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Cultura

Daisy Jones & The Six (2023): Uma busca pelo porto seguro

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O livro “Daisy Jones & The Six” destaca-se pela sua narrativa, que é contada como se fosse a transcrição de um documentário em que a banda Daisy Jones & The Six quebra o silêncio erguido em torno da verdadeira razão da sua separação. À medida que avançamos na leitura, vamos conhecendo o passado de Daisy Jones (Riley Keough), uma rapariga talentosa, mas negligenciada pelos pais, que se vê praticamente sozinha aos 14 anos. Conhecemos também Billy (Sam Clafflin) e Graham Dunne (Will Harrison), os irmãos fundadores dos “The Dunne Brothers”, que se passarão a chamar “The Six”. 

Foto: Amazon Studios.

Desde cedo, Billy assume todas as decisões relativas à banda dos dois e ao tipo de música que tocam, querendo sempre ser ele a escrever as letras e as melodias das músicas. Como vive assombrado pelo facto de o seu pai os ter abandonado na infância, tem preferência por escrever canções com mensagens de esperança, simples e alegres, o que é exatamente o contrário de toda a sua pessoa. 

Mais tarde, quando Daisy se junta aos The Six, esta tendência é revertida, sendo que a cantora procura sempre encontrar a sua própria voz, rejeitando adaptar-se ao que estava estabelecido. Inicialmente, Billy demonstra bastante relutância, mas vai gradualmente reconhecendo o talento de Daisy, que será a primeira pessoa que o faz ver que as suas canções apenas são uma forma de mentir a si próprio: Jones quer, em vez disso, cantar sobre as más escolhas que todos fazemos e continuamos a fazer, ainda que saibamos que são erradas. Daisy traz, por isso, a complexidade da natureza humana para as letras de Billy, e tentando compreender porque é que estas são sempre sobre a sua mulher, Camila (Camila Alvarez).

Na obra literária, Taylor Jenkins Reid criou toda a discografia da banda, apesar de não ter experiência nessa área. Na série, com as devidas modificações, as melodias, agora materializadas, tornam impossível que o espectador não sinta arrepios, dado o conteúdo dos poemas, a profundidade da voz de Sam Claflin e a beleza e sentimento presentes na voz de Riley Keough. 

“Don’t you go and tell me that you love me
While you’re leavin’ if you’re gonna leave me now, oh
If you’re gonna let me down
Let me down easy if you’re gonna let me down”

Nesta frase é possível perceber que letras como “Let me down Easy” ou como “Look at us now (honeycomb)” já não são sobre o amor aparentemente ideal entre Billy e Camila, mas sim sobre as dificuldades sentidas na relação entre ele e Daisy. Na série, percebe-se realmente que as letras das canções passam a ser mensagens em código que enviam um ao outro, sugerindo que a música e a arte são os únicos meios que estas personagens têm de ser honestas consigo próprias, pois a vida obriga-as a esconder-se. 

Frame da série “Daisy Jones and The Six”.

Um dos pontos em que a série difere do livro é a forma como retratam Simone (Nabiyah Be), a única verdadeira amiga da protagonista. Na série, a personagem é explorada muito mais detalhadamente, sendo uma personagem queer, que lança toda uma nova tendência musical: o Disco Sound, que ,historicamente, começou nas festas da comunidade gay de Nova Iorque. Esta alteração introduz uma mudança de cenário tão necessária no livro, pois além de introduzir maior diversidade, levou a que o espectador pudesse desviar o seu foco do triângulo amoroso que, muitas vezes, se tornava cansativo.

A personagem de Camila melhorou também na série, fazendo-nos ver uma mulher muito mais completa, com as inseguranças e tristezas que a situação em que se encontra lhe trouxe, contrastando com a do livro, que prefere fingir que não se apercebe de nada, sob pretexto de “confiar” no marido. 

Talvez este original da Amazon tenha transformado uma história que nos deixa algumas vezes frustrados em algo mais simpático, mais humano e mais real. Isto coloca a complexidade e personalidade autodestrutiva da personagem principal em evidência, assim como o seu enorme valor artístico. Sendo assim, na série a Daisy perde alguma da sua inconveniência e egoísmo originais, acontecendo o mesmo com Billy, que surge de forma nos incutir maior simpatia por ele. O espectador é convidado a ver os acontecimentos em primeira mão e não contados por alguém, fazendo com que tiremos as nossas próprias conclusões sobre o que se passou com a banda fictícia mais famosa dos anos 70.

Esta minissérie conseguiu fazer o quase impossível: melhorar a história de um tão adorado livro, tornando-a mais densa, dramática e com mais significado. 

Por Margarida Inês Pereira