Cultura

QUEM ÉS TU TCHEKA?

Published

on

Fechamos este Outono de, em e com Jazz. Ao longo dos seus dez concertos, ouvimos muito boa música e percebemos como é que a Casa consegue encher uma sala povoada com sonoridades tão inseguras: o valor das propostas que partilham é óbvio. Ao sabor desta surpresa, a noite de hoje teve um protagonista improvável.

Tristano / Khalifé / Schumacher – piano / vibrafone / percussões, respectivamente – foi o trio que abriu o palco da Sala 2. Apresentou-se como o grupo mais desencaixado do festival, tanto material (a “bateria”, por exemplo, estava feita em diversos instrumentos espalhados à volta dum cajón) como esteticamente falando. O primeiro momento musical começou com uma sequência de textura sonora, onde o vibrafone processado ganha destaque, seguida por um groove tribal alimentado pela marimba, seguido por uma ária dançante com o kick do cajón. Os músicos passavam entre estas estruturas como se não fosse nada com eles. Enuncia-se assim a inquietude deste Jazz menino, do projecto e do festival, que não anda em cima de influências, mas antes, flutua.

A leviandade do projecto foi reveladora das suas mais valias e ao mesmo tempo dos pontos fracos: o seu ritmo e postura eram capazes de agradar o público heterogeneamente intelectual (foi, de facto, a sessão com maior diversidade de espectadores), mas não estava enraizado o suficiente ao ponto de assumir uma identidade estável.

Por seu lado, Mário Laginha é um dos músicos de Jazz mais assumidos em Portugal. Todas as suas apresentações são experiências artísticas palpáveis, a solo ou num qualquer conjunto. No concerto do Outono em Jazz, trouxe um convidado peculiar: Tcheka, cantor da terra da Morna, conhecido por ter transposto um estilo rítmico (o batuco) para a guitarra. Como é que esta relação funcionou? Confiem no belíssimo altruísmo do pianista.

Tcheka canta como se uivasse gentilmente, toca guitarra com uma excepcional técnica de mão direita, capaz de extrair as sonoridades mais percussivas, e actua com uma humildade que desce ao recinto. Percebe-se o movimento expressivo de dentro para fora, originado num lugar escuro no interior do cabo-verdiano, um pequeno lugar que não conhecemos nem nunca poderemos conhecer. Move-se assim na sincera beleza.

A música tradicional de Cabo-Verde fez o serão sem grandes adulterações. Laginha nunca sobrepôs o cunho ao do seu colega de palco, ora harmonizando, ora improvisando. Foi um momento de estranha intimidade, um calmo diálogo musical em cima de canções tépidas.

Que Mário Laginha não sabe não proporcionar concertos deliciosos, já o sabemos. O destaque vai então para esta grande alma cantada chamada Tcheka.

 

Leave a Reply

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Exit mobile version