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Cultura

N(AS) MÃOS DE EURÍDICE

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Entra deambulando pelo meio do público o único protagonista da noite, no palco encontra-se a sua casa: duas cadeiras, um pequeno armário, um caixote de lixo e uma porta. Ouve-se uma valsa de Chopin, não a do Adeus, mas bem que poderia ser. Sem demoras começa num desabafo emocionado, apresentando-se como Gracindo Tavares (ao seu dispor), “escritor de obras inéditas”.

O seu discurso é fluente, convidativo e emocionante, mas confuso. Fala sobre o existencialismo, mas nega saber o seu verdadeiro significado. Confessa amar a mulher, Dulce, tanto que até lhe fez um seguro de vida. Com esta tirada quebra o gelo, e a barreira entre ator e publico, já tão ténue nesta arte, pareceu dissipar-se ainda mais. A partir deste momento é um vai e vem entre o publico e o palco, entrega fotografias, cartões e faz perguntas que despoletam mais risos que respostas.

No meio de gargalhadas, conta as suas tristezas. Iludido por uma beleza feminina, abandona a família e durante sete anos de prosperidade enche as mãos de Eurídice de jóias enquanto ela perde tudo o que ele ganha no jogo.

As gargalhadas são agora mais ténues, tímidas. As aventuras passaram a desventuras e Gracindo começa a esquecer valsas e declamadores e a ponderar os últimos sete anos da sua vida.

Regressa finalmente a casa, pobre, apenas para descobrir que tudo tinha mudado. A filha está casada, o filho doente e a mulher recebe rosas de um suposto doutor. Tenta recuperar as jóias para as vender, mas Eurídice nega o pedido. Irritado, pega num revólver.

“As mãos de Eurídice” é um monólogo que proporciona o envolvimento do público naquilo que é tão antigo como contar uma história. Se “na vida de todo o homem deveria existir uma Eurídice”, em todos os teatros deveriam estar em cena peças assim: que vivem do momento e da ligação entre artistas e admiradores.

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