Crónica
“GOOD GUYS”, NINGUÉM QUER SABER DELES
Se eu te perguntar, Leitor, qual a melhor série de televisão dos últimos anos, existe uma grande probabilidade de me responderes, mentalmente e após breves segundos de reflexão, “The Sopranos” ou “Breaking Bad”. Se não pensaste em nenhuma das anteriores, aconselho vivamente a leitura deste texto. Se não pensaste nestas (nem em “House of Cards”), aconselho-te igualmente a continuar a leitura deste texto.
O que têm estas séries em comum e o que as tornaram sucessos mundiais?
A extraordinária densidade das personagens, baseada na sua humanização. São humanas. Tal como na Antiguidade Clássica, também os heróis destas epopeias não são poços de virtude nem tomam sempre a atitude correta. São corrompidos pela vida, sofrem os dramas do mais comum dos mortais e, espante-se, cometem crimes.
No final dos anos 90 do século passado, e após anos a ver filmes como “The Godfather”, “Scarface” ou “Goodfellas”, os filmes de mafiosos aparentavam destinados ao limbo. Alheio a tudo isso, David Chase decide transportar os wiseguys para o pequeno ecrã. “The Sopranos”.
Acompanhamos então a evolução dum chefe interino de uma pequena família que necessita de apoio psiquiátrico. Apoiamos todo o seu percurso, todas as decisões. E estremecemos quando o negro ocupa o ecrã no final da série. O fim de um mafioso. E nós fomos o seu aliado mais fiel, até ao fim.
Enquanto seguíamos a vida de Tony, eis que nos surgiu “The Wire”. Começamos a assistir com a mesma avidez ao quotidiano de uma brigada especial de combate ao tráfico de drogas em Baltimore e, simultaneamente, ao dos barões da droga dos housing projects. A corrupção policial e política incentiva-nos a apoiar as provas forjadas ou escondidas, consoante o intento. McNulty ganha e perde relevância ao longo das temporadas. A tensão social espelhada em todas as suas ramificações. Outro pormenor interessante desta série é que conseguiu que a catch phrase de uma personagem se tornasse intemporal: refiro-me, claro, à interjeição do Congressista Clay (o demorado Shhhiiiiit), utilizado como referência, por exemplo, em “Suits”.
Anos mais tarde, surge um novo anti-herói preferido dos consumidores de séries de televisão. Sim, o professor de ensino secundário a quem é diagnosticado um cancro em fase terminal que decide cozinhar metanfetaminas para deixar a sua família financeiramente estável após a sua morte. Seguimos a ascensão de Walter, exultamos o aparecimento de Heisenberg, batemos com a mão na mesa quando Hank lê a fatídica dedicatória. A empatia é inabalável até ao final.
Finalmente, “House of Cards”, ou, mais concretamente, Francis Underwood, o whip da maioria no Congresso dos Estados Unidos. Na roupagem americana da série da BBC, o anti-herói é desprezível, mesquinho e maquiavélico. Mas ficamos a seu lado, porque foi traído. Isso justifica a avalanche de enleios políticos (e não só) que cria. Exigimos vingança com a mesma veemência! E aguardamos o que nos presenteará a terceira temporada, agora que Frank é… Não, não há spoiler, Leitor, calma!
Seja no mundo dos mafiosos, de polícias extremosos, do submundo das drogas ou do circo da política (todas estas séries acabam por ter estes mundos interligados) e, Sociologias à parte, penso que atingimos o ponto de rutura relativamente a “mocinhos”. É mais reconfortante ver alguém que também erra e vence quase sempre, não concordas?
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