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Cultura

May December: Segredos de um escândalo

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Cartaz do filme para o Festival de Cannes.

Depois da sua apresentação em maio no festival de Cannes, talvez o filme mais escandaloso do ano estreou no passado dia 30 de novembro nos cinemas portugueses. Com um elenco de sonho e um enredo que choca qualquer um, May December é um dos êxitos a não perder neste final de 2023.

Situado na solarenga cidade de Savannah, no estado Norte Americano da Geórgia, o enredo de May December segue Elizabeth Berry (Natalie Portman) na sua pesquisa para um papel que irá desempenhar num filme independente. A jovem atriz surge com o objetivo de dar um novo rumo à sua carreira, procurando distanciar-se das séries de televisão mais “corriqueiras” que lhe trouxeram primeiramente a fama, querendo agora trazer ao grande ecrã personalidades incompreendidas e, como a própria diz numa das cenas mais enigmáticas deste filme, que se encontrem numa zona moral cinzenta. Berry irá então representar Gracie Atherton-Yoo (Julianne Moore), uma mulher que em 1992 esteve envolvida num escândalo de tabloides que veio na sequência desta ter sido apanhada num ato sexual com o adolescente de 13 anos Joe Yoo (Charles Melton), colega de escola do seu filho Georgie, quando a mesma tinha 36 anos.

Passados 23 anos, Gracie (59) e Charles (36) estão casados e com 3 filhos já crescidos. O casal vive um quotidiano aparentemente pacato: Charles trabalha como técnico num laboratório de radiologia enquanto Gracie preenche o seu dia a dia com hobbies relacionados com arranjos de flores e culinária, sendo conhecida na comunidade pelos seus bolos. Porém, apesar da atitude estóica de ambos perante o seu passado tumultuoso, à medida que a ação progride torna-se cada vez mais clara a dimensão da sombra que este ainda estende sobre as suas vidas.

Desta forma, guiado pela curiosidade de Elizabeth, o filme avança e com ele vamos seguindo as pequenas migalhas que Todd Haynes, realizador conhecido precisamente por este estilo de narrativa, nos vai deixando. A atriz navega progressivamente mais fundo no passado deste casal peculiar, encontrando-se com o ex-marido de Gracie, o seu filho Georgie e o advogado que a defendeu quando foi presa por abuso sexual de um menor. Assim, e sempre no pretexto de representar o “verdadeiro” lado de um escândalo de há 23 anos, Berry procura, ao longo de todo filme, espelhar a vítima da sua investigação, imitando a forma como Gracie se veste, maquilha e fala. Esta obsessão por representar na perfeição o seu papel é evidenciada, de forma bastante cómica, numa cena em que a jovem atriz, ao visitar a loja de animais onde o casal foi pela primeira vez apanhado, decide sozinha “atuar” a transgressão sexual que ali se tinha dado.

Elizabeth e Gracie. Imagem: Netflix.

É importante salientar que a dicotomia entre Gracie e Elizabeth, ou seja, entre a personagem e a atriz é acentuada de forma genial por uma excelente realização. O primeiro ato do filme foca-se precisamente nestas duas mulheres, que, embora nunca entrem em confronto direto, criam um clima de tensão e desconfiança à volta uma da outra. Haynes capta na perfeição a relação das duas personagens fazendo com que, quase sempre que aparecem na mesma cena, se encontrem lado a lado e muitas vezes à frente ou rodeadas de espelhos, sendo feita, desta forma, uma constante alusão ao modo como Berry quer “espelhar” Gracie.

Assim, a instabilidade emocional da mulher de 59 anos é continuamente comprovada, tanto pelos testemunhos recolhidos por Elizabeth como pelas atitudes da própria, que em várias situações tem uma reação efusiva a problemas insignificantes do dia a dia. Uma maior compreensão da personagem de Gracie vem, inevitavelmente, acompanhada de um melhor entendimento do seu parceiro e amor da sua vida, Joe. É explicitado desde o início do enredo que a forma “calma” como ambos lidam com o desdém do mundo para com a sua relação deve-se à força do seu amor. Todavia, conforme a ação evolui é percetível o caráter controlador deste casamento e a forma manipulativa com que Gracie lida com o seu esposo, alguém que em vários instantes revela as consequências ter sido forçado a crescer demasiado rápido.

O segundo ato é então carregado pela performance de Charles Melton, sendo que a tensão emocional acumulada ao longo de todo filme tem alguma libertação catártica em certas cenas mais intensas. Contudo, é de notar que a beleza de May December não está apenas na magnífica cinematografia, que é complementada perfeitamente por uma trilha sonora que vai e vem de acordo com a temperatura emocional de cada momento; nem no trio de brilhantes atuações constituído por duas veteranas em Moore e Portman e por um extremamente promissor novato em Melton; nem mesmo apenas na experiente realização de Haynes. A verdadeira beleza deste filme reside principalmente naquilo que é ocultado, a parte da história que não sabemos como aconteceu. A incerteza é o aspeto mais importante de May December, pois faz com este seja um filme do qual se desconfia de tudo, o que, por sua vez, perpetua o ato de pensar e de analisar por parte do espectador.

Gracie e Joe. Imagem: Netflix.

Em suma, com já várias nomeações tanto para a longa-metragem como para cada um dos três protagonistas, incluindo nos famosos Globos de Ouro, num ano repleto de excelentes filmes é seguro afirmar que May December é certamente um deles, senão até um dos melhores.

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