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Editorial

A noite eleitoral em que (quase) tudo foi absoluto

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As eleições legislativas deste domingo prometiam ser renhidas em três frentes distintas: na luta pela vitória, no confronto pelo terceiro lugar e na cauda da corrida. No entanto, o eleitorado português fintou as previsões, as adivinhações e as certezas e fez conhecer, logo às primeiras projeções, o que quis para os próximos quatro anos.

A vitória esmagadora do Partido Socialista permite tirar várias conclusões: em primeiro lugar, o eleitorado de esquerda – fartos de instabilidade e/ou com medo da vitória da direita – optou primordialmente pelo voto útil. Esta mobilização de votos para o PS, acabou por explicar a derrota abismal do Bloco de Esquerda e da CDU, apontados como os principais culpados pelo chumbo do Orçamento do Estado de 2022. Em segundo lugar, quem anunciava o cansaço do PS como a sua ruína desenganou-se: não só o povo português renovou a confiança no governo, como a reforçou ao ponto de se ter construído uma maioria socialista na assembleia. Em último, ficou esclarecido que, das duas uma: ou o fantasma da maioria absoluta de José Sócrates já não assombra o país, ou o medo da instabilidade é maior do que o medo de contar 116 deputados da mesma cor.

Ainda sobre vencedores: o Chega e a Iniciativa Liberal. Se à esquerda o voto útil foi a preocupação, a situação à direita foi diferente. A classificação do PSD enquanto partido de centro-direita alienou o eleitorado mais cansado do socialismo e as suas escolhas refletiram-no. O Iniciativa Liberal superou as sondagens e conseguiu juntar 7 deputados a João Cotrim Figueiredo. Um salto impressionante para o período de 2 anos volvidos desde a sua entrada na assembleia.

Já a vitória do Chega e a sua cimentação enquanto terceira força política não surpreendem particularmente, mas levantam uma questão importante: até que ponto é que o aumento da representação do CH na Assembleia será positivo para o próprio partido. Enquanto era apenas André Ventura, um orador exímio por natureza, a assegurar a presença do partido, até a mais polémica das posições podia ser meticulosamente transformada de forma a aproximar os eleitores. Com mais 10 deputados, resta esperar e ver até que ponto isto continuará a verificar-se.

O último vencedor, em mais pequena escala é Rui Tavares, eleito pelo círculo eleitoral de Lisboa pelo Livre. A presença forte nos debates e a campanha irrepreensível presenteou ao Livre a manutenção do lugar na Assembleia, quase perdido à conta do caso traumático de Joacine Katar Moreira.

Quanto aos derrotados: o PSD foi obliterado pelo PS numa puxada de tapete monumental. Depois de uma vitória do partido na Câmara de Lisboa e de Rio frente a Paulo Rangel nas Diretas, os sociaisdemocratas pareciam respirar uma nova vida capaz de defrontar António Costa. Não aconteceu.

A queda catastrófica do BE e da CDU serve para obrigar os dois ex-parceiros de geringonça do governo a organizar as suas estratégias quer internamente, quer externamente. De forma semelhante, também o PAN tem de se reorganizar depois de perder quase todos os deputados (à exceção da sua líder). Se a estratégia de não excluir acordos à esquerda e direita parecia infalível e madura, não convenceu os eleitores.

Quanto ao CDS, pouco há que dizer que o resultado catastrófico nas urnas não tenha dito por si. Com a queda desastrosa para fora da Assembleia, percebe-se que a crise interna do histórico partido foi ainda mais corrosiva do que se anunciava nos últimos meses. Sem representação parlamentar torna-se cada vez mais nítida a iminência de uma possível extinção do histórico partido.

É impossível, ainda, não referir a diminuição da abstenção em comparação com os últimos anos, como um dos pontos positivos destas eleições. No entanto, vários problemas registados por cidadãos estrangeiros ao tentarem votar, revelam que a capacidade de participar ativamente na democracia ainda não chega de forma igualitária a todos os portugueses. Inadmissível.

Os próximos quatro anos serão de estabilidade absoluta. Se esta estabilidade se repercutirá em estagnação, ou pior, só o tempo o dirá.