Cultura
OS MELHORES ÁLBUNS DE 2017
Já tão ou mais tradicionais que as passas ao som das badaladas, o fogo-de-artifício ou as resoluções esperançosamente feitas nesta viragem do ano, são os balanços anuais. As retrospetivas, ainda que esperadas, são necessárias à consolidação de mais um ano que passou a correr, à apreciação das pessoas que dele fizeram parte, à aceitação do que correu menos bem e à lembrança dos bons momentos.
No JUP, é altura de destacar a música que se fez ouvir este ano; esta, como todas as seleções, será subjetiva, no entanto, ponderada e eclética, curada pelos colaboradores de Cultura. Entremos com o pé direito.
Reflections of a Floating World, Elder
A banda de Boston lançou este ano o seu quarto álbum a solo, Reflections of a Floating World, um trabalho que só pela ilustração da capa chama a atenção dos ouvintes. Este álbum é uma espécie de Lore parte dois – e é a própria banda que faz esta alusão ao álbum de 2015 – e o trabalho que mais os retira da conotação de banda de stoner rock. Reflections of a Floating World é um álbum que conjuga na perfeição os mundos do stoner, do doom, do progressive e do psych rock. E da incorporação de todos esses géneros, o trio criou algo que simplesmente soa a Elder.
Seis músicas, todas à volta dos 10 minutos, compõem, para mim, um dos álbuns do ano. Os riffs poderosos são acompanhados por uma voz que não é rouca nem é suave, mas encaixa perfeitamente na música. É uma hora e picos numa cavalgada psicadélica e progressiva que quase não dá descanso. É certamente o trabalho mais bem-sucedido da banda, que o apresentou ao público português em agosto, com um concerto no SonicBlast Moledo. No entanto, é justo dizer que o concerto não fez justiça à qualidade do álbum, que talvez seja demasiado complexa para uma abordagem ao vivo igual à abordagem em estúdio.
Francisco Cardoso
Sketches of Brunswick East, King Gizzard & The Lizard Wizard with Mild High Club
A aventura dos King Gizzard em 2017 teve, a meu ver, o seu ponto alto em agosto com o lançamento de Sketches of Brunswick East, com a parceria dos californianos Mild High Club. O nome do álbum é alusivo ao bairro natal da banda em Melbourne e inspirado no trabalho de 1960 de Miles Davies, Sketches of Spain, e este é nada mais nada menos do que o terceiro álbum da banda, dos cinco prometidos para o ano.
Os australianos têm marcado os últimos anos da música com a sua abordagem criativa, mas sempre com um tom pessoal. Todas as músicas são facilmente identificáveis, ainda que bem diferentes, desde o psych rock ao inquietante surf rock, no entanto, a sonoridade deste álbum é ainda mais distinta.
Entre os traços pessoais da banda, o álbum continua, como não podia deixar de ser, a não ter pausas entre as músicas. A banda volta a privilegiar uma panóplia infinita de instrumentos e a ligação sonora entre várias músicas.
A diferença está na aproximação deste álbum ao jazz. Os sons de pássaros e da natureza tiram a vez aos gritos tresloucados. A guitarra a imitar constantemente a voz do multi-instrumentalista Stu Mackenzie é substituída por um órgão que suavemente acompanha a melodia.
O álbum foi lançado pela editora da própria banda, Flightless, e produzido pelos mesmos. Os King Gizzard & The Lizard Wizard mostram mais uma vez níveis de criatividade excecionais, talvez não vistos no mundo da música desde os tempos de um tal senhor chamado Frank Zappa. A banda que desde 2010 não tem parado prova agora que tanto pode causar furor no Paredes de Coura, num concerto com direito a mosh e crowdsurf, como dar um concerto na Casa da Música.
Francisco Cardoso
A Crow Looked At Me, Mount Eerie
Phil Elverum é um multi-instrumentalista e produtor musical norte-americano, conhecido pela sua antiga banda The Microphones. Desde 2003 dedicou-se ao seu projeto a solo, Mount Eerie. No entanto, este lançamento é mais do que apenas mais um álbum na extensa discografia do autor. A Crow Looked At Me nasce de uma tragédia: em 2016 a sua mulher Geneviève Castrée morreu vítima de cancro e deixa-o com uma filha de um ano.
A Crow Looked At Me é um álbum que reflete sobre a morte da mulher e o seu futuro sem ela. Logo na primeira estrofe “Death is real / Someone’s there and then they’re not / And it’s not for singing about / It’s not for making into art” é percetível que este é um álbum bastante pessoal, em que o artista se expõe da forma mais aberta e honesta possível. Todas as onze músicas são desprovidas de metáforas ou eufemismos. Musicalmente, é algo simples e bonito que acompanha na perfeição a voz de Phil Elverum, mas não é o instrumental que se releva no álbum. É o desabafo, é o luto de alguém que não o consegue superar. São os momentos que o pai tem de passar com a filha sem a ajuda da sua mãe. É um buraco depressivo escrito por alguém que ainda não sabe como reconstruir a sua vida.
Francisco Cardoso
Aromanticism, Moses Sumney
A temática que dá força ao disco de estreia do artista norte-americano parece, de certa forma, contrastar com o seu estilo quase angelical e etéreo. Apesar da sua suave e delicada voz poder ser imediatamente apaixonante, é precisamente sobre a ausência de amor que Moses Sumney coloca o seu olhar. Aromanticism ziguezagueia, então, entre a sensualidade da sua sensibilidade R&B-meets-soul-meets-jazz e a intranquilidade de que as suas letras dão conta.
O resultado é uma experiência singular, na qual o cantautor revela uma maturidade musical que não deixa de ser impressionante para a sua idade. A ambição de grandes viagens pelo jazz contemporâneo em faixas como “Quarrel” recebe, graças ao seu registo impressionante, uma força aumentada, e ao mesmo tempo o álbum fortalece-se com a simplicidade da tragicamente bela “Plastic” ou das evocativas “Don’t Bother Calling” e “Make Out In The Car”.
Por outro lado, a catarse de destaques como “Lonely World” aponta para um interessantíssimo lado mais experimental de Moses. A diversidade que revela culmina em vários dos melhores momentos deste lançamento, e permite antecipar um ainda maior crescimento artístico no futuro.
Daniel Dias
Slowdive, Slowdive
Depois de uma ausência de 22 anos, fazia sentido olhar para o regresso de uma das bandas mais influentes do shoegaze com um pé atrás. Voltariam os Slowdive num bom momento de forma? Trariam eles novas ideias ao seu repertório, ou contentar-se-iam com poucos riscos e a repetição da fórmula de sucessos anteriores? Se, por um lado, será justo dizer que este álbum homónimo não ultrapassa as alturas conquistadas pelo clássico Souvlaki, também se pode referir que poucos esperariam que o conjunto de Neil Halstead e companhia soasse tão revigorado após tão longa paragem.
Os oceanos de som com que “Slomo” dá início à experiência relembram os seus melhores momentos, enquanto ao mesmo tempo há nela uma urgência que a mantém fresca e actual. O reverb e as guitarradas de “Star Roving” revelam uma faceta mais otimista do grupo de uma bela maneira, e não se podem esquecer também as muitas harmonias memoráveis em outras músicas como “Go Get It” ou “Sugar For The Pill”. As vozes de Halstead e Rachel Goswell continuam a complementar-se mutuamente com grande mística, e a banda mostra que os anos não prejudicaram os seus talentos, num dos discos de reunião mais bem conseguidos dos últimos anos.
Daniel Dias
Big Fish Theory, Vince Staples
“I like saying stuff about black people to white people”, disse Vince Staples, enquanto dava uma entrevista a respeito do lançamento de Big Fish Theory. Numa era em que a temática das desigualdades raciais tem uma presença tão forte na música, o rapper californiano pode não ser aquele que mais se debruça sobre o tópico, mas isso não significa que não tenha uma coisa ou duas a dizer a respeito de toda a discussão.
O artista parece privilegiar o plano sonoro acima do lírico, apesar de tudo (e embora não negligencie nenhum dos dois), e, no seu segundo álbum, Staples junta ao hip-hop sem rodeios de Summertime ‘06 o seu crescente interesse pela electrónica experimental, culminando nalgumas das mais dançáveis e desinibidas composições da sua carreira.
Aos versos impecáveis de “Crabs in a Bucket” e “Big Fish” juntam-se as batidas animadas e irreverentes de “Homage” ou “BagBak”, ao passo que nomes grandes como ASAP Rocky, Damon Albarn ou Kendrick Lamar dão o seu contributo com aparições especiais.
Big Fish Theory permite o continuar da evolução do seu autor enquanto artista, e, com apenas 24 anos de idade, Vince Staples tem todas as ferramentas para atingir maiores metas.
Daniel Dias
DAMN., Kendrick Lamar
O nome que mais ascendeu no panorama do hip hop nos últimos anos dispensa apresentações e, de acordo com a seleção da revista Rolling Stone, lançou o melhor álbum de 2017. Segundo as muitas teorias que emergiram à tona deste álbum, a data do lançamento tinha sido anunciada pelo próprio Kendrick no single The Heart Part 4, onde apela a quem o ouve para resolver a sua vida até ao dia 7 de abril; o desapontamento foi geral nesse dia, quando apenas a pré-compra do álbum ficou disponível no iTunes.
Uma semana depois, Kendrick decidiu abençoar-nos com DAMN. na Sexta-Feira Santa. Ironia? Nele, o rapper morre, e ouve-se o tiro tanto no começo como no fecho do álbum. Este foi cuidadosamente estruturado para ser lido na ordem natural e na inversa de maneira a que a história se mantivesse: “Is it wickedness?/Is it weakness?/You decide/Are we gonna live or die?”, ouve-se na primeira faixa, BLOOD.. A viagem até DUCKWORTH. é uma batalha interior entre a maldade e a fraqueza e fica ao critério de quem ouve – e em que sentido o ouve – decidir quem ganha.
A sonoridade deste quarto álbum é distinta do que já se ouviu de Kendrick anteriormente. A sua energia em To Pimp a Butterfly, potenciada pelas influências jazz, evolui aqui para uma profundidade que reúne traços de um segundo álbum good kid, m.A.A.d. city com sons digitais, que mostram a sua atenção à cena musical atual, colmatados com a entrega de barras já característica de Kung Fu Kenny – o alter ego que adotou neste disco. As letras são mais introspetivas, fluem entre a sua própria maldade e fraqueza, mas nunca abandonam a consciência política da menção direta de questões preocupantes nos Estados Unidos da América, como a eleição de Donald Trump à presidência e a violência racial.
Kendrick Lamar veio sustentar o seu trono no hip hop e DAMN. comprova-o. Um trabalho tão complexo e genial que a única reação acertada é a expressão que dá título ao álbum.
Inês Loureiro Pinto
Ctrl, SZA
Foi em junho de 2017 que Solána Rowe – nome verdadeiro da sigla que se pronuncia “/ˈsɪzə/” – apresentou o seu primeiro álbum a solo, após uma demora no lançamento. SZA tinha já editado três EPs: See.SZA.Run, S e Z. Este último, em 2014, foi o primeiro disco de uma artista mulher a ser assinado pela editora Top Dawg Entertainment (TDE), nome importante na indústria do hip hop. Segundo SZA, foi preciso tempo para redescobrir a música como o protagonista da sua inspiração, daí o hiato de 3 anos.
O lançamento previsto para este ano era A, o EP que fecharia a trilogia musical do seu nome, mas os fãs não se queixaram. Ctrl é a definição do novo R&B e do glitter trap – estilo definido pela artista e que combina o trap com sons cristalinos. O álbum conta com colaborações dos seus colegas da TDE, Kendrick Lamar e Isaiah Rashad, e ainda Travis Scott e James Fauntleroy, que complementam a profundidade da sua voz feminina. Em Ctrl, há uma luta pelo e com o controlo, marcada nas letras por momentos pessoais e pela voz da mãe de SZA, que serve de interlúdio a algumas canções.
Se na primeira, Supermodel, há insegurança na dependência do que se quer e não tem, as canções que fecham o álbum refletem a confiança e a aceitação do que não se pode controlar. Vemos SZA a evoluir; a querer, ter e perder controlo, e a aceitar que, com 20 Something – a última canção do álbum – o melhor da vida não se controla. Ironicamente – ou não – segundo a revista TIME, Ctrl foi o melhor álbum de 2017.
Inês Loureiro Pinto
The Art of Slowing Down, Slow J
João Coelho pode facilmente ser apelidado de Sam the Kid, ou de Rui Veloso, ou de Manel Cruz da nova geração do hip hop português, seja pelos instrumentais intricadamente compostos – como se fizesse das faixas peças de um puzzle sónico – ou pelas letras conscientes que transmite em rap e canto, numa espécie de manifesto gritado ao ouvido.
O seu primeiro lançamento, a mixtape The Free Food Tape, em 2015, abriu o apetite de quem andava à procura de ondas no panorama musical português.
O resultado da espera foi a consolidação de um novo estilo musical, único e ilimitado: em The Art of Slowing Down, saído em março deste ano, o flow de Slow J é corrente como o rio Sado que protagonizou a sua infância, inspirou as suas letras e que dá nome a uma das faixas do disco. O ritmo energético das primeiras, Arte e Casa, é abandonado ao longo do álbum para dar lugar a beats mais profundos e letras introspetivas, como em Sonhei Para Dentro, Às Vezes – onde também ouvimos as palavras de Nerve – e Comida. Transversal a todas é a transparência das palavras que refletem as experiências de Slow J, mas que, ao mesmo tempo, ressoam na vida de todos os que as ouvem.
O estilo indefinível de Slow J é uma simbiose harmoniosa de beats, ritmos africanos – marcas da sua ascendência – samples e o repertório da música portuguesa, que reflete a sua formação em Engenharia de Som. Ouve-se no álbum, em Biza: “desacelera, Johnny, espera, para com as equações, baza fazer canções”; talvez seja esta a explicação do seu nome (e do seu objetivo na música): desacelerar, sem nunca parar, leva-nos não só ao melhor caminho como a aproveitar a viagem. Se isto não é arte, não sei o que é.
Inês Loureiro Pinto
How did we get so dark, Royal Blood
Os britânicos Royal Blood conseguiram neste segundo álbum derrotar o medo coletivo de que não seriam capazes de sair da sonoridade que marcou o seu primeiro álbum. O medo surgia porque a banda é composta apenas por baixo, voz e bateria. Introduções cirúrgicas de piano, sintetizador e guitarra vieram refrescar a sua forma de fazer música, sem nunca descurar do seu lado convidativo para moshes.
Ligados à corrente como sempre, mas agora, de alguma maneira, mais sombrios. Aliás, segundo os próprios, em entrevista à BBC Radio 1, é mesmo essa a razão do nome do álbum How did we get so dark. Na mesma entrevista, Matt Kerr, baixista e vocalista da banda, falou também do quanto se arrepende do esforço posto nas músicas, porque agora são muito complicadas de tocar ao vivo. E, de facto, fica essa impressão.
Luís Miguel Rocha
Sleep Well Beast, The National
Na altura em que saiu o single deste álbum – Day I die – já se previa uma mudança na sonoridade dos The National. Assim o foi: Turtleneck, The system only dreams in total darkness e I’ll still destroy you são as grandes provas disso mesmo. Apesar de mais “ativos” em alguns dos temas que compõem o novo álbum, os The National não se desprenderam da melancolia que Matt Berninger impõe nos seus trabalhos, tanto pelo que canta, como pela forma que canta.
Também convém realçar que esta não é uma mudança absoluta da banda. Temas como Guilty Party, Empire Line e Walk it back são marcas da manutenção de alguma da sua forma de produzir músicas. São músicas que o ouvinte consegue com facilidade identificar como pertencentes aos The National
O sétimo trabalho dos norte-americanos vai certamente marcar o concerto que irão dar em Portugal no dia 13 de junho, inserido no festival NOS Alive.
Luís Miguel Rocha
Villains, Queens of the Stone Age
É a sua maneira de construir álbuns que os diferencia e delicia a sua base de fãs. Já bem longe dos tempos de Songs for the Deaf e do seu homónimo primeiro álbum em termos de sonoridade, os norte americanos, liderados pelo carismático Josh Homme, continuam a investir muito naquilo que é a montagem do álbum, em termos de espaços entre músicas, num claro esforço de ligar todo o álbum numa sequência lógica.
As primeiras duas faixas – Feet don’t fail me e The way you used to do – são os grandes destaques do trabalho, pela sua capacidade de se prenderem à mente do ouvinte. Realce também para Villains of Circumstance que parece ser uma música saída diretamente do seu álbum anterior …Like Clockwork.
Este é o sétimo álbum da banda já bem conhecida do público português e com posição marcada no panorama musical mundial. Dia 13 de Junho de 2018 vão estar no NOS Alive, juntamente com os já referidos The National.
Luís Miguel Rocha
Este artigo é da autoria de Daniel Dias, Francisco Cardoso, Inês Loureiro Pinto e Luís Miguel Rocha.
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