Cultura
NA CASA DA MÚSICA, OUTONO É JAZZ
Hoje foi dia de eleições. Os portugueses exerceram o seu poder político, numa eleição pautada pela incerteza de resultados. Felizmente, há coisas da nossa existência portuense que estão sempre certas. Uma delas, é a credibilidade da Casa da Música a programar ciclos de Jazz.
O Outono em Jazz explicita o ecletismo da Casa. Para começar, choca nomes consagrados deste universo musical – Carla Bley,, Incognito, Mário Laginha – com propostas frescas – Myles Sanko, Javier Paxariño. Depois, porque esteticamente falado, o género da jasmine é somente o seu ponto de partida: juntamente com as folhas e o vento, uma multiplicidade de estilos e formas musicais invadirão a fundação ao longo destes dez concertos. Desde 2014 que os espectáculos estão separados de forma devida ao longo do mês de Outubro, permitindo assim uma recepção mais confortável. As primeiras propostas de 2015 consistiram em dois trios europeus de destaque no panorama actual.
O trio de Kari Ikonen (pianista) reclama atenção pouco tempo depois de se iniciar a actividade na Sala 2. Soa-nos estranhamente inventivo, tendo em conta o contexto livre e destandardizado do festival. O motivo: estas composições, não abanando os alicerces da expressão jazzística, dão lustro às suas vivíssimas influências (música tradicional da Europa de Leste, canções indianas, impressionismo e demais música contemporânea, entre tantas outras), conferindo uma personalidade vincada a cada música e à sonoridade geral do conjunto. Exemplo disso é “L’avant-Midi D’une Elfe”, com os seus traços “debussyanos”.
Os músicos tinham uma tendência miúda de não apelar aos moldes do Jazz clássico, procurando uma linguagem mais moderna. Isto era especialmente visível na secção rítmica: baterista e contrabaixista, antes de autómatos de swing e walking, fechavam as peças com ritmo bruto e esplendor melódico. Em relação ao último, o seu timbre nasalado e quente, os seus solos compridos, o som que retirava das passagens com arco estiveram ao nível da elegância de Kari enquanto solista.
Ficam deste concerto dois aspectos a reter. O primeiro foi o contacto que o trio nos permitiu com o Jazz do leste europeu, música que nos é pouco ortodoxa, estranha até, mas com mostras vivas. O segundo foi tão simplesmente a demonstração de domínio, criatividade, mente aguda e apetite sonoro que estes músicos nos ofertaram. Foi com certeza um dos grandes concertos de “Jazz” que passou na Casa da Música em 2015.
Num registo muito diferente, seguiu-se o trio de Rodrigo Amado. Possivelmente o maior representante português da improvisação em contexto aberto, a música do saxofonista assenta na premissa de ser integralmente concebida em tempo real, sem qualquer tipo de suporte. Contudo, apesar de possibilitar um conjunto vasto de abordagens, não deixa de esconder alguns chavões.
A secção rítmica era permanentemente frenética – e estamos a considerar mais de hora e meia de concerto – fazendo valer o virtuosismo dos instrumentistas (violoncelista e baterista) ao mesmo tempo que a desorganização sonora. Paralelamente, o líder do conjunto aparentava ser o único músico coerente, tentando encaixar ideias de melodia e textura. Mas é difícil soar-se lógico em cima do caos.
De facto, os momentos de sincera beleza do concerto foram desencadeados pelas interrupções desta sobreactividade, como é o caso das passagens hard bop do solista, onde o seu timbre dourado naturalmente se destaca, ou a epifania calma do baterista, onde roçando uma baqueta nos seus pratos, extraiu destes um som inspirador e penetrante.
O público comprometeu-se na primeira hora de concerto. Posteriormente, foi se dispersando. Rodrigo Amado deu-nos um exemplo interessante de autonomia criativa, onde todos os aspectos da performance foram descurados em relação à expressão dos artistas, por mais exigente que esta seja. A questão final é: será culpa do dispersar a nossa falta de maturidade artística?
Até dia 21 de Outubro passarão pelo Outono em Jazz Myles Sanko e Incognito (dia 11),
Javier Paxariño Trio e Carlos Martins Quarteto (dia 17), Black String e Carla Bley “Trios” (dia 18),
Tristano / Khalifé / Schumacher e o fabuloso Mário Laginha com a companhia de Tcheka (dia 21). O JUP estará presente neste último dia, para ouvir e concluir o Outono em Jazz.