Cultura
HIP-HOP-HUMANIDADE
“Por causa disto é que o Hip Hop não é um movimento. É um exemplo!”
Capicua
Braços no ar, vozes roucas que teimam em cantar, cabeças que baloiçam em conjunto para a frente e para trás, garrafas de água atiradas sobre o público, o habitual abraço forte do Né no final do concerto. Mais uma noite comum para quem, desde 2012, marca presença assídua na festa de Hip Hop que mais fãs da cultura atrai em Portugal.
Pelas 23h, via-se o entusiasmo de toda a gente que, entre fumos e rimas, permanecia à porta do Hard Club com o bilhete na mão. O evento começou a meio gás, o que não comprometeu o arranque enérgico que se previa.
De crianças até homens feitos – não esquecendo as Sereias Loucas – todos se uniram em prol de um bem superior: ajudar a Inês, uma menina de 10 anos com incapacidade motora de 81%, a ter uma melhor qualidade de vida, sendo que o objetivo primário deste evento passou por angariar verbas para uma cadeira motorizada e tratamentos específicos.
Grandes nomes do Hip Hop nacional foram subindo ao palco pela noite dentro sem nunca se esquecerem da razão principal pela qual se encontravam ali – a Inês. Entre músicas ou através de refrões improvisados, foram várias as mensagens de apoio que cada um dos artistas transmitiu ao público, tentando levar a solidariedade mais longe.
“Uma salva de palmas para toda a gente que já aprendeu mais com um bom álbum de rap do que com um professor num sala de aula.”
Puro L
O portuense Minus, que acaba de lançar o seu primeiro álbum “Árvores, Pássaros & Almofadas”, foi o responsável por um dos momentos mais emotivos da noite ao conseguir mobilizar o Hard Club inteiro para se acenderem isqueiros enquanto se ouvia “Juntos ao Luar”.
“Somos todos Ser Humano!”
Sagaz
E porque realmente o fomos, nem as obrigações profissionais exteriores ao rap, das quais vivem monetariamente vários artistas, os impediu de estar presentes. Foi o caso dos membros do coletivo Dealemático, que, a solo, atuaram mais cedo que o esperado. Ainda assim, não foram os ponteiros do relógio que ditaram as ovações infindas ao Mundo Segundo, que cantou “Raio de Luz” com o seu parceiro de longos anos, NBC. Se, por um lado, O ancião do Hip Hop tuga brindou o público com uma faixa do último álbum dealemático “Alvorada da Alma”, o Maze trouxe um clássico dos anos 90, que fez com que todos os momentos fossem “Brilhantes Diamantes”. Uniu gerações e pôs toda a gente a homenagear, numa só voz, o DJ Serial. Depois, foi a vez do Expeão mostrar a força do “Bairro” e do Fuse dar o “Bom Dia” a um público que prometia manter-se cativo até ao amanhecer.
“Vamos manter este ser humano até ao próximo Ser Humano”
Dj Casca
O coletivo já por todos conhecido, que tem vindo a construir o seu caminho há largos anos, deu lugar a outro que, estando agora a dar os primeiros passos, consegue levar os ouvintes de rap a vibrar como se fossem os últimos. São os Grognation, que ontem receberam dos maiores aplausos da noite, não tendo deixado ninguém “Distante” da sua arte.
“E não se esqueçam, Ser Humano não é só hoje, é todos os dias!”
Simple
Da vizinha Gaia chegou Deau, e com ele trouxe a sua irmã para o ajudar a cantar a música “Teresinha”. Juntamente com a bailarina da sua caixa de música, trouxe também, como sempre, todo o amor que tem à sua terra, pondo toda a gente a gritar 4400 – código postal da zona em que nasceu e cresceu. Mantendo a postura humilde que lhe é característica, foi o artista que mais agradeceu a todos aqueles que gastaram 10 euros para estar presentes em nome da Inês, acrescentando, emocionado, que se fosse a irmã dele a precisar de ajuda, saberia que tinha uma segunda família pronta a ajudar.
Exibindo a raça da mulher do norte, entrou em palco a (M)aria (C)apaz que, de Cedofeita para o país inteiro, tem vindo a espalhar a sua mensagem. Foi Capicua no palco do Ser Humano que, juntamente com a M7, mostrou a sua “Mão Pesada”.
“Não façam barulho. Ouçam estas palmas para vocês.”
Deau
Recebido como se fosse o “fucking mc” mais esperado da noite, Dillaz foi o penúltimo artista a entrar em palco. “Agarra Que é Ladrão”, crítica a quem apregoa uma imagem desleal à verdadeira, foi o mote para os fãs do rapper lisboeta agarrarem o momento. E isso não foi mentira, não foi mentira.
O que também não foi mentira foi a emoção com que se recebeu a prata da casa que, com suor e amor à cultura, deu o litro até não haver mais água (que já era pouca). Barrako 27: os burros velhos do Hard Club. O grupo de Né falou do facto de não receber convites para palcos maiores, desvalorizando eventos da MEO (numa alusão a um concerto interactivo em que, no ano passado, os Dealema foram cabeças de cartaz). Mostraram, como já é hábito, que não precisam de palcos grandes para serem pessoas enormes, e juntaram toda a gente no mesmo “Abraço Forte”.
“Não me interessam os palcos grandes, porque nunca tive palco tão grande como o do Ser Humano.”
Né
Porque o respeito pelas origens é, para muitos, a pedra basilar de quem vive e sente as rimas, convém relembrar a génese deste projeto. Tudo começou em 2012, quando o Fuse (Dealema) decidiu juntar alguns nomes sonantes do rap português e organizar um concerto solidário cujos lucros pudessem fazer face às necessidades especiais do seu filho Gaspar. Este ano, o nome pelo qual se gritou foi outro. Inês. Mas a essência não mudou, e as iniciativas aumentaram. À venda do bilhete associou-se a venda de uma mixtape em que participaram vários dos artistas falados, cujo custo de 5 euros reverte, na sua totalidade, a favor da causa.
No dia 7 de fevereiro, será o nome do rapper Kaines que se fará ouvir no Hard Club. Após ter-lhe sido amputada a perna esquerda na sequência de um acidente de automóvel, a comunidade Hip Hop juntar-se-á para conseguir uma prótese para o jovem do Porto.
“Se eu algum dia voltar a andar terá sido com um bocadinho de vocês.”
Kaines