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JUP Baú: Elliott Smith e Phoebe Bridgers – A música como legado

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Em outubro deste ano será o vigésimo aniversário da morte de um dos maiores nomes do indie folk/rock, Elliot Smith. Conhecido pelo seu estilo musical cru e intimista, Smith teve uma carreira a solo relativamente curta, principiando em 1994 com a sua saída de Heatmiser, banda que formou com um amigo de faculdade em 1991, e que se estendeu até ao seu falecimento em 2003.

Nascido Steven Paul Smith, a 6 de agosto de 1969 em Omaha, Nebraska, o cantor teve uma infância complicada e instável, marcada pelo divórcio dos seus pais quando este tinha apenas seis meses, acontecimento que influenciou uma série de etapas da sua vida. Tendo sido educado, maioritariamente, no Texas pela sua mãe, Smith muda-se para Portland para viver com o pai aos catorze anos, idade em que já sabia tocar piano e guitarra. Especula-se que a razão por detrás desta mudança esteja na má relação que o músico tinha com o seu padrasto, Charlie Welch. Smith chegou mesmo a afirmar que pode ter sido abusado sexualmente por Welch quando era muito novo e entrevistas a antigas namoradas confirmam que o músico tinha dificuldade em lidar com os traumas da sua infância.

Já em Portland, um jovem Steven Smith continuou a dedicar-se à música, tocando clarinete, para além da guitarra e do piano, na banda da sua escola, e começando também a gravar música. Durante o seu secundário, “Steve” fez parte de uma série de bandas, como Stranger Than Fiction e A Murder of Crows, nas quais era vocalista. Porém, a sua evolução como músico veio acompanhada de um problema que o seguiria a vida toda e que influenciou significativamente a sua carreira – o vício por álcool e drogas, substâncias que começou a consumir muito cedo na sua adolescência.

Como foi referido antes, Elliot Smith fez parte da banda Heatmiser, formada pelo próprio e pelo seu amigo Neil Gust, em 1991. No entanto, o sucesso imediato da sua carreira a solo acabou por eclipsar o resto da banda e criar tensões entre os vários membros, tendo o lançamento do seu primeiro álbum Roman Candle (1994) marcado uma separação simbólica da mesma. Lançado a 17 de setembro de 1994, exatamente um mês após o nascimento de Phoebe Bridgers, este álbum foi bem recebido pelo público, algo que surpreendeu o seu autor, que se acredita o ter escrito quando tinha apenas 17 anos, uma vez que o seu estilo acústico e pessoal era muito distinto da música grunge que era mais popular na altura.

Impulsionado pelo sucesso do seu primeiro record, Smith prossegue com a sua carreira musical ao lançar os álbuns Ellliot Smith (1995) e Either/Or (1997), nos quais dá provas de uma clara evolução como artista, experimentando com vários instrumentos e com estilos de música mais diversos, sem, no entanto, perder o caráter íntimo e emotivo que marca toda a sua obra. No primeiro destes dois álbuns, Smith faz uma série de referências a drogas, que o próprio afirmou serem apenas uma forma de transmitir a ideia de dependência emocional, mas que mesmo assim contribuíram para reforçar a reputação do cantor como uma pessoa melancólica e depressiva. Porém, temas mais sombrios como desespero existencial, medo, ansiedade e morte continuaram a ser frequentes na sua música e particularmente em Either/Or, álbum cujo nome deriva precisamente de um livro do filósofo dinamarquês Søren Kierkegaard que trata estes mesmos assuntos.

O resto da vida de Elliot Smith foi marcada tanto por mais sucessos musicais como por vários momentos difíceis a nível pessoal. A sua contribuição para a soundtrack do famoso filme Good Will Hunting, que lhe mereceu uma nomeação para o Óscar de Melhor Canção Original, veio no seguimento de uma de muitas futuras intervenções devido ao seu problema com álcool e drogas. O processo de escrita e gravação de um dos seus álbuns mais populares, XO (1998), surgiu durante um período da vida de Smith em que este passava por uma grave depressão que culminou numa tentativa de suicídio. O último álbum completado antes da sua morte foi Figure 8 (2000), gravado no famoso estúdio Abbey Road, havendo claras influências dos Beatles, banda que popularizou este local, na música de Elliot Smith.

O músico norte-americano morreu a 21 de outubro de 2003, após um período de 3 anos em que o mesmo lutou fortemente contra uma dependência de heroína que levou a vários momentos de paranoia em que este achava que estava a ser perseguido. Nos últimos meses da sua vida, aqueles mais próximos do cantor afirmam que, pela primeira vez em vários anos, este parecia estar a melhorar, tendo abandonado o álcool quando completou os seus 34 anos, e começado novamente a trabalhar em música. Contudo, após uma discussão com a sua namorada, Smith foi encontrado pela mesma com uma faca espetada no peito, tendo morrido já no hospital. A sua morte foi declarada um suicídio; todavia, um relatório da autópsia deixa aberta a hipótese de homicídio.

Elliot Smith junta-se assim a uma longa lista de artistas que nos deixaram demasiado cedo, como Kurt Cobain ou Amy Whinehouse. Porém, tal como estes a música de Smith sobreviveu ao teste do tempo e o seu número de fãs apenas cresceu, graças não só ao desenvolvimento das plataformas de streaming mas também à revitalização do género musical em que o próprio se inseria por uma nova onda de artistas dos quais se destaca Phoebe Bridgers.

Apesar de Elliot Smith estar morto há já quatro ano quando Bridgers começou a tocar guitarra, este foi definitivamente a maior influência artística na forma como a cantora californiana escreve e produz a sua música, algo que a própria já referiu várias vezes. Para quem conhece ambos é fácil identificar os paralelos nas suas carreiras. No que diz respeito ao aspeto técnico da sua música, Phoebe Bridgers, tal como Smith, domina mais do que um instrumento dando, no entanto, prioridade à guitarra acústica, sempre acompanhada pelo seu distinto registo vocal. Neste último aspeto há uma clara diferença entre os dois músicos, dado que, enquanto Smith era notório pelo seu tom suave e delicado, Bridgers tem uma voz mais tipicamente bonita que acaba por ser simultaneamente doce e melancólica; sendo que aquilo que os conecta é a capacidade de transmitir uma vulnerabilidade emocional extremamente pessoal.

As proximidades estilísticas e temáticas entre os dois cantores indie são extensas e complexas; porém, talvez a melhor demonstração da sua conexão veio no mais recente e muito aclamado álbum de Phoebe Bridgers, Punisher (2020). Lançado no meio da pandemia do COVID-19, o segundo álbum da artista americana mistura estilos como indie rock e emo­-folk, abordando temas como depressão e luto, o que lhe confere um caráter sombrio e íntimo tipicamente associado a Elliot Smith. Na música que deu o título ao álbum, Bridgers presta homenagem ao seu músico preferido imaginando uma conversa com o mesmo, pondo-se na posição de um “punisher”, ou seja, um fã particularmente interessado no processo de criação musical de um determinado artista, revelando mais uma vez a sua devoção ao mesmo e o seu sentimento de proximidade, que é perfeitamente sintetizado nos versos:

 

“What if I told you I feel like I know you
But we never met?”

 

Phoebe Bridgers conseguiu desta forma desenvolver uma carreira que inova o estilo musical em que se insere e, ao mesmo tempo, homenageia as suas bases e inspirações pessoais, tanto através das suas músicas como de covers do próprio Elliot Smith que a cantora faz regularmente durante concertos. Bridgers confirma ainda que a morte de um artista não é nada para além de física, visto que a sua arte é a prova viva de que ainda há muito neste mundo de Elliot Smith. Isto assegura também a perpetuidade do seu próprio legado, pois enquanto existirem “punishers” como ela, um músico será sempre um ser imortal.

Artigo escrito por Duarte Leite

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