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OS 46 CONVOCADOS DA IRMANDADE LUSO-BRASILEIRA

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David Guimarães

Apesar da minha nacionalidade portuguesa, adoptei o Brasil como um país que amo, identificando-me muito com a sua cultura. Uma das manifestações culturais mais distintivas do “país irmão” é o futebol. Na ausência de Portugal no Mundial de França 98, apoiei a selecção brasileira desde o início da competição. As lágrimas que verti na derrota canarinha por 3-0 frente ao país anfitrião, na final, expressam uma ligação afectiva e sentimental muito forte, que ainda hoje perdura.

As minhas duas rubricas neste jornal, durante a “Copa”, irão revelar esse sentimento fraterno. Analisarei a campanha das duas selecções nos artigos de actualidade, reservando para os artigos históricos uma retrospectiva das relações entre os dois países através do “desporto rei”.

Os 23 Portugueses

A convocatória de Portugal foi quase consensual. Os guarda-redes Rui Patrício, Beto e Eduardo foram os escolhidos, tendo a experiência do guarda-redes do Braga “pesado” mais do que a época exuberante do “novato” Anthony Lopes no Lyon.

Os defesas centrais com viagem para “terras de Vera Cruz” são Bruno Alves, Pepe, Ricardo Costa e Neto, o quarteto mais regular na fase de apuramento, eliminando a esperança de Rolando alicerçada numa época com consistência exibicional no Inter de Milão. Nas laterais temos Fábio Coentrão (esquerda), João Pereira (direita) e André Almeida, preferencialmente defesa direito mas com condições para cumprir no outro flanco. Miguel Veloso, se necessário, recuará para a lateral esquerda, posição que intermitentemente ocupou. A única dúvida nesta zona era a inclusão de Cédric Soares que, pela excelente época no Sporting, fez por merecer uma oportunidade. Neste caso, penso que Paulo Bento preferiu chamar um lateral mais seguro e posicional (André Almeida) em detrimento do “leão”, mais ofensivo e próximo das aptidões de João Pereira.

No “miolo” temos William Carvalho e Miguel Veloso como médios defensivos e João Moutinho, Raul Meireles e Rúben Amorim na posição de médio interior. Adrien Silva, do Sporting, pela brilhante época que efectuou, poderia perfeitamente estar entre o grupo. Pessoalmente, não tiraria nenhum destes médios, recomendaria antes a inclusão de menos um avançado que permitisse abrir o merecido espaço para este jovem. Também foi falada a hipótese de Paulo Bento abordar o jogador do Atlético de Madrid, Tiago, com o intuito da revogação da sua renúncia à selecção. Pela qualidade, sem dúvida que este jogador teria lugar mas, para a coesão de grupo, não faria sentido essa apelação. Seria como passar um atestado de incompetência aos que têm representado a selecção com brio e paixão.

O seleccionador optou por convocar um elevado contingente de avançados, oito no total. Três ponta-de-lança, Postiga, Hugo Almeida e Éder e cinco extremos, Cristiano Ronaldo, Nani, Varela, Vieirinha e Rafa, podendo este último jogar na posição 10, se necessário. Com estes seleccionáveis, dá-se o ocaso de Ricardo Quaresma, o “Mustang”, o “Harry Potter” do FCP. Este é mesmo o único ponto de maior discordância que tenho com o seleccionador Paulo Bento. A única explicação que encontro para esta não convocação é que a “sombra” de Quaresma pudesse incomodar a titularidade de Nani e a habitual preponderância de Varela quando entra em campo, vindo do banco. Vieirinha e Rafa, apesar de bons jogadores, nunca poderiam estar os dois neste lote e até Bebé, do Paços de Ferreira, tem mais armas e confiança para alterar um jogo individualmente, num “piscar de olhos.”.

As variações tácticas deverão ser pequenas com Paulo Bento a apostar no sistema habitual, o 4x3x3. O seleccionador tem o 4x2x4 reservado apenas para situações de desvantagem e de avidez pelo golo, juntando um avançado ao habitual trio da frente. Utilizará o 4x4x2, tirando um avançado e colocando mais um médio, em situações de maior aperto e contenção para a equipa nacional.

Os 23 brasileiros

O Brasil sonha ser hexacampeão com Scolari (campeão mundial em 2002) como seleccionador, o “fiel escudeiro” e “companheiro de todas as horas” Murtosa como treinador adjunto, e Carlos Alberto Parreira (campeão mundial como treinador principal no ano de 1994) em funções de director técnico. Um staff escolhido “a dedo”, que já experienciou o título mundial e possui as aptidões e conhecimentos necessários para que o sonho se torne realidade. O passo decisivo para o título começou a ser dado com a substituição do antigo seleccionador, Mano Menezes, indeciso e incapaz na construção de um núcleo duro, a tal “família patriarcal Scolariana”.

A “canarinha” irá actuar no sistema de sempre, o 4x3x3, apresentando um onze tipo com Júlio César na baliza; quarteto defensivo com Daniel Alves na direita, Marcelo na esquerda, David Luiz e Thiago Silva (o capitão), como defesas centrais; Paulinho e Luiz Gustavo no duplo pivot defensivo; Oscar como organizador de jogo; Hulk, Neymar como extremos e Fred como ponta-de-lança.

As alternativas são, para a baliza, Victor (vencedor da última Copa Libertadores da América pelo Atlético Mineiro) e Jefferson (Botafogo). O terceiro central é Dante, mais forte no jogo aéreo mas com menor qualidade no um-para-um e menos confiança na saída de bola na primeira fase de construção desde trás. O quarto central será Henrique do Nápoles, escolha não tão consensual, ganhando o lugar a Miranda (Atlético de Madrid) e Marquinhos (PSG), que na minha óptica são centrais mais evoluídos. Nas laterais, os suplentes Maicon (direito) e Maxwell (esquerdo) são jogadores com características muito próximas dos titulares. Rafinha perdeu com justiça a corrida para o lateral do Roma. O também preterido Filipe Luiz, lateral esquerdo do Atlético de Madrid, é um jogador que não empresta a mesma cadência ofensiva, imprescindível para a consumação do modelo de jogo brasileiro. Para médios defensivos, as duas alternativas são os “luxuosos” Ramires e Fernandinho, que só a menor “rodagem” colectiva lhes “rouba” um lugar no onze inicial. Para substituir o número 10 Oscar, o Brasil tem Willian e Hernanes (Inter), jogadores rápidos em condução, que pressionam alto os defesas adversários e são bons no remate de meia distância, embora sentindo-se desconfortáveis quando obrigados a pegar na “batuta de maestro.”. Como avançados, as alternativas são Bernard (Shakhtar Donestk) como extremo e Jô (Atlético Mineiro) no lugar de ponta de lança, podendo também Willian avançar no terreno.

A chamada de Lucas Moura (PSG) para o lugar de Willian ou Hernanes seria uma boa opção para acrescentar qualidade, repentismo e finalização na posição de médio ofensivo ou na frente de ataque, tendo gerado alguma discordância a sua não convocação. As ausências dos “magos” Kaká, Ronaldinho Gaúcho e Robinho não são tumultuosas. Na convocatória para o próximo Mundial não se vislumbraram, como no passado, ídolos populares surpreendentemente proscritos por Scolari (como Romário em 2002 e Vítor Baía no Euro 2004), que tanta indignação provocou nos adeptos mas que em contrapartida tem como efeito potenciar a união e a confiança do grupo escolhido.

Os 200 milhões de “seleccionadores” brasileiros permitem que a “família Scolari” “navegue em águas calmas”. Desta vez, o Campeonato do Mundo e o futebol não catalisam descontentamentos. A preocupação da população brasileira prende-se com as carências no sistema de saúde e ensino, o elevado preço de transportes públicos, a corrupção e uma desigual e desequilibrada distribuição de riqueza. Uma prova viva de que nem sempre o “circo Romano” aliena a sociedade de questões prementes.

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3 Comments

  1. Maurício Moraes

    06/06/2014 at 15:15

    Parabéns pelo excelente artigo. Quanto ás opções dos treinadores, no caso do Quaresma, talvez tenha sido também por uma questão de balneário, e no caso das ausências do Filipe Luiz, Marquinhos e Miranda, provavelmente por falta de tempo de integração na família Scolari. Abraço

  2. Raquel Moreira

    06/06/2014 at 15:39

    De facto, uma das coisas que o futebol tem de extraordinário, é permitir termos uma dupla nacionalidade afectiva e fazermos parte duma “torcida” inter-nacional.
    Cria-se uma comunhão de alegrias e sofrimentos que contraria as tendências nacionalistas patentes nestas últimas eleições para o Parlamento Europeu.
    Esperemos que o Mundial possa exprimir aquilo que temos de de mais humano.
    Obrigada por mais este artigo.

  3. Pedro Marques Pinto

    06/06/2014 at 19:25

    Um artigo muito bem escrito meu caro David,

    Como sou leigo em matéria de futebol, mais não posso fazer do que concordar com a lista dos jogadores convocados de ambas as selecções que aqui apresentas e analisas. Veremos se o Brasil consegue alcançar o tão desejado hexacampeonato, com o nosso conhecido (amado ou odiado?) Luiz Felipe Scolari a comandar as hostes canarinhas. Quanto a Portugal, ou melhor, à selecção portuguesa (não caiamos no erro de vislumbrar em selecções de futebol a tradução abstracta da ideia de nação, já por natureza complexa), julgo que terá, à partida, elevadas hipóteses de, talvez, chegar aos quartos ou meias-finais. É claro que não disputar a final será sempre frustrante para uma selecção portuguesa de fina qualidade que, no entanto, nunca ganhou nenhum título mundial ou sequer europeu. O teu relato inicial é muito interessante. Torce pelo Brasil, caro David. Creio que não te arrependerás. Os nossos mitos de lusofonia e irmandade atlântica prestam-se precisamente à encenação deste tipo de rituais celebratórios. Não apoio propriamente a selecção portuguesa. Já todos tivemos desilusões suficientes a esse respeito. Mas o lusitano não vive sem sonhar com a sua glória messiânica, travestida de sebastianismo. Quem sabe se a conquista do mundial no Brasil pela selecção camoniana não será o culminar do quinto império cristão previsto por António Vieira nesse século XVII. Ainda bem que o povo brasileiro sabe que outras questões sociais há a resolver, antes da grande orgia futebolística. Dêem-lhes pão e circo, que a turba amolece! Esperemos que assim não seja.

    Um abraço David,
    fico à espera de outros artigos

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