Cultura

L’ART DYNAMIK – KRAFTWERK NA CASA DA MÚSICA

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Às 21h30 as luzes da Sala Suggia apagaram-se e o pano abriu. Surgem os contornos fluorescentes das quatro mesas e cada um dos membros dos Kraftwerk vestido com um fato de corpo inteiro de rasgos futuristas. Encimando-os, a gigantesca projeção 3D – Eins zwei drei e o vórtice começa, voam números pela sala diretos ao público.

A pose dos quatro é quase estática, contrastando com os ritmos que produzem, afirmação do valor da música, independente do criador. É por essa mesma razão que tanto a banda como os fãs desvalorizam o facto de no grupo apenas restar Ralf Hütter da formação inicial dos anos 70. Juntam-se agora Fritz Hilpert, Henning Schmitz e Falk Grieffenhagen. São todos meros trabalhadores numa fábrica de som, condutores de uma nave espacial ou bicicleta, desde que haja velocidade e o homem se funda à máquina aperfeiçoada pela técnica.

Os Kraftwerk tocaram durante mais de duas horas, praticamente sem interrupções entre os temas. Voltaram para dois encores. O público aplaudia compassadamente, havia quem não aguentasse não dançar. Num momento do vídeo, uma nave sobrevoa a Península e aterra na Casa da Música. A excecional acústica desta sala intensificou a experiência e deixou o público à altura da espacial visita.

Os Kraftwerk são a banda que, influenciando todos os que se lhe seguiram, foi elogiada por David Bowie, comparada aos Beatles.

Por cá tinham passado apenas em 2004 – um concerto no Coliseu de Lisboa, em Abril, outro no Sudoeste, em Agosto. Nessa altura, tinham acabado de lançar aquele que ainda é hoje o seu último álbum em estúdio: Tour de France Soundtracks. Acabavam também de reconverter todo o material original analógico para formato digital e lançavam-se em digressão com quatro Sony VAIO customizados. Não tinham mais que carregar todo o estúdio Kling Klang pelo mundo. Daí resultou, em 2005, Minimum-Maximum, o único álbum ao vivo oficial da banda.

Desta vez, a história é outra. Em 2009 lançaram The Catalogue, o conjunto remasterizado dos seus últimos oito álbuns. A partir de 2012 atuaram em vários dos mais conceituados espaços de arte do mundo – MOMA, Tate Modern, Fondation Louis Vuitton – bilhetes esgotados em minutos, vídeo 3D, performances fundindo som e imagem que estabeleceram o seu estatuto de obra de arte total.

E foi isso que vimos no Porto, é essa a novidade a que se assistiu neste espetáculo. De facto, nos últimos anos, o grupo não voltou a lançar originais, trabalhando antes sobre o seu material. Pequenas reformulações em alguns temas mas sobretudo um investimento genial na componente visual, preocupação da banda enfatizada desde os primeiros anos, desde a postura com que se apresentam, ao trabalho de luzes e aos vídeos de cada música.

O alinhamento, que se mantém praticamente constante em relação aos últimos concertos, revisita todo este último catálogo conceptual da banda formada em 1970 em  Düsseldorf, sucedendo aos Can e Neu! do Krautrock O visionário Computer World, uma viagem de Volkswagen Carocha ou Mercedes Benz pela Autobahn atravessando as planícies alemãs, os sons industriais do metal e caminhos-de-ferro em Trans-Europe Express, os temas arrepiantes de Radio-activity entre outros. Não faltou a Computer Love, lembrando a Talks, homenagem aos Coldplay declaradamente admirados pelas suas melodias. Quando o pano voltou a abrir para o primeiro encore, em cima do palco estavam, não os membros da banda, mas robots vestidos de camisa vermelha e gravata preta, dançando o clássico The Robots.

Cá fora, as luzes da cidade comprovam o quanto, há mais de 40 anos, eles previram como o mundo ia soar, sem que nenhuma nota dos sintetizadores dos 70 anos soe datada. O lirismo e sentimento que arrancam aos ritmos exatos só pode ser vanguardista. Nunca quiseram negar o precipitar dos tempos, a novidade e frescura obcecava-os – o público que ergue smartphones é só mais uma prova da simbiose homem-máquina. Extrai-se o som às palavras e expressões curtas que se deixaram banalizar na comunicação. Ritmam os temas ao pulso do quotidiano. Não estranha que os museus os queiram.

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