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“O DESPORTO UNIVERSITÁRIO PODERIA SER MAIS UMA ETAPA DE FORMAÇÃO”

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O Centro de Desporto da Universidade do Porto (CDUP) é o órgão responsável por promover a prática desportiva entre os estudantes universitários. Com autonomia administrativa e financeira, e guiado pelo mote “A maior universidade do país, a melhor escolha para fazer desporto”, o CDUP organiza dezenas de atividades para todos os gostos e tem ainda a responsabilidade de representar as cores da UP nas competições nacionais das diversas modalidades. Bruno Almeida, diretor do CDUP há mais de 10 anos, esteve à conversa com o JUP sobre o futuro do desporto universitário.

Como é que vê o Desporto Universitário no futuro, por exemplo a 10, 20 anos? Será que em Portugal algum dia vai haver alguma coisa semelhante – e se é esse o objectivo – ao que se assiste nos EUA, onde o desporto universitário está quase ao nível do desporto profissional?

CDUP: Há dois modelos a nível mundial de Desporto Universitário (DU): um é o modelo anglo-saxónico, o modelo dos EUA, em que, na realidade, o Desporto passa todo pela parte escolar e universitária. Reparem: eles nos EUA não têm clubes. Excepto os das ligas profissionais, não há clubes normais como temos aqui o Boavista ou o FC Porto. O Desporto é feito nas escolas e na Universidade e depois a nível competitivo. Por isso, é que eles têm as ligas universitárias e depois fazem o draft para ir para as ligas profissionais no basquetebol, no basebol, no futebol americano, etc. Portanto, isso é um modelo completamente diferente do nosso modelo europeu, que é muito centrado nos clubes. Se olharmos para a cidade do Porto há para ai 300 clubes, mais de futebol do que de outras coisas. No fundo, este é um modelo que está muito centrado no movimento associativo – não de estudantes – no sentido de associativo desportivo. Nós não podemos ter essa pretensão de ter um modelo à semelhança dos EUA, pois isso implicava uma mudança radical e isso parece-me e impossível, dado que não é essa a nossa cultura. Mas mesmo a nível de visibilidade, a nível de entrosamento, o que me parece que pode acontecer no Desporto Universitário é este caminhar – e esta é a minha perspectiva – para um modelo em que o Desporto Universitário chegue a um momento em que esteja a par ou em parceria com o Desporto . Dou-vos um exemplo claro: o que está a acontecer com o futsal ou com o andebol na Universidade do Minho, que é um bom modelo. Eles têm o ABC que fez uma parceria com a UM, e os jogadores do ABC que são estudantes na Universidade jogam todos na equipa universitária – a UM dá-lhes vantagens numa série de coisas e acompanha-os e dá ao clube ABC também vantagens: utilizam a sala de musculação, as instalações deles, etc. Há aqui realmente uma parceria que é boa para os dois lados, na medida em que se casam interesses Nós deveríamos caminhar para uma coisa deste tipo; poderá não funcionar em todas as modalidades mas noutras poderíamos ser nós o seu principal impulsionador. Aonde é que está centrado, neste momento, a nível nacional do Desporto Universitário, o taekwoondo? É na Universidade do Minho. A Universidade do Minho é muito forte no taekwoondo – ou seja, era muito forte no universitário e depois passou para o federado. A verdade é que nós que estamos no Desporto Universitário  não podemos – e isso foi uma lógica que me parece que foi seguida não apenas no DU mas também no desporto escolar e até no desporto federado – vê-lo com palas, não podemos estar aqui e “é só isto”, tal como o desporto escolar não pode estar sem ver o que se passa à volta no desporto federado. Tem que haver aqui uma linha para todos que case os diferentes interesses. Ora reparem: os árbitros que estiveram agora a apitar nos CNU’s são das diferentes Federações e parece-me bem – não tem de ser a FADU a fazer formação de árbitros. Tem lógica os árbitros virem das Federações e isso faz todo o sentido, como deveria fazer sentido o calendário dos CNUS estar integrado no das Federações, que é para não haver depois conflitos, como no caso do hóquei em patins da AAC – que nós também tivemos: nós ficamos em 2º lugar e perdemos com a FMH por 8-2 e tínhamos dois jogadores nossos na bancada porque à noite tinham jogo no Valongo, que estava a disputar o Campeonato Nacional da 1ª Divisão.

 

Deve haver uma maior sensibilidade por parte das instâncias federativas? 

CDUP: Deveria haver. Deveria haver uma conjugação de calendários entre todos, evitando que haja depois este tipo de conflitos. Eu não posso pedir a nenhum atleta, a nenhum estudante para vir jogar à tarde, cansando-se, e deixar o clube ou ir jogar à noite já exausto. Então os jogadores do Valongo estão em competição para serem campeões nacionais …

 

Essa integração dos CNUs nos calendários federativos traria duas consequências directas que seriam vantagens: por um lado, traria mais credibilidade e visibilidade à prova, dado que parariam os campeonatos, e, por outro lado, traria maior competitividade, pois os melhores jogadores estariam sempre presentes. 

CDUP: Claro. Agora parece-me que nós deveremos no futuro, no Desporto Universitário, ao nível da FADU, das Universidades, das AE, todos em conjunto com os outros subsistemas do sistema desportivo federado, escolar, etc., unir esforços no sentido de nos colocarmos todos a remar para o mesmo lado. Aliás, o que eu defendo mesmo é que nós deveríamos ter um único chapéu. O que se passa neste momento é o seguinte: o Comité Olímpico define as coisas referentes à parte competitiva, depois temos o Instituto Português da Juventude e do Desporto que define outras coisas, a seguir temos o Desporto escolar que também define as coisas deles, depois ainda temos o Desporto Universitário, por fim ainda temos a Confederação do Desporto de Portugal – que reúne as federações todas – e isto acaba por ser uma baralhada! O nosso modelo desportivo em Portugal é que está todo virado do avesso, parece-me a mim. A título de exemplo, o que eu defendo para a modalidade do basquetebol é que quem devia tratar dos CNUs deveria ser a Federação Portuguesa de Basquetebol. Esta definiria a parte competitiva, a parte técnica, de calendarização, etc., ficando a FADU apenas responsável pela organização. E isto vale para Basquetebol como vale para Voleibol, Andebol, etc. E depois, claro, já não chocariam calendarizações com o Desporto Federado. Se isto fosse tudo conjugado – e acreditem que isto não acontece não por falta de vontade da FADU, que muito tem tentado uma aproximação às Federações – tudo seria mais fácil e organizado. Eu fui às Universíadas de Banguecoque, em 2007, como Adjunto-Chefe de Missão, e vocês não imaginam a dificuldade, em 2007 – e agora ainda continua -, que foi para nós reunirmos com as Federações, à excepção da do Atletismo (essa coloca no calendário dela os CNUs, de pista, ao ar livre, etc.). Foi uma dificuldade enorme para conseguir dialogar e iniciar um acordo, algo que não devia acontecer. É que o Desporto Universitário tem realmente duas vertentes: o lazer e a competição. Por vezes, algumas Associações de Estudantes não entendem bem esta diferenciação e às vezes dá problema. Nós aqui na Universidade consideramos que os CNUs são competição, e lá têm de estar as melhores equipas e os melhores atletas. Algumas Associações de Estudantes acham que o que interessa é a malta ir lá jogar, pura e simplesmente. Não pode ser! Aquilo é competição, é a final de um campeonato nacional universitário, que é um campeonato nacional, para todos os efeitos. E a nível internacional também existem estas duas vertentes. É que depois no movimento universitário há dois grandes eventos a nível mundial, que são as Universiadas (de 2 em 2 anos, nos anos ímpares) de verão e de inverno, e das quais constam uma data de modalidades, em que participam apenas os atletas-estudantes de top, e há também os Campeonatos do Mundo (nos anos pares), como nós este ano vamos organizar o Mundial de Vólei de Praia, com o IPP e com a FAP. Nesse tipo de competições, são as Federações das Modalidades, em conjunto com as FADUs dos respectivos países, que fazem a selecção dos atletas-estudantes e encaram as Universiadas e os Campeonatos do Mundo como uma etapa de formação e de preparação – algo que não sucede aqui em Portugal. Ainda em 2007, a equipa de vólei feminino de Cuba, na altura com miúdas todas de 18, 19, 20 anos transformou-se na actual selecção A de Cuba. Como este tipo de evento tem um nível competitivo muito alto e a nível de condições e de instalações é top, os atletas têm todas as condições para crescer e evoluir. Nós agora no Mundial de Vólei de Praia que estamos a preparar, as condições logísticas que temos de dar são idênticas às de uma etapa do World Tour. Mais, a maior parte das equipas que vêm (60 ou 70%) são equipas de topo também. E é esta visão que falta Portugal, em que as Federações têm dificuldade em perceber que o Desporto Universitário poderia ser mais uma etapa de formação. Sejamos claros: excepto o futebol e o atletismo a espaços, nós não temos as nossas equipas em campeonatos do Mundo e em campeonatos da Europa. Tirando Futebol e Hóquei em Patins, agora também futsal e o atletismo pontualmente, no resto o panorama não é animador. Em Andebol, não sei há quantos anos não vamos a um campeonato da europa ou do Mundo; em Basquetebol se formos uma vez já é uma sorte tremenda; em Vólei andamos ai a perder. Ou seja, há aqui uma oportunidade importante de dar experiencia a nível internacional, que é muito importante, a estes atletas e que poderia ser aproveitada ao nível do Desporto Universitário e não é. Lá está: é aqui que eu acho que as Federações deveriam olhar com outra atenção para as potencialidades do Desporto Universitário. Os responsáveis do atletismo já perceberam isso há muitos anos. Por exemplo, o Nelson Évora foi às Universiadas, há uns anos, e foi medalha de ouro.

 

Mesmo Portugal foi campeão do Mundo de futsal e tem agora vários jogadores na Selecção A. 

CDUP: Nós organizamos em 2010, aqui no Porto, o Mundial de Rugby de Sevens. E fomos campeões do mundo nessa altura. Com competição a este nível, há, sem dúvida, a oportunidade de dar experiencia a este pessoal novo ainda – nos campeonatos do Mundo e Universiadas, não podem participar atletas-estudantes com mais de 28 anos. Este tipo de competição entra ali naquela faixa etária dos 18 aos 24 ou 25 anos, para atletas que ainda não estão a entrar nas selecções A, ou estão quase, e já têm um nível muito bom e que pode e dever ser visto como uma boa etapa de formação pelas Federações, permitindo que depois esses atletas dêem o salto para as selecções principais.

 

Um bocadinho nessa lógica, não seria também interessante para os próprios clubes olharem com outro interesse para as competições universitárias?

CDUP: Isso também parte de nós. Neste momento, a malta do Valongo do Hóquei só não jogou mesmo porque tinha um jogo à noite e aí a recuperação seria impossível Mas eles jogaram até ao dia anterior. Ou seja, há também uma boa relação com o clube Valongo: fazemos lá os treinos da equipa da UP eles conhecem-nos, vêm que nós estamos organizados, que temos treinador, fisioterapeuta, que temos treinos, etc. Também parte depois de nós provarmos aos clubes que isto não é uma brincadeira. Essa era a ideia que havia antigamente do Desporto Universitário. Quando eu andava a estudar era assim: a malta juntava-se, ninguém sabia bem a que horas era o jogo, bebiam-se uns copos, enfim, aquilo era uma trapalhada. Mas também já foi há 20 anos. Agora já não é assim: há faltas de comparência, há um regulamento, não podes aparecer lá com umas camisolas meio ordinárias e jogar, como no meu tempo. Tens de credenciar os atletas todos, os atletas têm de fazer exames médicos, etc. Portanto, quando tu consegues chegar aos clubes e mostrar-lhes que há esta organização, há uma predisposição completamente diferente da parte deles de deixar os jogadores deles jogar pelas equipas.

 

Mas tem havido esse propósito por parte do CDUP de chegar cada vez mais perto dos clubes?

CDUP: Claro. Nós nas modalidades em que temos representação, tentamos, ao máximo, – não com todas que não conseguimos, logicamente – falar com os técnicos das outras equipas, inclusivamente até já reunimos com presidentes de clubes Além disso, temos um técnico para cada modalidade e tentamos que esse técnico seja uma pessoa da área e reconhecida dentro dessa modalidade. E a maior parte das vezes são os técnicos que falam com os técnicos das outras equipas e clubes e eles como reconhecem na outra pessoa uma competência, percebem logo que isto não é a brincar. Já há esta percepção por parte dos clubes e este trabalho tem de ser feito por nós também: mostrar-lhes que isto não é uma coisa de ‘eferreá’. Até porque depois temos este problema: quando vamos jogar fora, os atletas, se calhar, não treinam durante a semana no seu clube. No fundo, é um trabalho que tem de ser feito por nós e tem sido feito. Portanto, há uma percepção das pessoas e dos clubes de que as coisas têm mudado. Há intransigências? Há, como é lógico. Há responsáveis que não deixam os atletas deles jogar? Há, mas contra isso pouco podemos fazer. Se conseguirmos provar aos clubes – e é isso que temos feito – que é uma mais-valia também para eles e para os atletas-estudantes, porque depois têm estatuto e ficam com a vida mais facilitada ao nível da Universidade, então o caminho será mais fácil.

 

Falamos já muito da evolução do Desporto Universitário. Até que ponto é que ela tem sido condicionada por estes últimos cortes e por toda esta conjuntura de austeridade? O que é que o CDUP e as actividades que este desenvolve tem sofrido com isso?

CDUP: Nós tivemos cortes, como todos os outros logicamente. Este ano, e por consequência – só mesmo por consequência – de ter sido formado este Centro de Desporto e porque estávamos a gerir uma instalação e passamos a gerir quatro, tivemos um reforço no nosso orçamento, ou seja, aumentaram-no. Mas mesmo assim é muito apertado. Temos de fazer uma gestão equilibrada desta área do Desporto: temos que ter fundos próprios forçosamente, e esses provem dos alugueres das nossas instalações e da prática de lazer (de ginásio, etc.), que têm preços muito baixos, é certo, mas que, ainda assim, nos permitem cobrir o custo que a actividade tem. O que nós não podemos é desequilibrar isto, ou seja, nós, na parte de lazer, temos de ter ‘incomes’, tem de haver receita.

 

E há?

CDUP: E há. Até porque depois na parte de competição não temos receitas nenhumas, é só sair. Temos défice, como é lógico, e a Universidade comparticipa com uma parte importante deste bolo geral. Agora, um dos objectivos deste Centro de Desporto – e eu estou a terminar o Plano Estratégico para este Centro a 10 anos – não é nós sermos financeiramente auto-sustentáveis, não é isso. Mas é, sim, obter receitas próprias por diversas coisas, seja por alugueres, seja por eventos, seja por alugueres de espaços que não sejam só de Desporto. Por exemplo, agora em Junho, pediram-nos para alugar o Estádio para realizar uma corrida e nós aceitamos – este tipo de eventos, que significam encaixe financeiro, temos que ter, porque senão não conseguimos aguentar a vertente da competição.

 

Quais são as perspectivas ao nível da sustentabilidade deste Centro?

CDUP: Não estamos a falar de sustentabilidade total mas o objectivo é que este Centro, e toda a sua actividade, seja financeiramente estável. Ou seja, nós não podemos estar sempre à espera da Universidade e que esta continue a injectar e a injectar dinheiro.

A restante entrevista pode ser lida na versão impressa do JUP.

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