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BÉLLA GUTTMANN: O HOMEM E A SUA MALDIÇÃO

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Bélla Guttmann nasceu na Hungria, na capital Budapeste, em 1900. Jogou no MTK Budapest, Hakoah (Áustria) e já veterano terminou a carreira nos Estados Unidos, aos 33 anos. Iniciou a sua odisseia de treinador em 1933 no clube holandês Encshede. Passou também pelo Ujpest (Hungria) e pela Roménia, treinando o Ciokanul Bukarest.

Acumulou títulos por todos os clubes onde passou e isso granjeou-lhe uma reputação tremenda. O seu talento espalhou-se então pelos campeonatos mais competitivos. Venceu o Scudetto italiano pelo AC Milan e foi campeão paulista pelo S. Paulo. O êxito em terras de Vera Cruz “seduziu” a direcção do FC Porto, que em 1958 não abdicou de um enorme esforço financeiro para o contratar. Ofereceu 300 contos por ano, mais 100 caso conquistasse o campeonato. O pecúlio nessa época para o Húngaro foi de 400 contos. Guttmann era adulado pelo clube nortenho e sua massa adepta mas, no final dessa temporada, um exorbitante contrato oferecido pelo Benfica foi demasiado aliciante, levando-o a mudar-se para a capital.

À semelhança do que havia feito no FC Porto, revolucionou o futebol dos encarnados. Dispensou 15 atletas e restringiu o grupo a um máximo de 18 jogadores. Implementou treinos diários ou até bidiários sempre em máxima intensidade, um modelo de jogo baseado num futebol colectivo, rápido na circulação, com triangulações em zona adiantada, procurando o golo.

Apesar do título de campeão no ano de estreia, a eternização nos anais da história deveu-se ao troféu de bicampeão europeu, que permitiu a Portugal uma inédita afirmação supranacional. Na primeira final venceu inesperadamente o superfavorito Barcelona por 3-2, “apresentando-se” à Europa. No ano seguinte, após a vitória por 5-3 sobre o Real Madrid, o Benfica era já inegavelmente um poderio futebolístico. No rescaldo do jogo, o jornal espanhol «ABC» relatava: “Como Napoleão, que com gesto soberbo arrebatara a coroa das mãos do pontífice para com as suas próprias a cingir, o Benfica, depois de ceder durante catorze minutos o diadema do futebol europeu ao Real Madrid, que parecia voltar a possuí-lo, tirou-lho das mãos para se coroar com uma coroa que, com as águias imperiais, já é bicéfala.”.

Saindo em glória das “águias” no final dessa época, Guttmann passou pelo Penãrol sem nenhum título conquistado. Voltou ao Benfica para mais uma época, em 1965. Não conseguiu derrotar a concorrência Sportinguista no campeonato nem o Manchester United nos quartos-de-final da Taça dos Clubes Campeões Europeus. Foi por isso despedido no final dessa temporada. Regressaria para treinar em Portugal mais uma época, onde nada ganhou pelo FC do Porto. Viria a morrer em Viena, em 1981.

Com a passagem do Benfica à final da Liga Europa, muito se tem escrito sobre a maldição que Bélla Guttmann perpetuou ao clube. Nos festejos da segunda vitória Europeia e antevendo a sua saída Guttmann afirmou:

     – “Nem daqui a 100 anos uma equipa portuguesa será bicampeã europeia e o Benfica jamais ganhará uma Taça dos Campeões sem mim…”.

Percebemos que apenas com desonestidade intelectual e desprezo pela deontologia é que muitos agentes desportivos afirmam que esta maldição pode ser quebrada. Mas, para alívio dos mesmos, este “mau olhado” do húngaro não abrange a Liga Europa. Assim, o medo cénico que alguns terão não faz sentido. O misticismo no futebol é uma idiossincrasia castiça. Como tal, não questiono a atenção dada a estes aspectos mais fabulísticos da modalidade, só peço que discorram honestamente sobre eles.

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11 Comments

11 Comments

  1. joao barbosa

    6 Mai 2014 at 23:19

    o f c porto ja foi bi campeao europeu, embora nao tenha sido em anos consecutivos, mas dizia-se que schumaker era penta campeão de f1 e tambem nao era em anos consecutivos…o que faz com que esta frase de bella gutman tenha um significado deturpado.
    mas de qualquer das maneiras o feiticeiro magiare marcou fortemente o futebol nacional! ao ponto de ter referencias tanto no museu do f c porto(com uma estatua, À entrada) como, obviamente, no museu do benfica. a sua saida do f c porto , alegando dor de costas, e que no sul o clima era melhor, é ,tal como a contrataçao de eusebio, um dos mais importantes momentos do futebol portugues, no inicio do futebol universal(inicio das competiçoes europeias) Se hoje em dia existem decisoes que mudaram a historia recente a favor do f c porto( contrataçao de bobby robson despedido pelo sporting, deco a custo zero vindo do slb,mourinho vindo do slb, villas boas com pre contrato com sporting, moutinho por tostoes etc etc) naquela altura estes momentos eram a favor do benfica que, tambem por isso, construiu uma grande equipa nessa decada!

  2. Carlos Martins

    8 Mai 2014 at 0:47

    David, como muito bem lembraste, quem trouxe o Béla Guttmann para Portugal foi o FC Porto. O treinador húngaro chegou já com a época 1958/59 a decorrer (os portistas tinham 5 pontos de atraso para o Benfica), mas, mesmo assim, conseguiu impor disciplina, deu ânimo aos jogadores e, servindo-se de processos práticos de jogo («passa, repassa e chuta»), pôs a equipa a praticar um futebol positivo e eficaz.

    Nessa época de 1958/59, o FC Porto conquistou um dos campeonatos mais suados e emotivos da sua história, decidido por apenas um golo de diferença. Houve incerteza até ao fim por causa de um tal de Calabote (o primeiro árbitro português a ser irradiado), que tentou tirar o título ao FC Porto para o dar ao Benfica.

    Depois, o dinheiro falou mais alto e Béla Guttmann mudou-se para o Benfica, onde se sagrou bicampeão europeu.

    Voltaria ao FC Porto na década de 70. Era Guttmann o treinador quando o Estádio das Antas viveu o momento mais dramático da sua história: a morte de Pavão em pleno relvado.

    Béla Guttmann era conhecido por ser um homem bom e um treinador competente, austero e disciplinador. Quanto à célebre “maldição de Guttmann”, o Benfica só poderá quebrá-la quando conseguir ganhar a Champions. Até lá, aguardemos…

    • David Guimarães

      8 Mai 2014 at 20:45

      Obrigo grande amigo Carlos por mais um comentário com acrescento histórico precioso ao meu artigo. Esta é uma bela parceria que gostava muito de ver mantida. Um forte abraço!

      • Carlos Martins

        9 Mai 2014 at 0:25

        Obrigado. É sempre um prazer comentar aqui…

  3. Diogo

    9 Mai 2014 at 12:16

    David, a manipulação de factos históricos pelos benfiquistas não é novidade nenhuma, basta olhas com atenção para a polémica discussão sobre que clube português tem mais títulos. Mas deixemo-los aproveitar o clima de euforia para distorcer a realidade. Uma coisa não conseguirão camuflar: ainda que ganhem esta Liga Europa, continuarão a ser um dos clubes europeus, a par da Juventus, com a mais elevada taxa de derrotas em finais de competições europeias.

  4. Miguel Braga

    11 Mai 2014 at 15:46

    Mais um artigo, bem detalhado, bem estruturado e que demonstra um excelente conhecimento na história futebolística de Portugal. Continua assim, meu amigo. Fico à espera pelo próximo.

  5. Raquel Moreira

    11 Mai 2014 at 20:00

    David: Seria útil que fizesses mais artigos sobre a história do futebol e dos seus protagonistas.
    O rigor e a verdade históricos são muito importantes. A manipulação e adulteração de factos históricos quer colectivos quer individuais é uma prática recorrente nos regimes, instituições e personagens com tendências ou tentações totalitárias, ainda nos dias de hoje.
    Por isso nunca será demais reafirmar a verdade dos factos mesmo que esta seja para nós inconveniente.
    Obrigada e um grande beijo!

  6. António Pais

    11 Mai 2014 at 20:27

    Olá David!

    Li agora o artigo. Muito interessante essa maldição do Guttmann, hoje a nossa geração também já ouviu na nossa imprensa artigos sobre supostos actos de bruxaria que o Benfica estaria a ser alvo, isto como justificação face aos fracassos futebolísticos dos últimos anos. Não sei quais são as relações que o mundo futebolístico tem com o esoterismo ao longo da história, mas é um sinal forte da sua crescente popularidade e do próprio clube. Hoje com um grau de profissionalismo alcançado em Portugal, a fuga para causas ocultas é um escape algo redentorista, popular entre as massas e por isso tentador..

    Cumprimentos!

  7. Pedro Marques Pinto

    11 Mai 2014 at 21:26

    Acho muito interessante fazeres esta análise histórica do percurso de Bella Guttman para compreendermos as implicações simbólicas da final europeia que o Benfica irá disputar. Não sabia que Guttman tinha projectado, como dizes, o futebol português para um estatuto supranacional, conquistando em anos consecutivos duas taças dos campeões europeus contra dois colossos europeus. É curiosa a analogia que o jornal ABC faz, ao comparar a figura do treinador húngaro ao acto de tamanha ousadia protagonizado por Napoleão. Se o futebol é o herdeiro mais ou menos pacífico do fenómeno milenar da guerra, se os jogadores das equipas podem, de alguma forma, equiparar-se ao contingente bélico de um exército (veja-se a linguagem técnica: onze principal, suplentes, reservas), então, creio, o treinador é a tradução viva do papel desempenhado por um imperador ou um comandante supremo que lidera as suas tropas em campo. Mas maldições há muitas, e, para fazermos uma abordagem isenta e rigorosa da realidade futebolística, jamais poderemos cair na tentação de acreditar em superstições sem nexo nem lógica. Mas o futebol também vive de mitos e de não-acontecimentos. E se a carreira de Guttman foi mitificada a um tempo, logo foi dessacralizada e desacreditada. É a ascensão e queda de um homem. Mas veremos se as palavras proféticas de Bella Guttman se cumprem na próxima terça-feira.

    Um grande abraço david

  8. Raquel Moreira

    15 Mai 2014 at 15:19

    O que aconteceu ontem, ( derrota do Benfica),vai fazer com que este mito (falso) se “confirme”ainda mais.
    É mais fácil ao ser humano, procurar causas externas para as coisas más, do que aceitar erros e fracassos por culpa própria.
    Mas parafraseando o jornal espanhol “A Marca”, o mérito foi de “Beto Guttmann”.
    Será que o atleta, para os benfiquistas, também tem super poderes?

  9. Carlos Moreira

    15 Mai 2014 at 17:36

    Tranquilos Benfiquistas 100 anos passam rápido, que o diga Manoel de Oliveira.

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