Cultura
Lear: Aos olhos de todos
Em Rei Lear, Shakespeare conta-nos a história de um rei, que já avançado na idade, quer dividir o seu reino pelas filhas para que se encarreguem elas de o reger. Três são as filhas, e a cada uma delas caberá uma parcela do reino tanto maior quanto a sua demonstração de afeto pelo rei. Cordélia, a mais nova das três, não se desfaz em declarações de amor a seu pai, dizendo apenas “que o ama como é seu dever e que essa é a verdade”, sinceridade condenada pelo rei que a exclui da divisão do reino.
Um mote simples, que demonstra até onde pode ir a ambição desmedida e o quão condenada é a honestidade num mundo de mentiras. Ademais, a obra literária toca também em temas como o envelhecimento, o altruísmo e a necessidade de deixar um legado.
Esta tragédia, considerada uma das obras-primas de Shakespeare, sobe ao palco pela mão do Teatro da Didascália e do Teatro do Bolhão. O encenador, Bruno Martins, trabalhou lado a lado com o seu antigo professor, António Capelo, na realização de Lear. Juntos, mestre e antigo aprendiz, contam esta complexa obra dramatúrgica de Shakespeare sem recorrerem a elaborados cenários. Despojados de barreiras perante o público, sem cortinas, toda a peça decorre às claras.
É mostrado ao espetador todo o intrincado mecanismo que normalmente se esconde por trás do palco. Todos os efeitos sonoros são feitos pelos próprios atores, com recurso a instrumentos simples, todas as mudanças de figurino são feitas em palco e até o ponto se posta orgulhosamente num canto preparado para, a alto e bom som, guiar os atores que se perderam. Ao longo da peça várias vezes se interrompem cenas como se de um ensaio se tratasse, que se desenrola diante dos olhos do espetador.
Lear, não é apenas mais uma forma executar o argumento de Shakespeare. É uma peça que se vai edificando à medida que o argumento evoluiu e onde se consegue observar a progressiva construção das personagens.
Bruno Martins reitera que nesta peça tentaram “devolver aos mestres […] a aprendizagem maturada pelo tempo”, deixando que professores, como Capelo, se guiem pelos seus aprendizes. A encenação conta com várias gerações da ACE Escola de Artes, mas o elenco é composto, na sua maioria, por jovens, demonstrando que não falta engenho às novas gerações de atores para levarem a cabo uma encenação tão complexa como Rei Lear.
Com encenação de Bruno Martins, Lear conta no elenco com Anabela Sousa, Ana Fonseca, António Capelo, Eduardo Breda, Inês Garcia, João Figueiredo, João Paulo Costa, Matilde Cancelliere, Paulo Calatré e Pedro Couto. A dramaturgia é de António Capelo e Bruno Martins.
Artigo de Margarida Leite Gonçalves