Educação
Tiago Campante: “Temos de traçar o nosso próprio caminho”
Numa conversa informal, o JUP entrevistou Tiago Campante, no Centro de Astrofísica da Universidade do Porto (CAUP), o polo principal do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço. A astronomia e a astrofísica fazem parte de um sonho de menino, hoje de 37 anos, que acredita na cooperação e persistência para alcançar o sucesso que lhe foi, recentemente, reconhecido com a atribuição da bolsa individual “Marie Sklodowska-Curie”.
JUP: O mundo das estrelas, aquele que nos parece tão longínquo e inacessível, sempre foi a sua grande paixão?
Tiago Campante (TC): Sim, acho que não se começa um curso de Astronomia e Astrofísica por acaso. Sempre foi uma das minhas paixões, que me foi incutida por pessoas na família, algumas delas trabalharam na área das ciências exatas. Curiosamente, na altura em que tive de decidir, para entrar na faculdade, não optei por astronomia, fui para engenharia. E com o decorrer dos anos reparei que não estava satisfeito. Foi nessa altura que decidi mudar para astronomia, porque essa era a minha paixão já desde infância. No final do curso, uma pessoa não tem muitas alternativas, talvez duas, ou investigação ou divulgação. Mas a divulgação teria de ser aqui em Portugal e, portanto, o público-alvo não é tão abrangente. A investigação abre as portas lá para fora e eu acabei por fazer isso mesmo durante muitos anos.
JUP: Mas porque motivo não optou pela Astronomia e Astrofísica logo à partida?
TC: Eu acho que a razão se prendia com o facto de não ser completamente claro se havia uma saída profissional objetiva. E, quando percebi que havia, não tive medo de tomar essa decisão. E, efetivamente, há. É um mundo muito interessante e competitivo. Além disso, é um meio pequeno em Portugal, portanto as colaborações internacionais são fundamentais. Uma pessoa para fazer astrofísica e astronomia acaba sempre por ter de passar um período lá fora.
JUP: Acha que existe possibilidade de desenvolvimento da investigação nesta área, em Portugal?
TC: Sim, sem dúvida. É uma área com um índice de produtividade, em termos de publicações cientificas, muito acima da média, comparado com outras áreas de investigação em Portugal. Dá um contributo muito forte à ciência no nosso país, embora seja uma área relativamente pequena e jovem, duas décadas de atividade mais intensa. Eu acho que o desenvolvimento tem sido exponencial, mesmo com contrariedades.
“Uma pessoa tem de estar sempre no topo, sempre a dar o seu melhor. É isso que se espera de um cientista”
A carreira de um cientista é uma carreira ainda precária, porque uma pessoa vive de contrato em contrato. Agora a Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) lançou uma nova vaga de contratos de seis anos, mas para uma pessoa que quer fazer disto carreira e que tem família, por exemplo, a situação não é a ideal, temos de viver em períodos de seis anos e preparar já o próximo período e isto leva muitos cientistas ao desespero. Uma pessoa tem de estar sempre no topo, sempre a dar o melhor, não se pode acomodar, e é isso que se espera de um cientista. Mas também se desejaria um pouco mais de estabilidade. Mentalmente é muito cansativo, porque exige muito de uma pessoa, a toda a hora. Esta é a grande critica ao trabalho cientifico em Portugal, que realmente tem essa componente da precaridade. Mas, apesar dessas contrariedades, eu acho que esta área tem vivido um crescimento muito grande.
JUP: E porque é que tomou a decisão de ir para fora de Portugal?
TC: Na altura em que acabei a licenciatura, surgiu a oportunidade de fazer um doutoramento misto entre a Universidade do Porto e a Universidade de Aarhus na Dinamarca, onde passei a maior parte do tempo, embora o doutoramento fosse misto, tal como referi. Aprendi muito e fiz ligações profissionais que ainda hoje mantenho. No final, não voltei a Portugal. Ainda fiz um pós-doutoramento na Universidade de Birmingham no Reino Unido, passei lá cinco anos. De seguida, passei uns meses na Universidade de Göttingen na Alemanha e, entretanto, surgiu uma oportunidade para voltar para Portugal. Regressei em setembro passado. Sou agora professor auxiliar convidado na Faculdade de Ciências. Gosto muito de ensinar e se me dessem mais oportunidades, mais ensinaria. Certamente, muitas pessoas diriam o mesmo. Mas a maior parte do meu tempo é passado a fazer investigação aqui no Centro de Astrofísica da Universidade do Porto. O meu plano agora é continuar por cá.
“Essa cultura da cooperação transparente foi algo que eu adquiri lá fora e que me parece a forma correta de fazer as coisas.”
JUP: O que é que acha que essas experiências lhe trouxeram a nível profissional e pessoal?
TC: Tudo. Foi lá fora que cresci como cientista e foi muito importante perceber como diferentes culturas lidam com o conhecimento cientifico. Aliás, a própria interação dos cientistas é muito diferente de uma cultura de Sul da Europa, anglo-saxónica, para a cultura do Norte da Europa. Aqui, no centro de astrofísica, acho que a cultura é muito interessante, porque a maior parte dos investigadores que aqui estão, mais velhos do que eu, também passaram lá por fora e voltaram com esse tipo de cultura para cá. Mas, em Portugal, há uma cultura forte e enraizada do individualismo. Uma pessoa não consegue fazer ciência isolada ou com um pequeno grupo, porque há técnicas que não domina. E, portanto, essa cultura da cooperação transparente foi algo que eu adquiri lá fora e que me parece a forma correta de fazer as coisas.
JUP: Relativamente ao trabalho que está a desenvolver na NASA e na Agência Espacial Europeia, o que faz ao certo, qual é o seu papel?
TC: Estou neste momento envolvido em dois grandes projetos. Um dos projetos é um satélite da NASA, chamado Transiting Exoplanet Survey Satellite (TESS), que será lançado em abril. Vai fazer um levantamento de todo o céu, ou seja, olha para todo o céu e em cada porção do céu não passa mais do que alguns meses, tipicamente 1 ou 2 meses. Tem como objetivo procurar planetas em torno das estrelas mais brilhantes. A missão tem duração de dois anos e envolve muita gente, núcleos em todo o mundo que colaboram com os americanos. O outro grande projeto é o PLATO, um satélite da Agência Espacial Europeia, que se prevê que irá ser lançado em 2026. A estratégia é ligeiramente diferente do TESS, o PLATO vai olhar, em princípio, para apenas duas porções do céu, mas para cada uma dessas porções, vai ficar a olhar durante 2 ou 3 anos. Portanto, a estratégia não é de levantamento, mas é de ter um estudo mais detalhado dessas duas porções do céu. Apesar do PLATO só ser lançado daqui a oito anos, todo o trabalho de preparação já começou, porque, assim que o PLATO começar a fazer observações, estas têm de ser processadas e analisadas automaticamente para começarmos a fazer ciência de imediato.
JUP: Relativamente à bolsa que recebeu, recentemente, o que sentiu quando soube que tinha ganho?
TC: Euforia (risos), seguida de ansiedade e depois uma estabilização. Um misto de emoções. É uma bolsa de enorme prestigio, mas que também implica muito trabalho. As bolsas Marie Curie têm uma duração de um a dois anos. No meu caso, tem a duração de dois. É um projeto ambicioso, mas tem de ser levado a cabo nesse período e, portanto, exige bastante. É um marco muito importante na carreira de qualquer cientista. Estamos a falar de dinheiro da Comissão Europeia, portanto é um marco que distingue, é diferente de conseguir uma bolsa nacional. A competição é muito elevada e a taxa de sucesso ronda, tipicamente, os 10%/15%. A primeira vez que tentei, com o mesmo projeto, recebi uma boa nota e feedback útil, aproveitei-o, melhorei e correu bem.
“Este estudo vem também olhar para o futuro do nosso sistema solar.”
O projeto está muito bem definido, tem a ver com o uso de dados do satélite TESS para detetar e caraterizar planetas gigantes, noutros sistemas solares, em torno de estrelas gigantes vermelhas. Uma estrela gigante vermelha não é mais do que uma estrela evoluída, mais evoluída do que o sol. Explicando, o sol vai-se transformar numa estrela gigante vermelha, daqui a quatro ou cinco mil milhões de anos. O sol é uma estrela adulta, uma gigante é uma estrela sénior, digamos assim. Há medida que uma estrela se expande e se transforma numa gigante vermelha, isso vai impactar os sistemas planetários em seu redor. Os planetas podem ser engolidos pela estrela ou podem ser injetados no próprio sistema estelar, ainda não é sabido com grande exatidão o que acontece a esses sistemas planetários, se são tão frequentes ou não. Este estudo vem tentar responder a isso, qual a frequência de sistemas planetários em torno de estrelas evoluídas, ou seja, no fundo, também olhar para o futuro do nosso sistema solar. É um projeto interessante.
“Para fazer investigação é preciso curiosidade, pensar de uma maneira diferente. Temos de traçar o nosso próprio caminho”
JUP: O que diria aos jovens futuros investigadores?
TC: A investigação é uma vida de dedicação. Fazer investigação não é o mesmo que concluir uma licenciatura. Aliás, os melhores alunos no final de uma licenciatura não são necessariamente os melhores investigadores. Haverá alguma correlação, acredito que sim, mas não necessariamente, porque para fazer investigação é preciso curiosidade, pensar de uma maneira diferente, não temos manuais académicos para seguir. Antes de tomar a decisão de ser investigador, tem de se pensar se temos essas capacidades. Além disso, temos de estar prontos para frustrações, porque às vezes passa-se um ano ou dois a trabalhar num determinado projeto que se espera um determinado resultado, mas as observações dizem-nos algo totalmente diferente. O que também pode levar a momentos surpreendentes e de euforia. Na investigação temos de traçar o nosso próprio caminho, estamos a falar de coisas novas. Por isso é que considero muito diferente da conclusão de uma licenciatura. Trata-se de lidar com um mundo desconhecido. Relativamente à bolsa, as pessoas não devem desanimar. É natural que numa bolsa tão competitiva não se consiga à primeira. O truque está em saber digerir isso, pegar no feedback, espera-se que construtivo, e tentar melhorar. Foi o que eu fiz e correu bem.