Cultura
Hamlet: a peça que junta a contemporaneidade à tragédia do século XVII
A peça de Teatro Hamlet volta a palco no Teatro Nacional São João, trazendo laivos de contemporaneidade à tragédia do século XVII. Estreou no passado dia 3 de abril e está em cena até ao próximo dia 27 do mesmo mês.
Depois da Bíblia, Hamlet, da autoria de William Shakespeare, foi o texto que mais literatura gerou: seja pelo registo trágico ou pelos pontos de indeterminação espalhados pela obra. Afinal, estará Hamlet realmente a fingir a sua loucura? Terá alguma vez sentido afeto por Ofélia? São estas algumas das perguntas que têm intrigado os leitores ao longo dos séculos.
Estas inquietações podem obter uma resposta mais concreta através da representação da peça. A obra já foi a palco mais de 66 vezes apenas na Broadway e chega agora ao palco do Teatro Nacional São João pelas mãos de Nuno Cardoso, encenador, e com o grupo de teatro deste espaço como elenco.
Hamlet apresenta a história de um princípe dinamarquês, concretamente de Elsinore, que procura a vingança do assassinato do seu pai pelas mãos do seu tio. Para tal, o príncipe finge-se de louco para apurar a verdade dos factos e conseguir a tão desejada desforra. Conseguirá este a vingança ou será um prato servido demasiado frio?
Nesta nova versão, a contemporaneidade partilha o palco com o drama de Shakespeare, tal como se pode ver pelo facto de as personagens contarem já com smartphones nas suas mãos, que são usados para mostrar ao espectador diferentes ângulos de filmagem.
Para quem leu previamente o texto e tem já algumas imagens mentais preconcebidas, esta encenação não nos desilude, sendo relativamente fiel ao texto original. Contudo, novos pormenores foram acrescentados, como o fatídico duelo final ser substituído não por uma luta com espadas, mas através de beijos, tentando não trazer a violência a palco. Deste modo, cada golpe proferido por uma espada no texto original é representado por um beijo entre as personagens.
Se esta substituição não me parece a melhor decisão, os apontamentos de humor adicionados conferem uma nova leveza à peça e não passam despercebidos a nenhum espectador – facto que é comprovado pelas gargalhadas partilhadas.
Os espetadores, certamente, vão também na expectativa de ouvir para lá das páginas do livro, a célebre expressão “ser ou não ser, eis a questão”, que é inevitavelmente bem concretizada nesta encenação. Mas esta não é a única fala-chave da peça: desde discursos de amor a reflexões sobre o nosso papel no mundo, Shakespeare e Nuno Cardoso não desiludem os espectadores.
Tal como a própria obra, também este espetáculo nos deixa espaço suficiente para especulações e interpretações, mas a sua visualização parece-me uma mais valia para assegurar uma boa compreensão da peça e dar uma imagem mais vívida dos episódios de loucura de Hamlet.
Como espectadora, sabia que o papel de Hamlet seria o mais exigente e, por isso, não posso deixar de salientar o incrível trabalho do ator Mário Santos, que encarnou a personagem e a sua dualidade de personalidade até ao fim.
Ainda que alguns pontos, que pretendem trazer um sentido erótico à peça, me pareçam exagerados, vale muito a pena conhecer esta encenação e revisitar uma vez mais este texto magnífico. Uma peça de três horas e meia, que pode ser vista por um preço muito simpático, que passa a voar, por entre risos, espanto e o ambiente mágico próprio deste Teatro.
O elenco conta com nomes como Alberto Magassela, Joana Carvalho e Patrícia Queirós e estará em cena até ao próximo dia 26 de abril de 2025, no Teatro Nacional São João, no Porto.