Cultura

B FACHADA: “NÃO TENHO MAIS COISAS PARA DIZER DO QUE OUTRA PESSOA”

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Após ter deixado de lado (ou não…) o “B” que acompanhava o Fachada, o JUP foi descobrir o que passou para primeiro plano. Após um ano afastado dos palcos, o músico de Lisboa não descarta as suas origens e as ideias que o definem como músico. Horas antes de subir ao palco do FUSING Culture Experience, B Fachada mostra-se fiel a si próprio, convicto de que “ser músico não é ser melhor do que ser outra coisa qualquer.”

 

O que aconteceu ao “B” do Fachada?

Nada, continua aqui [risos]. Isso resultou de uma espécie de equívoco. Eu queria usar só Fachada em jeito de diminutivo e isso foi tomado como uma mudança de nome, que passou a ser generalizado.

 

Até porque voltaste a trazer o “B” para o teu novo álbum …

É isso. O disco era uma das circunstâncias em que eu preferia que tivesse ficado só Fachada, mas como houve este equívoco tive que voltar atrás para se perceber.

 

Porquê este lançamento tão repentino do álbum, sem pré-aviso? É uma coisa do Verão?

Sim, sempre fiz mais ou menos assim. Nunca fiz grandes avisos prévios. O digital abre a porta para o disco sair muito mais depressa do o que saía antes. Quando eu comecei a gravar o disco em circunstâncias normais, feito à antiga, não chegava com antecedência para aviso. Agora nós começamos a gravar o disco e cinco dias depois está gravado, uma semana depois está acabado e no dia a seguir põe-se na net. Portanto, para avisar com quinze dias de antecedência, achei preferível não avisar.

 

Porquê pegar agora num tema de Zeca Afonso (“Já o tempo se habitua”)? Já era uma música que querias interpretar?

Não, teve a ver com o meu ano de paragem. O Zeca sempre foi a referência principal da música portuguesa e, neste último ano, voltei a ter uma reaproximação a ele. Estive a ouvir tudo com muita atenção outra vez e acabei por aprender algumas coisas novas, descobrir umas coisas diferentes sobre ele, ler algumas entrevistas que ele tinha dado. Houve uma éspecie de reapropriação do Zeca e essa música marca esta aproximação.

 

Não tiveste receio de reinterpretar este tema num registo eletrónico? Usar manobras e interpretações mais rebuscadas não parece ser algo de que tenhas medo.

Não, de todo. Não, nem sei fazer de outra maneira. Só sei pegar na canção de outra pessoa como se fosse minha. Não tenho uma referência pela versão original. A canção existe num espaço abstrato e as várias versões têm o seu papel …

A música brasileira desenvolveu-se muito à custa dos intérpretes e das canções se multiplicarem em muitas versões diferentes. Nós nunca tivemos essa tradição do intérprete e acabamos por confundir muito as coisas; confundir o autor com interpretação, com a língua escrita e a língua oral. Acabamos por confundir essas coisas todas, porque, de facto, não temos essa variedade, mas a culpa disso não é minha … [risos]. Não posso fazer por três, não é? Só posso fazer por um.

 

Consideras-te também influenciado pela música popular brasileira, sobretudo da década de 60?

Muito, muito! As canções que me impressionavam quando eu era pequenino, que me impressionavam pela palavra, era quase tudo música brasileira. A imagem dos standards brasileiros continua a ser a minha imagem de interpretação perfeita, pelo jogo das palavras, o jogo dos sons, as letras e as canções simples. São a minha máxima, se eu pudesse, só fazia assim. Se eu soubesse, só fazia assim.

 

Como é que é ser um artista que canta crítica política e social em Portugal?

[risos] Acho que isso é um bocado circunstâncial. Eu não tenho mais coisas para dizer do que qualquer outra pessoa. Tenho uma maneira de as fazer e tenho uma via que posso usar para isso. Mas o que interessa é a canção em si. Neste disco cheguei à conclusão que, quer eu falasse de política ou de sociedade, quer eu não falasse, ia ser sempre sobre isso. O assunto tornou-se tão presente e tão generalizado … Eu estive um ano parado e nesse período metade do meu público emigrou, a minha geração foi-se toda embora. É difícil não falar disso porque depois isso faz parte da tua vida em vários níveis. Faz parte da tua vida porque é difícil as pessoas estarem juntas sem falarem sobre isso. Faz parte da tua vida porque tens vários amigos que estão longe. Esta realidade está sempre lá, portanto acabava por ser inevitável que o disco fosse sobre isso. Se não fosse sobre isso, ia ser sobre isso porque não era sobre isso. Neste caso, os assuntos servem de pretexto para ir fazendo as canções, para eu descobrir o que é o “disco certo”.

 

De que sentiste mais falta neste ano em que tiraste uma espécie de licença sabática, em que estiveste longe dos palcos e do estúdio?

Senti falta de trabalhar, mas isso acabou por ser bom. Senti falta de gravar, nunca tinha experimentado. Senti falta de dar concertos, claro. Senti falta de trabalhar, dentro dos limites.

 

O que é que te levou a transitar de um estilo marcadamente influenciado pela tradição oral portuguesa, para um estilo mais africanizado e electrónico?

É uma coisa natural, é o que é. Tem a ver com o facto da minha abordagem às canções não precisar de um género. Posso estar a trabalhar com a eletrónica ou só com uma guitarra, mas a minha intenção é sempre a mesma. Se posso fazer com que isso fique tudo uno, porque haveria de estar sempre a fazer a mesma coisa? Posso estar sempre a fazer coisas diferentes; nunca vai deixar de soar a mim, porque eu também não sei fazer mais nada.

 

Achas que isto foi uma manobra para entrares em contacto com as influências da lusofonia, tanto na sua escrita, como na composição musical?

Acho que não. Acho que nós devemos sempre permanecer fiéis ao nosso próprio provincianismo. Ou seja, não estou a trabalhar com culturas que estão fora de mim, estou a trabalhar com o ambiente que tenho. Nasci no Sul, nos “dormitórios” de Lisboa, sempre com comunidades muito grandes à minha volta, isso acaba por fazer parte da minha província. Essa é a minha província. Eu trabalho com ela, com a minha pronúncia e com as minhas pessoas.

 

Como olhas para este momento da música portuguesa, onde assistimos à ascenção e afirmação de inúmeras novas bandas, novos sons e novas ideias?

Não sei o que acho. Acho que é uma coisa do momento, que só poderia andar se se descentraliza-se a música. Só quando a música conseguir espelhar a variedade de provincías, só assim é que se poderia desenvolver uma coisa verdadeiramente interessante, em que toda a gente teria oportunidade de produzir a sua cultura, de uma maneira ou de outra, em qualquer sitío, sobre qualquer lugar, em qualquer pronúncia. Tudo coisas que ainda não acontecem. Essa diversidade que existe acaba por ainda ser muito … contida, centralizada.

 

Sobre o que é ser músico…

Ser músico não é ser melhor do que ser outra coisa qualquer. O palco é uma ilusão. Há um lado muito ridículo de estar ali em cima a mexer os braços e estar gente a olhar para ti. Os teus motivos não podem ser vontade de estar naquele sítio, os teus motivos têm que ser outros. Não é por isso que as pessoas fazem música, já havia música antes de haver palcos, portanto não pode haver uma relação direta entre querer fazer música e querer dizer aos amigos que faz música. Essas duas coisas não podem estar ligadas. Tem que haver uma ligação clara, direta entre fazer música para ouvidos que existam e fazer música para ser ouvida na casa de banho, porque as pessoas não se costumam juntar na casa de banho para ouvir música … Tens que fazer música pelo menos para os sítios onde a música se ouve. Aí não vais estar a trabalhar com a província dos outros, vais estar a trabalhar com a tua província. A cultura tem esse lado empático: nós achamos que o importante é sermos autores, mas também havia música antes de haverem autores.

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