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DESPORTO ADAPTADO E OS MEDIA: OS ESTEREÓTIPOS

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Pedro Bártolo

A minha avó diz que sou demasiado contestatário. Não raras vezes me lançava um olhar esconjurador quando emitia uma opinião sobre qualquer assunto, da mais supérflua circunstância da atualidade ao tabu familiar mais melindroso.

No desporto adaptado, sinto esse espectro recriminador aumentado, com cada comentário que teço a rechaçar ora na incompreensão simplória, que perdoo, ora na desculpabilização, antecâmara, ou se calhar reflexo, da tendência para a resignação tão portuguesa, sintetizada no leitmotiv “as coisas são assim”.

Vejo no facebook muitos para-atletas exporem orgulhosamente as reportagens de que são protagonistas, mesmo quando estas (a maioria) não fazem jus à sua condição de atletas, que o são, cedendo assim a um instinto venal a troco de alguns minutos de fama. O enfoque privilegiado é, invariavelmente, a do “coitadinho” que se emancipou dos tentáculos torcionários da deficiência à custa dos seus êxitos desportivos, como se esta tivesse de ser ultrapassada para não mais existir.

O fenómeno, veiculado na literatura como o estereótipo do “supercrip”, bem podia ter sido cunhado após uma análise apressada pela imprensa portuguesa. Tamanho descrédito ao desporto adaptado despoleta um outro efeito perverso, generalizando-se a ideia de que perdura o amadorismo e a incapacidade de atrair fãs genuínos. Afinal, não passam de uma data de “deficientes”.

E se me pedem exemplos, assaltam-me de imediato dois em particular: o primeiro, que tentei encontrar obstinadamente, na página da RTP – sem sucesso -, reporta-se a um jogo entre o Galatasaray e o Besiktas, no basquetebol em cadeira de rodas, interrompido devido aos distúrbios causados pelos adeptos  do primeiro e que a estação pública noticiou como um “jogo de deficientes”. Elegante RTP, muito elegante. O segundo, mais subliminar, mas não menos maculado por preconceito, diz respeito precisamente ao mesmo encontro. Desta feita, o carrasco do desporto paralímpico é o jornal Record, que achou por bem vincar a sua inferioridade com o título: “Rivalidade até no basquetebol em cadeira de rodas”. Resta mencionar a agravante do Galatasaray ser campeão europeu em título e a afluência massiva dos seus adeptos não constituir novidade.

Há uns tempos atrás, um conhecido para-atleta português disse-me que recusou um convite de uma estação televisiva para contar a sua “história” num desses edificantes programas da manhã. Frisou que para o tratarem como “coitadinho”, e não como atleta, preferia ficar em casa.

Um espécime raro.

 

Pedro Bártolo, basquetebolista no CP Mideba Extremadura e blogger em “O Caminho é o Fim”

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3 Comments

  1. David Guimarães

    28/04/2014 at 15:04

    Pedro Bártolo, mais um belo e esclarecedor texto.

    Infelizmente os para-atletas dificilmente vão ser apreciados como desportistas de eleição. Os meios de comunicação social “vendem”, para esse efeito, o desporto de alta competição de atletas não portadores de deficiência. O desporto de alta competição para atletas sem e com deficiência é antagonicamente analisado desta forma: Os atletas sem deficiência são uns predestinados, tendo um toque “divino” de aptidões físicas e técnicas. Os atletas com deficiência, uns desafortunados, onde o trabalho e o esforço hercúleo, através do desporto, lhes permite dirimir a sua condição debilitada. Não acho, no entanto, que este “estado de coisas” derive de um mero desrespeito dos media pelo para-atleta, mas de uma ignorância que advém do seu afastamento a enquadramentos semelhantes.
    Se o próprio para-atleta é enredado neste metadiscurso, prevejo uma “dura” “pregação” da tua parte no intuito do vosso reconhecimento como competidores de excelência.

    Continua o excelente trabalho!

  2. Pedro Bártolo

    01/05/2014 at 23:02

    Obrigado pelas tuas palavras David. Concordo que a parca visibilidade do desporto adaptado nos media não se deva apenas a um desrespeito destes. Efectivamente, a imprensa desportiva está a léguas do que se faz em outros países mesmo no que toca, por exemplo, às ditas modalidades amadoras. Sem dúvida que tenho um longo caminho pela frente, mas se Inglaterra ou Alemanha já se emanciparam do patrocínio da compaixão, Portugal também o irá conseguir. Abraço

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