Cultura
DESOBEDOC: O CINEMA INCONFORMADO DE MANUEL DE OLIVEIRA
A inauguração do festival de cinema Desobedoc fez-se à conversa com amigos e conhecidos de Manoel de Oliveira, a que se seguiu a exibição de uma das suas obras-primas: “A Caça”.
A sala Zeca Afonso foi-se compondo enquanto Adelaide Teixeira lia para o público um texto do cineasta, datado de 1933, que permanece válido em relação aos dias de hoje. “Cinema e o Capital” é uma crítica à aliança entre a arte e o capitalismo, que produz filmes e artistas em série para um público autómato e admirador passivo de produções demasiado programadas. Nele, Manoel de Oliveira ataca fortemente a indústria do cinema americano, encarado como um negócio valioso, e mecânico: “A máquina está preparada, basta meter o porco de um lado para sair o chouriço do outro”.
Adelaide confessou ao JUP que “nunca é fácil relembrar o Manoel, há vezes em que perco a consciência de que ele já não está cá entre nós”. “Na Bienal da Maia cheguei a falar dele no agora”, recorda a actriz que trabalhou com Manoel de Oliveira em seis dos seus filmes.
Alexandre Alves, que participou na rodagem d’”A Caça” em 1960, apresentou-se visivelmente emocionado e partilhou alguns momentos íntimos vividos ao lado de Manoel de Oliveira. Nas palavras de Alexandre, “o tempo com o Manoel não era tempo, era intemporal”.
O filme “A Caça”, realizado em 1963, foi objecto de censura pelo regime ditatorial do Estado Novo. A morte de um dos amigos no final, deveria ser trocada pela salvação, “como se se salvasse o regime em vias de se afundar”, diz Alexandre Alves. Também por questões financeiras, Manoel foi forçado a aceitar as exigências feitas, contudo, mostrou-se insubmisso ao usar tais imposições como uma ilustração posterior da época, acrescentando, desse modo, um significado histórico-político às imagens. E eis que elas passam na sala Zeca Afonso, realistas e denunciadoras.
Em conversa com o JUP, José Soeiro confessa que esta mostra é um acto de desobediência em relação ao clima de austeridade e de desvalorização da cultura que vivemos actualmente. No fundo, o Desobedoc apela ao espírito crítico através da projecção de filmes que muito dificilmente seriam vistos, e que iluminam pontos de vista diversos. Para o político “este é mais um espaço onde se privilegia a opinião própria”.
Segundo Mário Moutinho, membro da organização do Desobedoc, a primeira edição foi um sucesso, e chegou a haver necessidade de reprogramar certos filmes que tiveram de ser repetidos, uma vez que se esgotaram várias salas. A edição do ano passado, que trouxe ao Cinema Trindade mais de 1500 pessoas, foi bastante dinâmica e incluiu um grande debate entre os presentes, incluindo realizadores.
Mário Moutinho afirma que um dos objectivos é mostrar o que ninguém mostra, fomentar a discussão perante o levantamento de questões eminentes. A reabertura do Cinema Trindade é também um ponto forte, uma vez que é um espaço cultural histórico por onde passaram grandes autores e realizadores e que está abandonado, assim como acontece com o Cinema da Batalha.
Diante disto, há boas perspectivas para o futuro da Mostra. A organização admite que há espaço e interesse na cidade do Porto para este tipo de iniciativas.
O restante programa pode ser consultado aqui.
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