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Desporto

ENSAIO SOBRE OS “INDIGNOS”

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David Guimarães

David Guimarães

“Ao nível do futebol sénior este fim-de-semana jamais poderá ser esquecido. Quer a equipa principal quer a equipa B brindaram os sportinguistas com péssimas exibições que não dignificaram o nosso Clube e a nossa camisola. Não demonstraram garra nem vontade de vencer e isso é lamentável só nos restando pedir desculpa por não termos sido dignos do Clube que representamos.”.

Estas declarações foram proferidas pelo presidente do Sporting, após um fim-de-semana desastroso das suas equipas seniores. Os verdes e brancos perderam por 3-0 em Guimarães frente ao Vitória local e a equipa B homónima, foi derrotada por 5-0 frente ao Atlético, na Tapadinha. Que esta jornada negra não deva ser esquecida, que as exibições não foram dignificantes para um clube com o historial do Sporting subscrevo por inteiro, embora as considerações de que os representantes verdes e brancos não demonstraram nem garra, nem vontade de vencer, julgo ser uma conclusão que carece de uma prova cabal. Apesar de Bruno de Carvalho se incluir nesta desanca dizendo “não termos sido dignos”, não está a falar apenas em nome próprio, remetendo também para dois grupos de trabalho numerosos e extensos.

O presidente do Sporting entrou recentemente no mundo do futebol profissional, tendo responsabilidades directivas há dois anos e meio apenas. Devo dizer que o organigrama que empreendeu para a estrutura de futebol leonina foi pensado com sentido. Uma estrutura forte e consolidada, com um presidente monopolizador ao nível da comunicação e também incontestável na tomada de decisões. Um director desportivo muito competente (Augusto Inácio), que une o gabinete presidencial ao treinador e jogadores. Isto é a célebre estrutura, uma palavra mergulhada no obscurantismo durante tantos anos no futebol português, por via da “péssima fama” do Futebol Clube do Porto. Bruno de Carvalho decalcou esse modelo portista, implantando-o com sucesso em Alvalade. Replicar o que tem sucesso é sinal de inteligência, e neste aspecto, Bruno de Carvalho foi arguto.

Noutros aspectos porém, o presidente do Sporting está a inovar, empreendendo um tipo de comunicação inédito em Portugal, para dentro e para fora da Alvaláxia. Temos escutado um discurso “escatologicamente esculpido”, cimentado em impropérios e obscenidades, suportado por uma moldura excrementosa. A “elegante oratória” deste presidente ficou bem patente quando comparou Porto e Benfica a duas “nádegas” que libertavam “ventos malcheirosos”. Com esta retórica abominável, vemos que Bruno de Carvalho pretende renegar a “costela visconde” e seduzir o descontente povo sportinguista. Este presidente incorpora a estética de “feios, porcos e maus” de Ettore Scola e utiliza comportamentos e linguagem desprezível, pactuando com a realidade de embrutecimento de massas que grassa, para nossa desgraça, no Portugal dos nossos dias. Desrespeita assim a sua herança histórica de elevação social e digna convivência desportiva, desqualificando também as pessoas comuns, olhadas como “manadas incautas de existência boçal”.

Este comportamento patético, quando feito para fora, não incomoda os seus associados, mas, infelizmente para o Sporting, a “imponderação bestial” do seu presidente já deu “coices” dentro de portas. Numa atitude de entidade omnipotente e omnisciente, o presidente leonino afirmou que os jogadores não quiserem vencer nem foram dignos de representarem a instituição. Nani, por exemplo, deve ter ficado radiante, pois acabou o jogo junto do seu fisioterapeuta em sofrimento. Pensemos no posicionamento de Marco Silva durante a semana. Se adoptasse uma abordagem mais dura, iria ser conotado com a opinião presidencial, se tentasse uma postura mais benevolente, estaria desconexo com o estado de alma do líder. Terá sido difícil para o treinador passar uma mensagem independente, arranjando espaço para a sua opinião.

Esta pose de adepto descontrolado, irascível e incessantemente acintoso é inédita e paradigmática no futebol português. A sua axiologia tétrica colocou em causa a índole dos jogadores. Essa chicotada na honra permitiu uma resposta excepcional contra os alemães do Schalke 04. Quando nos agridem a resposta é repentista, certeira e vigorosa. A longo prazo, este golpe de Bruno de Carvalho não terá sido um erro grave? Depois da resposta pronta, o agredido é “assaltado” com o ressentimento, a descrença, a descredibilização e o desapego. Como estarão agora os afectos dos jogadores pelo seu presidente? Algo irá mudar a partir deste acontecimento. Ou o que o presidente diz perde relevância no grupo, para assim haver tranquilidade no quotidiano laboral, ou passa a ser o déspota do balneário, ganhando assim um poder exponencial.

Bruno de Carvalho é de facto um actor na estupidificação social, é um agente activo no espartilhar de fronteiras entre público/privado (compreenda-se assim o indigno exemplo da casa dos segredos), que se tornam, em muitos contextos, completamente inexistentes. Não bastaria ao presidente do Sporting uma chamada de atenção privada aos jogadores, que mesmo excessiva ou injusta, não extravasasse as fronteiras do privado. A desqualificação privativa magoa, a crucificação pública pode ser insuportável. Este “espectáculo/fogueira” que Bruno de Carvalho montou em torno dos seus jogadores, numa atitude de semi Deus despótico, poderá fazer desaparecer o estado de graça no “paraíso do leão”. Este presidente corre o risco de ser contestado por algum “apostata desconte” que tente ilidir o seu códice divino, tornando Bruno de Carvalho, não uma imaterialidade incontestável, mas um “anátema indigno”.

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5 Comments

5 Comments

  1. Rui Sousa Pinto

    10/11/2014 at 15:49

    Caro David,

    Uma interessante crónica, como sempre.
    Um ou dois reparos, no entanto:
    – O texto tem, na minha opinião, muitos textos entre aspas os quais se justificam quando se trata de transcrições de afirmações de terceiros, mas que penso que devem ser minimizados para uma leitura mais fluida;
    – O texto tem duas gralhas no último parágrafo que, dentro do possível, devem ser evitadas: falta um ponto de interrogação na 5ª linha e substituir “apóstata desconte” por “apóstata descontente”.

    Abraço

  2. David Guimarães

    10/11/2014 at 23:54

    Caro Rui Sousa Pinto,
    Muito obrigado pelo apreço e pela leitura muito atenta! Tem toda a razão nos reparos que faz e vou tomar em consideração. Iria jurar que mudei o “desconte”, para descontente mas pelos vistos… Tenho muito gosto em que me continue a acompanhar!
    Um forte abraço!

  3. Carlos Martins

    13/11/2014 at 16:50

    Amigo David, mais um excelente artigo. O Presidente do Sporting demonstrou ingratidão nas críticas que fez em público aos seus jogadores. Tem por isso muito a aprender em matéria de liderança e gestão de equipas de trabalho.
    Eu continuo a achar que os elogios dos dirigentes devem ser feitos em público, enquanto que as críticas devem ser feitas em privado.

    Um abraço

  4. David Guimarães

    13/11/2014 at 18:01

    Obrigado Carlos!
    Tens razão, o presidente do Sporting tem muito a aprender. Mas, sinceramente, julgo que ele manterá sempre a mesma postura agressiva e descuidada que temos visto… Concordo com a tua afirmação, é sempre arriscado criticar em público. As críticas até podem ser justas, mas nenhum jogador gosta de ser exposto tão evidentemente. Agora, mais gravoso do que as considerações sobre a exibição, é o facto de o presidente ter posto em causa a dignidade dos atletas, isso sim é gravíssimo. Ninguém é indigno por errar ou ter uma má prestação em campo.
    Um abraço!

  5. Pedro Marques Pinto

    17/11/2014 at 00:05

    Bruno de Carvalho é uma espécie de Marinho e Pinto do futebol no que respeita ao discurso aberrante e saloio que personifica e irradia. Cada vez que esse senhor fala, o universo futebolístico pode esperar um insulto, uma imprecação, uma metáfora de contornos inconvenientes, diria eu, quase ofensivos e de mau gosto. Como bem dizes, Bruno de Carvalho, para além de desprezar Porto e Benfica, ignora igualmente o passado histórico do Sporting, a natureza aristocrática da sua massa adepta, produzindo uma retórica bacoca e sem sensibilidade alguma para com os outros clubes da liga portuguesa. Bruno de Carvalho encontra-se algures entre a figura imaculada de um presidente e a boçalidade popular de um déspota, de um demagogo, que desvaloriza completamente o diálogo e harmonia institucional.

    Um abraço cronista David

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