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Cultura

“A Vida Mentirosa dos Adultos”: Já não somos crianças!

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“Quando somos pequenos, qualquer coisa nos parece grande. Quando somos grandes, tudo nos parece pequeno. A cada um a sua mania.”

Esta frase surge como um refrão todos os episódios, pondo em evidência a mudança de perceção do mundo que sentimos quando passamos da infância para a adolescência. O tema principal desta história é precisamente a forma como Giovanna Trada, uma rapariga de classe média-alta de Nápoles, encara esta transição que, como sabemos, é tudo menos fácil.

Tudo começa quando Giovanna ouve uma conversa entre os pais sobre o facto de “estar a ficar feia” e “parecida com Vittoria“. Vittoria é a tia que não conhece e que vive na zona pobre de Nápoles. Foi eliminada de todas as fotografias de família e, desde sempre, o seu nome foi usado como se se tratasse de um adjetivo com conotação negativa. Dada toda esta animosidade, Giovanna fica intrigada e quer conhecer a sua tia. Os seus pais, intelectuais progressistas, acreditam que Giovanna deve ter a oportunidade de formar as suas próprias opiniões, levando-a a conhecer Vittoria. No entanto, os progenitores esperam que a filha tenha exatamente a mesma visão negativa que eles possuem, após encontrar e conhecer a tia pela primeira vez.

Quando Giovanna conhece Vittoria, fica intimidada pela sua postura imponente, pela sua forma direta e nem sempre cuidada de falar, pelos seus gestos e pela sua forma implacável de dizer o que pensa, sem filtros. No entanto, Vittoria tem também um lado mais doce, menos ameaçador e vulnerável: também ela amou, afirmando que não vale a pena viver sem amar alguém e é ela quem irá manifestar da forma mais genuína o seu amor por Giovanna. A tia é também completamente alheia da realidade que Giovanna vive: despreza as intelectualidades, as ostentações e prefere uma vida simples e alegre.

À medida que a relação de Vittoria e Giovanna se estreita, Giovanna questionará a vida que os pais levam. Será apenas necessário perguntar pelo paradeiro de uma pulseira que Vittoria terá dado a Giovanna quando nasceu para desmontar mais de 16 anos de mentiras. E é esta pulseira que desencadeará mais uma série de mudanças e questionamentos que vão pontuando a série.

 

Giordana Marengo e Valeria Golino protagonizam a série. Foto: D.R.

É também importante de referir que todos os personagens da série lutam contra problemas reais e que, ao assistirmos e ao compreender-mos as suas motivações, transparecem nas suas personalidades. A série comprova algo que teima em ser difícil de aceitar: é natural mudarmos com o tempo. Isto será visível tanto no caminho que a protagonista percorre ao longo da série, como naqueles que a rodeiam. É normal mudarmos enquanto pessoas, é normal mudarmos de afinidades, é normal mudarmos as nossas opiniões. É isto que nos mostra que realmente crescemos.

Ao longo da história, haverá muitas outras revelações além destas, ficando-se a perceber que ninguém é quem parece ser. No entanto, o ponto principal da série é entendermos o mundo dos adultos. Será assim tão criminoso contar uma mentira que apenas tem como intenção proteger aqueles de quem mais gostamos? Serão os adultos assim tão resmungões e difíceis apenas porque sim? São questões que a série trabalha e que consegue abordar por diferentes prismas.

Esta é a história de Giovanna e de Vittoria, uma história em que todos têm a sua perspetiva e em que ninguém tem razão. É sobretudo uma história sobre o momento em que as nossas crenças são postas em causa, e sobre o caminho que uma personagem trilha para aprender a lidar com isso e a aceitar a nova realidade. Tal faz-nos refletir sobre o génio humano e a sua necessidade de compartimentar a realidade.

É mais uma história da enigmática Elena Ferrante, que revelou que, em pequena, também gostava de dizer mentiras para ter histórias para contar. É mais uma narrativa repleta dos seus traços: temas como a liberdade, o encarar de frente dos sentimentos e aspetos mais feios do ser humano, a política e o feminismo são uma vez mais retratados de forma notável. Em suma, esta série está carregada de simbolismo, dando até uma perspetiva diferente sobre o próprio livro, também ele a não perder.

Por Margarida Inês Pereira