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NEOLOGISMO PORTUGUÊS PARA TRIPLETE

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David Guimarães

Os vários agentes desportivos (imprensa escrita, televisiva e radiofónica), após a vitória do Benfica por 1-0 sobre o Rio Ave para a Taça de Portugal, consideraram que se fez história no país pois nunca uma equipa havia conquistado Campeonato, Taça da Liga e Taça de Portugal em território nacional, no mesmo ano. Apelidaram esta odisseia de o primeiro triplete da história do futebol português.

Triplete é uma palavra espanhola que visa atribuir um título, não oficial, a equipas que conquistam três troféus num ano. Este conceito subdivide-se em dois: o triplete nacional, quando se vencem três provas internas, e o triplete continental, juntando pelo menos um troféu internacional aos títulos nacionais já conquistados.

Com este esclarecimento, é inegável a conquista do triplete nacional por parte do Benfica. De facto, para o clube da Luz é uma façanha inédita pois nunca antes havia sido alcançada. Em contrapartida, quando analisamos a história do futebol em Portugal, constatamos que não é a primeira vez que se regista. Existiu, mais uma vez, um revisionismo histórico alicerçado em informações incorrectas. Afirmou-se que as supertaças não contavam devido a serem disputadas num jogo só. Uma enorme falsidade. O Futebol Clube do Porto já conquistou a tripleta nacional por 5 vezes, nas épocas de 1997/1998, 2002/2003, 2005/2006, 2008/2009 e 2010/2011. A esta tentativa de transmutação factual somou-se um negacionismo histórico imperdoável. A rasura da tripleta continental do Porto na época de Mourinho (2002/2003) e das duas épocas em que o clube portuense conquistou quatro troféus (1987/1988 com Tomislav Ivic e 2010/2011 com Villas-Boas) demonstram um desrespeito e um desprezo pela ética profissional que devia nortear os media nacionais.

Esta semana socorro-me novamente de escritores portugueses, desta vez de Eça de Queirós, o maior romancista do século XIX. A sua obra a “Cidade e as Serras” é passada na vila duriense de Tormes. Este local não existia, foi Eça que o criou como refúgio da personagem central do romance, Jacinto. Actualmente, com a disseminação do livro e notoriedade do escritor, esta invenção literária tornou-se num local concreto, reconhecido pela população da região. A comunicação social e os seus perversos “génios literários”, com as constantes invenções que veiculam, informam erradamente as massas que, sem contra factual, integram como verdadeiro, algo falso.

Nos Paços do Concelho lisboeta, o presidente da Câmara Municipal, António Costa, na recepção à equipa do Benfica proferiu as seguintes palavras:

“Um triplo triunfo que cumpre destacar e para o qual nem parece haver palavras. Triplete à espanhola, tripleta à italiana. Julgo que este inédito obrigará a que os linguistas descubram muito em breve a expressão que poderá consagrar este grande resultado do Benfica.”.

Embora não sendo linguista, tenho a veleidade de propor dois neologismos, a figurar na próxima edição do Dicionário da Academia das Ciências de Lisboa. Tripivete, semelhante ao castelhano, porque a falta de rigor jornalístico já cheira muito mal, e tripeta, próximo do italiano, porque para vangloriar os feitos do Benfica a imprensa mente e omite conquistas de outras instituições. O presidente Luís Filipe Vieira afirmou que o clube não se preocupa com os outros e não festeja o insucesso alheio porque isso revela mesquinhez e pequenez de carácter. Mas o que dizer de quem, para celebrar e exponenciar o seu sucesso, elimina os feitos dos seus adversários?

Retorquindo o desafio de António Costa lanço-lhe outro. Com a saída da Troika do nosso país, entramos num novo período. E, como vislumbramos pela campanha eleitoral para eleições europeias, experienciamos uma era de um vazio ideológico, de falta de projectos e soluções. Socorrendo-me da 1ª Guerra Mundial, preocupa-me observar que esta “Tríplice Aliança” gerou um povo “Tríplice Descontente”. Mas com isso os nossos políticos não estão preocupados. Nesta fase de conjuntura dúbia em que a Troika saiu mas as suas políticas e medidas por cá continuam, pergunto ao autarca de Lisboa se lhe agradam os termos troikete, à espanhola, ou troiketa, à italiana, para explicar o “estado a que chegamos”.

Com este enquadramento, fico completamente embrenhado nos estados de espírito antagónicos que percorrem toda a obra literária queirosiana. Às vezes o humor cáustico, noutras ocasiões uma amargura sufocante. Visto que não nos podemos refugiar em Tormes junto a Eça, só nos resta uma súplica: valha-nos a Santíssima Trindade.

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5 Comments

  1. João Guerra

    28/05/2014 at 07:54

    Caro David, mas que belo texto! Não é surpresa que os políticos e os media se socorram de expressões e citações de forma oportunista. O próprio calculista Costa vai ao triplete eleitoral! Um abraço!

  2. Raquel Moreira

    30/05/2014 at 10:24

    Aqui está um bom exemplo de humor inteligente e construtivo. Delicioso!
    Obrigada.

  3. Miguel Braga

    31/05/2014 at 22:17

    Este artigo, assim como todos os outros, demonstram uma minunciosa análise da História Futebolistica de Portugal. Para além disso, este artigo apenas expõe a podridão da comunicação social que anuncia notícias detorpadas. No mundo da cominucação social onde a verdade é cruxificada, não é de estranhar que hajam belísssimos artigos escritos com grande performance gramatical que suplantem o deleixo corrupto dos jornalistas “profissionais”. Só me resta dar-te mais forças, amigo e que venha o próximo.

  4. Carlos Martins

    03/06/2014 at 01:34

    Bom artigo, David! Para alguns pseudo-jornalistas, pelos vistos vale tudo… Nas últimas semanas, quase toda a comunicação social (imprensa escrita, rádio e TV) repetiu até à exaustão que o FC Porto terminou a época 2013/14 sem conquistar qualquer troféu. Nada mais falso! Esqueceram-se que a Supertaça, ganha em Agosto do ano passado, é um troféu oficial e, portanto, deve ser contabilizado como troféu ganho esta época!

    Grande parte da Imprensa, anti-portista militante e afecta ao clube do regime, julga que se repetir 50 vezes uma mentira, ela passa a ser verdade… Mas não passa! Ai não passa, não!

  5. Carlos Martins

    04/06/2014 at 01:32

    David, um bom exemplo do facciosismo da nossa Imprensa, que trata uns como filhos e outros como enteados, aconteceu ontem em directo na RTP…

    Vê o vídeo… https://www.youtube.com/watch?v=T-RIDgTbF0Y&app=desktop

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