Cultura

O (RE)INÍCIO DE UMA COMUNHÃO

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A Orquestra de Jazz de Matosinhos (OJM) é um conjunto transformista: de cada vez que entra em palco, quer seja num festival de jazz em Barcelona ou na avenida dos Aliados, triunfante, ela transfigura-se num autómato de swing bem oleado. Está preparada para a prontidão do momento, os seus elementos são profissionais e executantes na sua essência, mas executam essa tarefa de uma forma veemente. A tarefa de ontem (12) envolvia encerrar as celebrações de aniversário da Casa da Música e acompanhar (ao mesmo tempo que era acompanhada) este senhor da guitarra jazz contemporânea, Kurt Rosenwinkel.

Esta colaboração fortuita com 8 anos originou um álbum e vários concertos de destaque, que foram resgatados pela Casa aquando esta efeméride. Se a instituição pretendeu desde sempre usar este gig como o ponto final das suas celebrações não há certezas. Se o destaque e impacto iniciais mantêm-se, não há dúvidas.

Em comparação com os concertos anteriores, este trouxe arranjos novos com sonoridades frescas. Ouviu-se um diálogo acesso na secção de saxofones em Cycle Five, um staccato índio nos sopros de Flute, uma celesta escondida em Brooklyn Sometimes. Em contrapartida, a constância foi encabeçada por Kurt Rosenwinkel, que seguia a orquestra no seu posto de controlo de monitores e pedaleiras luminosas.

A linguagem que sempre caracterizou o músico, derrapante sem ser virtuosa, a trepar acordes e escalas de forma ávida mas não de forma free e permanentemente acompanhada pelo seu palrar tímido, marcou presença, vestida com inúmeros timbres sintetizados. Enquanto voz do solista, ela elevou e catapultou o conjunto tanto na potência de Zhivago como nas dinâmicas mais suaves de Songs of Our Sea, e brilhou por completo a solo na intro de Flute, que teve somente Kurt e uma narrativa melodicamente deliciosa como protagonistas.

Acaba o concerto e os músicos são acolhidos por um campo de aplausos. Antes da última música, palco e plateia bateram palmas à Casa da Música, à equipa, ao carinho e estima com que sempre trataram a orquestra nos últimos 10 anos. Por esta altura, os louvores dirigiam-se tanto aos intérpretes como à instituição, numa mistura feliz de devoção. Afinal, a Orquestra de Jazz de Matosinhos apruma-se como um dos projectos mais viçosos nesta década da Casa.

Enquadrado neste ambiente de congratulações, o último parágrafo desta reportagem é dirigido à Casa da Música. Se a OJM acabou o concerto de forma pomposa, com classe e uma indelével assinatura própria, se o Kurt Rosenwinkel merece um obrigado sincero por nos ter ofertado com a sua música mais uma vez, o derradeiro agradecimento vai para o espaço, pois sem ele este texto era redutor. Sem ele o ripostar do Porto que vivemos hoje e que nos compele a escrever, ouvir e crescer seria muito menos relevante. A acompanhar-me estão os artigos (do JUP) correlacionados com esta celebração. Obrigado pelos 10 anos, Casa. E, como se clamava ontem ao sair da sala Suggia, venham mais 10.

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