Cultura
JUP DESTAQUES: MARÇO 2019
Música
When I Get Home, Solange
“Imagina seres a Solange e teres a Beyoncé como irmã” foi, em tempos, uma conhecida expressão na Internet. Antes do maravilhoso A Seat at the Table, de 2016, o gigante talento da irmã Knowles mais nova era largamente desconhecido pelo grande público. As estórias sobrepostas, nuas e cruas, do que foi e é ser uma pessoa negra na América do seu terceiro projeto foram o trampolim da artista para o mainstream (num bom sentido) e para o panorama de discussão cultural.
Os articulados contos das tribulações de todo um povo e de Solange enquanto mulher – e mulher negra – ficaram no projeto precedente. Em When I Get Home, Solange faz uma viagem a sua casa, à cidade que a viu crescer – Houston. Mas muito mais do que literal, a cantora viaja no conceito de lar, de raízes e de memórias que ficam para sempre connosco, mesmo que estejamos a 1000 quilómetros de casa. O lar não é algo que se possua – vive para além de nós.
Em When I Get Home não existe uma tese estruturada. Como no mais recente projeto de Earl Sweatshirt (que, aliás, aparece em ‘Dreams’), a estrutura da música é secundária à energia que esta pretende passar. Não existe uma necessidade de direção.
Os ciclos repetitivos, quer das letras, quer das batidas – que misturam em partes iguais o jazz e o hip hop – despertam no ouvinte uma espécie de nirvana, do qual só se sai ao fim dos 39 minutos. A repetição é largamente utilizada em vários campos enquanto motor de coerência e união e o álbum não escapa a tal. Solange é uma mulher crescida, um espírito livre, que não necessita do entendimento ou aprovação de ninguém em relação à sua mente e às suas experiências. Mas foi gentil o suficiente para nos deixar acompanhá-la numa viagem através delas.
Hi This Is Flume, Flume
Há um ano e meio que o produtor prometia um projeto novo. Depois do semi-desastroso Skin, de 2016, Flume necessitava de algo que o impulsionasse de novo para as boas graças não só dos amantes do EDM, como dos de música no geral, que, até tal, tinham encontrado no australiano uma certa piada.
Hi This Is Flume é, precisamente, isso e tudo mais. O nome indica-o – “Olá, Este É O Flume” é um título aparentemente engraçado se pensarmos que o produtor já está mais que estabelecido no panorama. Mas este é um novo lado de Flume; uma reintrodução. Até o facto de se aparentar em tudo com um álbum e ser oficialmente uma mixtape desempenha um papel nesta narrativa.
Ao contrário de em Skin, os instrumentais não estão tratados ao ponto da exaustão, com o objetivo de apelar a uma audiência maior. Debaixo do guarda-chuva “mixtape”, o produtor permitiu-se ser mais experimental e o anterior cuidado deu lugar a beats crus, com direito à exploração pelo lo-fi e vaporwave em várias faixas. Não é fácil sair com sucesso da caixa, mas Flume conseguiu-o com uma aventura sónica que se destaca em grande parte dos projetos dentro do género.
Miss Universe, Nilüfer Yanya
Em 2014 a visionária Nilüfer Yanya parecia ler o futuro do mundo da música na palma da sua mão ao publicar as duas primeiras músicas da sua autoria no Soundcloud. As hashtags que utilizou – #indie e #alternative – não são, de certeza, as mais convidativas ou representativas de sempre. Quem decidiu, ainda assim, clicar no play, surpreendeu-se. Já nessa altura a versatilidade e talento da britânica eram óbvios, mas Miss Universe veio comprová-lo.
Muitas comparações têm sido feitas a King Krule – ambos jovens, londrinos, talentosos e sofridos. Mas no cruzamento onde Archy Marshall escolheu o caminho da solidão sombria, Nilüfer optou pelo das crónicas em pop-rock a roçar o dream-pop, num projeto que, a um nível sónico, é bastante difícil de classificar.
Miss Universe é um projeto vagamente conceptual, centrado numa sátira às organizações que surgem não-anunciadas nas publicidades das redes sociais e nos prometem um programa holístico de acompanhamento e coaching que nos fará deixar o álcool; perder dez quilos em duas semanas ou crescer as unhas ao dobro do tempo. Como é ser uma jovem mulher em fase de auto-descoberta no meio deste constante bombardeamento? Nilüfer não nos dá a resposta exata, mas a sua maravilhosa voz certamente deixa-nos a pensar.
Outros a destacar: GREY Area, Little Simz | PUNK, CHAI | CRY 4 HELP, Kari Faux | GloToven, Chief Keef & Zaytoven | Baby on Baby, DaBaby | Lux Prima, Karen O & Danger Mouse | American Football (LP3), American Football | I Also Want to Die in New Orleans, Sun Kill Moon | This Is How You Smile, Helado Negro
Adriana Pinto
Séries
The OA (2ª temporada)
A série mais intrigante do Netflix voltou para nos confundir um pouco mais. Há dois anos e meio, a primeira temporada deixou-nos com tudo menos respostas. Quem se atreve a ver a segunda na esperança de finalmente as receber, sairá desiludido.
A Parte II veio expandir enormemente o já gigante universo da série. Afastando-se em grande parte da realidade que seguimos na Parte I, The OA passa a focar-se em duas realidades, literalmente. Numa dimensão temos a própria OA (agora a viver duplamente no corpo de Nina Azarova), Hap, Homer e o resto dos anjos; noutra temos BBA e o gangue que, ao longe, sentem tudo o que passa com OA, tal é a magnitude da relação que criaram com ela, estudada na primeira temporada.
Pode parecer confusa no início (que seria da série sem isso?), no entanto o público está só tão desorientado quanto as próprias personagens e, como tal, à medida que a estória avança, a nossa compreensão acompanha a delas.
O final desta temporada tem quase o objetivo de, novamente, separar os espectadores casuais dos verdadeiros crentes. Quem está predisposto a não gostar da série e dos seus grandiosos pronunciamentos sentimentais acerca da vida depois da morte e do potencial da humanidade, certamente não vai apreciar o final, que é tão meta ao ponto de esmagar completamente a quarta parede. Os criadores de The OA estão novamente a guiar-nos para um lugar novo, depois de uma curva apertada, sem os faróis acesos e só temos de esperar que o Netflix não bata com o carro, como tem vindo a fazer com as suas séries menos conhecidas.
Shameless (9ª temporada)
A nona temporada de Shameless arrancou amaldiçoada. O anúncio de que iríamos dizer adeus a dois dos irmãos Gallagher – Ian e Fiona – deixou muita gente de pé atrás quanto ao futuro da série, legitimamente.
Depois de uma temporada onde o cenário parecia sempre positivo demais para Fiona – a personagem que mais se sacrificou e mais sacrificada foi a série inteira – cada episódio parecia um passo mais perto do precipício, e assim foi. Apesar da sua natureza niilista, com tantas temporadas e uma fanbase fiel, poderíamos argumentar que a hora de Shameless acabar com o crescimento regressivo das suas personagens estaria a chegar, mas ainda não aconteceu.
A união, a postura in-your-face, o significado de família e o humor típicos continuam lá. Isso e o apego das pessoas que vêem a série há anos e cresceram com ela, mantendo-a viva. A este ponto, o objetivo de Shameless não é, nem poderia ser, atrair uma audiência nova. Então porque não pegar de leve nas personagens que ainda restam e dar-lhes finais adequados? Fiona merecia melhor.
No meio de tantas desgraças e enchimento, Shameless poderia ter acabado graciosamente esta temporada, mas uma 10ª já foi confirmada. É bastante complicado manter a frescura de uma série por tanto tempo consecutivo e os produtores têm-no conseguido até agora, mas sem a sua melhor e principal personagem será muito mais difícil.
https://www.youtube.com/watch?v=Xyus5REdmLI
Adriana Pinto
The Disappearance of Madeleine McCann
O caso que abalou Portugal em 2007 está de volta, em formato de documentário. A Netflix não poupou esforços para recontar um dos mistérios mais fascinantes e trágicos do nosso país.
The Disappearance of Madeleine McCann analisa ao detalhe todos os pormenores do caso. Todas as partes imagináveis são ouvidas e relatam a sua visão sobre os factos e as suas lacunas.
A isenção de quem elaborou o documentário é de louvar e nunca o projeto cai no sensacionalismo. É um exemplo de como se deve explicar um acontecimento com esta complexidade.
Para quem pretende recordar ou aqueles que nunca exploraram o desaparecimento da Maddie, este é um original da Netflix a não perder.
João Malheiro
Filmes
Us
Depois do sucesso de Get Out, o próximo passo de Jordan Peele era aguardado com expetativas elevadas. Us surge assim como a consolidação do realizador e argumentista.
A genialidade de Peele passa pela subversão de convenções para criar um terror diferente do expetável. Us não é sobre sustos do nada, arrepios sobrenaturais ou truques baratos. É o horror obtido através da reflexão social. Uma forma refrescante e eficaz de refletir e, simultaneamente, perturbar.
Lupita Nyong’o brilha no papel principal e lidera um elenco sólido. As análises temáticas quase infindáveis que o filme tem sido sujeito só comprova a qualidade do argumento e da cinematografia que o traz para a vida.
O mais aliciante de tudo isto é que depois de dois sucessos seguidos, ainda ficamos com a sensação que Jordan Peele está apenas a começar.
Chuva é Cantoria na Aldeia dos Mortos
João Salaviza tem construído uma carreira interessante no mundo do cinema. A nova obra continua a explorar algumas das temáticas típicas do artista.
Ihjãc tem 15 anos e é um dos indígenas krahô do norte do Brasil. Perdeu o pai e é visitado pelo espírito dele, o que o leva a preparar uma festa de fim de luto. Entre o documentário e a ficção, este filme resulta do convívio de anos que os realizadores tiveram com este povo indígena.
O filme arrecadou vários prémios, entre eles o prémio especial do júri do Festival de Cannes. João Salaviza continua a contar histórias bonitas, através de um olhar profundo sobre as personagens das histórias que realiza.
Mirai
Mirai chama logo a atenção devido a ser um dos raros filmes animados japoneses a serem nomeados para Oscar que não pertencem ao Estúdio Ghibli.
É a equipa do Estúdio Chizu que nos traz a história de Kun um rapaz que começa a sentir ciúmes da irmá recém-nascida, Mirai. Quando descobre no jardim a versão do futuro da sua irmã, Kun terá uma viagem mágica para aprender os fundamentais do amor.
O filme conta a sua mensagem através de simplicidade na história e fantasia na animação. Não está ao nível de outras obras do país nipónico, mas é uma experiência diferente do que o mercado atual oferece no que toca a projetos animados.
João Malheiro