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Cultura

A Grand Tour de Miguel Gomes

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No passado dia 19 de setembro, estreou em Portugal a nova longa-metragem do premiado cineasta nacional Miguel Gomes. A apresentação desta obra no Cinema da Trindade do Porto, contou com a presença do realizador lisboeta, o qual, no final da sessão, discutiu pormenores relacionados com a temática e com a produção do seu filme.

Desde o século XVII até ao início do século XIX, a “Grand Tour” era a viagem, em grande parte associada à realeza inglesa, realizada por jovens de 21 anos como uma espécie de ritual de passagem educacional. Este périplo pela Europa, que tinha como destinos-chave países como a França e a Itália, acabou mesmo por se tornar num costume, não apenas inglês, mas também popular na juventude da alta sociedade de outros países protestantes do Norte da Europa e mesmo na América do Norte e do Sul.

Porém, apesar do significado original do termo, a Grand Tour que Miguel Gomes nos apresenta é em tudo diferente do seu homónimo histórico, tanto geograficamente como no seu propósito.

Dentro do contexto do Império colonial britânico durante a 1ª Guerra Mundial, assistimos à história de Edward (Gonçalo Waddington) e Molly (Crista Alfaite), um casal inglês, noivos há sete anos. Ele um funcionário público em Rangoon que, esperando a sua esposa que chegava num barco vindo de Londres, acobarda-se e foge; e ela uma mulher atormentada por malícias de saúde que, no entanto, se mostra completamente resignada a encontrar aquele que ainda acredita ser o seu futuro marido, perseguindo-o pela Ásia.

Desta forma, o enredo propriamente dito retrata dois périplos iguais, passando por cidades como Bangkok, Saigão, Manila, Osaka, Shanghai, Chongqing e Tibete; sendo eles, todavia, completamente distintos devido ao caráter antagónico das personagens que os experienciam. A Grand Tour de Edward é um reflexo daquilo que é o seu estado de espírito, uma viagem melancólica e sem rumo apenas motivada pelo medo de se casar. A personagem principal masculina revela-se furtiva, sendo mesmo alvo de suspeitas (mais ou menos sérias) de espionagem, e perdida, chegando mesmo a admitir que não sabe o porquê das suas ações. Contudo, na Grand Tour de Molly, por oposição, assistimos à sensacional e determinada busca conduzida por esta excitante protagonista que não tenciona desistir enquanto não se reencontrar com o seu esposo fugitivo.

Porém, o filme conta ainda com a presença de filmagens das cidades asiáticas, visitadas pelas personagens, só que no presente (século XXI). Estas gravações representam momentos do quotidiano destes locais captados pelo realizador e pela sua equipa, à qual ele chama de “Comité Central”, numa viagem realizada antes sequer do argumento estar escrito. Gomes explica que as diretrizes convencionais na criação de um filme são particularmente limitantes para ele, dizendo que para ele um filme é algo “orgânico” e que por isso desfrutou da oportunidade de, em conjunto com o seu comité, poder primeiro experienciar a viagem que iria retratar e apenas depois escrever o guião e gravar o resto do filme em estúdio.

Assim, somos acompanhados ao longo de toda a longa por esta terceira viagem – a Grand Tour de Miguel Gomes – que surge intercalada com o resto do enredo, acompanhada por uma narração da história de Edward e Molly feita nas línguas das diversas localidades por onde passaram.

Fotografia: Bárbara Pedrosa

No momento após a estreia do filme, a plateia presente no Cinema da Trindade do Porto teve o privilégio de ouvir as explicações para alguns pormenores da obra, bem como as histórias caricatas por detrás das gravações feitas na Ásia, desde versões emocionadas da “My Way” de Frank Sinatra, até leituras da sina da mulher do realizador.

Miguel Gomes fala ainda de como o uso de cor no filme não tinha uma conexão direta com o enredo, mas surgiu apenas de um cansaço sentido pelo próprio e pela equipa provocado pelas limitações de gravar a preto e branco. Deste modo, quando questionado acerca deste pormenor o autor enuncia o que ele chama o “critério do prazer”, isto significando que por vezes os realizadores fazem escolhas simplesmente porque estas lhes trazem felicidade, e por nenhuma outra razão.

Fotografia: Bárbara Pedrosa

O vencedor do prémio de Melhor Realização em Cannes este ano explica, na estreia deste seu filme que é também o candidato às nomeações para Óscar de Melhor Filme Estrangeiro, que o cinema é algo que acima de tudo se vive. Gomes revela também um certo medo do poder que as pessoas atribuem aos filmes, defendendo que, para ele, não são os estes que dizem algo, mas sim que devem ser as pessoas a ter algo a dizer sobre eles.

Por fim, Miguel Gomes confessa o seu amor pelo clássico O feiticeiro de Oz dizendo que, para ele, a terra de Oz representa o cinema, um lugar que não é real, mas que por isso não deixa de ser mágico. Desta forma, talvez o mais influente realizador português da atualidade convida-nos a visitar o seu “Oz”, a experienciar a nossa própria Grand Tour dentro da sala de cinema, e, por fim, a ter algo a dizer.

Fotografia: Bárbara Pedrosa

 

Artigo escrito por: Duarte Leite

Fotografia por: Bárbara Pedrosa

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