultado de dois grandes músicos que se unem pelo prazer de fazer boa música juntos e lucrar com essa diversão. Continuance revela uma paixão pelo hip-hop, mas acima de tudo pelo dinheiro e tudo o que ele significa para o rapper de 39 anos. Em “Obsession”, quarta faixa do disco, o rapper refere-se à sua obsessão pelo dinheiro, presente desde o dia em que nasceu.

Um álbum cuja beleza pode demorar a digerir, mas com o qual Curren$y vem declarar o seu domínio à base da consistência. Mata qualquer beat e, apesar de ter projetos menos berrantes, nunca falhou à sua leal base de fãs.

Artigo escrito por Tomás Guimarães

Leave a Reply

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Exit mobile version