Cultura
QUINTAS DE LEITURA: UMA “CELEBRAÇÃO PÚBLICA DA PALAVRA”
Passa pouco das 22:00h, as luzes apagam-se e ouve-se: “Boa noite! Bem vindos ao Teatro Municipal Campo Alegre. O espetáculo vai começar”.
A tela abandona o branco e surgem em seu lugar imagens de uma viagem de elétrico, com destino à Praia das Maçãs. É Ana Luísa Amaral quem viaja nele e as histórias pessoais que conta – como a da vez em que comeu um bilhete do elétrico – vão acompanhadas dos seus poemas “O excesso mais perfeito”, “Vozes”, “Testamento” e “Entre dois rios e outras noites”.
Faz-se escuro na sala e passado alguns segundos, vê-se no palco uma mulher nua (Mariana Tengner Barros), sentada no chão que espalha pelo corpo espuma de barbear. Transforma-se através dos traços que a espuma lhe confere numa figura mais masculina e inicia uma dança quase robótica, um corpo que se desmonta como se não tivesse controlo.
O escuro volta, uma tela desce e começa a ouvir-se o texto “Banco bom, banco mau ou parábola”, texto satírico de Ana Luísa Amaral acerca da crise do Banco Espírito Santo, um texto “politicamente incorreto”.
A crise europeia dá o mote à conversa do jornalista Luís Caetano com a autora, que afirma que “passamos tempos muito difíceis” e que a elevada taxa de abstenção é alarmante, “nós temos uma arma: o voto”. Ana Luísa Amaral defende ainda que as pessoas que têm exposição têm uma obrigação cívica muito forte e que devem usar a palavra, “a palavra é o instrumento mais letal”.
Da política às palavras mais doces, Ana Luísa Amaral fala do impacto que os poemas que escreve para a filha – como é exemplo o poema “Silogismos” – e diz que “há muitos poemas para os pais… para as mães, mas há poucos poemas para os filhos”.
Em tom de confissão, a autora fala do seu próximo livro que não tem ainda título definitivo, mas para o qual tem três sugestões, entre elas “O som que os versos fazem ao abrir” e “Em suma”. Diz, também, que depois de tantos livros publicados ainda tem alguns receios “Tenho muito medo que as pessoas não gostem”.
A conversa é intercalada por momentos de leitura da poesia de Ana Luísa Amaral e pela atuação da cantora Ana Bacalhau que viaja por diferentes inspirações musicais e que passa por Janis Joplin, Malvina Reynolds e Zeca Afonso.
A chuva não incomoda a poesia que se respira no auditório e serve de embalo à “celebração pública da palavra” que lá dentro se vive.