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JUP Baú: God’s Own Country ou quando a solidão encontra o amor

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God’s Own Country (2017) foi um filme que passou despercebido, tamanho o sucesso de Call Me By Your Name (2017), que estreou no mesmo ano. Apesar de ter conseguido a aclamação dos críticos e do pequeno público a que chegou, ficou sempre afastado do mainstream. É um filme de baixo orçamento, com nomes pouco conhecidos, mas que se assume como um dos melhores retratos LGBT atuais. É o programa ideal para quem procura ver algo com representatividade queer, mas se quer afastar dos romances popcorn e demasiado “perfeitinhos”.

As colinas de Yorkshire são como uma solitária, prendem Johnny (Josh O’Connor) a um trabalho que nunca quis e a um estado mental de solidão, raiva e descontrolo. De dia, ajuda o pai nas tarefas agrícolas. De noite, perde-se na boémia. Bebe vultuosas canecas de cerveja em sequência e tem uma vida sexual ativa, procurando o passageiro e desprovido de sentimentos, aproximando-se do comportamento animal e violento.  É um jovem gay, preso num meio rural em decadência e onde não pode manifestar o seu próprio ser, pois qualquer demonstração de afeto é considerado como um ato de fraqueza.

As tarefas adensam-se e o estado de saúde do pai de Johnny agrava-se, obrigando a contratação de um emigrante ilegal da Roménia, de nome Gheorghe. O jovem é a antítese total de Johnny, demonstrando um lado empático, carinhoso, experiente e seguro. Tudo isto causa um crescente ódio no rapaz de Yorkshire, que vê em Gheorghe tudo aquilo que desejava ser e possuir, sentindo-se na obrigação de se mostrar dominante em todos os momentos. Obrigados a passar vários dias sozinhos e a falarem sobretudo pelo olhar, nasce uma compreensão silenciosa.

O diálogo é pouco, mas as emoções são cruas e dão um pouco mais de cor aos campos melancólicos do norte inglês.

A obra de Francis Lee pode possuir uma história curta e aparentemente simples, mas o seu ritmo lento, as expressões faciais e as grandes e vazias paisagens enfatizam a sua mensagem. É fácil um jovem homossexual sentir que se encontra ao abandono, principalmente quando se vê preso a uma vida no campo, rodeado de gente idosa que exige que “seja um homem” e assuma os negócios familiares. A música e os visuais encontram-se com a personalidade de Johnny: soturna, solitária, monocromática e suja. No entanto, à medida que vai conhecendo Gheorghe, a luz e a vida vão polvilhando os cenários e moldando a natureza da obra, sem que esta deixe a sua crueza de parte.

O elenco reduzido avoluma a sensação de solidão e incompreensão que o filme tanto quer afirmar. Louvam-se as interpretações de todo o cast que, através das suas expressões corporais, denuncia aquilo que está a ser sentido e que não se consegue exteriorizar. Josh O’Connor (The Crown; Lés Misérables) traz deliciosamente ao ecrã um jovem reprimido que persegue uma masculinidade forçada. No entanto, este é apenas um menino que quer ser abraçado e compreendido, mas não encontra o seu rumo e vê o erro e violência como única escapatória. Alec Secăreanu contrasta com o parceiro, personificando a bondade e a compaixão, mesmo sendo alvo de preconceito por ser de etnia cigana e, claro, homossexual. São, no fundo, duas pessoas iguais. Um apenas escolheu tornar-se parte do preconceito, enquanto o outro deu a cara por ele, não alterando a sua personalidade.

Este é o filme ideal para quem procura um retrato mais duro e sujo da vida de um jovem homossexual reprimido. Nem tudo é euforia, nem cores de verão. Muitas vezes são tons mais escuros, da cor do medo de ser julgado por amar e de perder o tudo que se acha que se tem. É um romance, mas que foge ao romance propriamente dito e enfrenta a realidade tal como ela é.

Artigo da autoria de João Jesus

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