Educação
Ana Gabriela Cabilhas: “Os erros identificados com a experiência no ano anterior não podem ser repetidos”
Em Dezembro de 2020, Ana Gabriela Cabilhas, passou a liderar a Federação Académica do Porto (FAP). A presidente elege o “emprego digno e de qualidade” e a “inovação pedagógica” como as principais bandeiras do atual mandato.
No último ano, o ensino superior foi marcado pela pandemia do novo coronavírus que colocou, por duas vezes, os estudantes em ensino online. A presidente da FAP defende que esta transição tem de ter o menor impacto possível na comunidade estudantil, salvaguardando a qualidade da educação no ensino superior.
No arranque do segundo semestre são várias as dúvidas que pairam no pensamento dos estudantes em relação ao futuro. Até ao final do ano letivo muita coisa pode mudar, mas já há uma certeza: a Queima das Fitas só regressa em 2022.
Em entrevista ao JUP, Ana Gabriela Cabilhas garante que a segurança dos estudantes é a prioridade da FAP que trabalha numa lógica em que mais do que apresentar problemas, apresenta soluções.
O país vive desde Janeiro o segundo confinamento generalizado no espaço de um ano. Considerando o expectável progressivo levantamento das normativas restritivas, de que maneira está o ensino superior e o movimento associativo enquadrado neste cenário?
Quando regressámos ao regime online, no final de Janeiro, a FAP alertou para a necessidade de antecipar diferentes cenários em função da evolução da situação epidemiológica do país. A capacidade de antecipação é crucial para reduzir o clima de instabilidade que se vive no ensino superior e os estudantes precisam dessa segurança.
As atividades letivas consideradas essenciais em regime presencial, por exemplo, em áreas como artes plásticas, design, em atividades e estágios clínicos e em aulas práticas e laboratoriais, devem ser consideradas prioritárias para o processo de desconfinamento. E para isto devem ser reforçados os procedimentos necessários à mitigação do risco de contágio da covid-19 nas Instituições de Ensino Superior (IES). Mas a modalidade de ensino misto deverá prolongar-se até ao final do ano letivo, por isso, temos de garantir uma experiência de ensino e de aprendizagem em regime online com qualidade, assegurando maior coordenação entre docentes do mesmo ciclo de estudos para evitar a simultaneidade de elevadas cargas de trabalho em diferentes unidades curriculares, adequar as metodologias de ensino, desde logo com mais inovação pedagógica. A FAP tem reclamado mais inovação pedagógica, queremos que esta seja uma oportunidade para progredirmos e construirmos um caminho de futuro. Não queremos que seja uma oportunidade perdida, voltando ao que sempre foi feito, ao convencional. Precisamos de mais formação pedagógica do corpo docente e de partilhar boas práticas pedagógicas entre instituições.
Neste momento preocupa-nos especialmente a avaliação. É preciso antecipar esta questão e aprender com as experiências anteriores. É injusto generalizar a fraude académica. Quando realizadas à distância, as avaliações precisam de ser adaptadas e em moldes diferentes das avaliações presenciais, decorrendo de forma justa e segura para todos.
A FAP tem desde o início alertado para a necessidade de reforço dos mecanismos de ação social, a situação de vulnerabilidade e de carência socioeconómica dos estudantes mantém-se. A necessidade de apoio para a aquisição de meios digitais e de reforço dos serviços de apoio psicológico também se mantém.
Qual a posição da FAP em relação ao atual plano de vacinação? De que maneira está prevista a inclusão do ensino superior neste plano?
Os estudantes da área da saúde, em ensino clínico e em estágios clínicos, de acordo com o grau de exposição ao risco, devem ter acesso à vacina contra a covid-19. Temos estudantes em ambientes clínicos nas mais diversas áreas, medicina, enfermagem, medicina dentária, ciências da nutrição, ciências farmacêuticas, daí o pedido de equiparação destes estudantes aos profissionais de saúde, para efeitos de vacinação.
“É preciso assegurar que esta transição [dos modelos de ensino] tem o menor impacto na vida académica de um estudante”
O governo deliberou autonomia às IES na gestão das épocas avaliativas e respectivo cronograma letivo. De uma forma geral, qual é a opinião da FAP relativamente às diferentes posições adotadas pelas IES da Academia do Porto?
Apesar da autonomia, o governo tem a função de regular e por isso consideramos que as recomendações devem ser mais assertivas, até porque agora assistimos a uma grande panóplia de regimes de avaliação, quer no Porto, mas também em comparação com outras academias do país. No nosso entender, aquilo que deve ser o contributo do ensino superior para a pandemia que atravessámos, é que de facto podemos regressar ao modelo não presencial e que de forma progressiva seja adotado o modelo misto. É claro que no regime online temos de considerar o que deve ser a regra e o que deve ser a exceção. Por regra, nós, devemos dar o nosso contributo para a gestão desta pandemia, e o ensino superior também tem de estar enquadrado neste esforço conjunto que o país está a fazer, no entanto é preciso assegurar que esta transição tem o menor impacto na vida académica de um estudante.
De que forma tem decorrido a colaboração entre a FAP, as Instituições do Ensino Superior IES e o governo no combate ao impacto da covid-19 no meio académico?
Temos realizado um diagnóstico da realidade através de um processo de auscultação dos estudantes e de uma articulação com as associações de estudantes, que permite identificar e transmitir as necessidades para que seja possível prestar o apoio necessário aos estudantes em tempo útil. A FAP lançou uma plataforma de apoio, onde os estudantes podem reportar os principais problemas, e depois encaminhamos para as instituições de ensino ou para outras organizações, dependendo da situação. O que queremos é estar próximo dos estudantes neste momento difícil. A nossa causa são os estudantes, e neste processo de articulação e colaboração os estudantes estão sempre na base de todo o nosso trabalho. Enviámos à tutela e às instituições um conjunto de propostas para nortear o 2º semestre no ensino superior e alertámos para o clima de incerteza e de instabilidade que se fez sentir com as recomendações emitidas no passado dia 21 de Janeiro. Os desafios e as dificuldades que a pandemia trouxe para a comunidade académica tem de ser ouvidos e é por isso que temos mantido uma postura ativa, atenta e séria. Os erros identificados com a experiência no ano anterior não podem ser repetidos novamente.
“Se no ano passado houve uma fase de reacção, é expectado que agora já tenha havido tempo de adaptação, de aprendizagem e reflexão entre os docentes com os órgãos de gestão das instituições e que pelos menos um modelo mais aprimorado possa continuar a garantir a qualidade da educação no ensino superior”
Com base nos acontecimentos do último ano, de que modo considera que as IES e o associativismo estudantil se prepararam para um eventual cenário, como o vivido atualmente?
Fazendo um balanço das medidas adotadas em Março [de 2020], as instituições foram forçadas a reinventar o seu modelo, e quanto a isso existiram experiências positivas e negativas. As experiências positivas devem servir de inspiração, mas as negativas não podem minar a confiança no modelo que considero desejado para o futuro do ensino superior e que corresponde às exigências de um estudante no século XXI. Nós percebemos pelo momento de reacção aos modelos de avaliação que nem todas as instituições estavam preparadas.
Naquilo que é o trabalho do movimento associativo estudantil, trabalhamos numa lógica em que mais do que apresentar problemas, apresentamos soluções, e acima de tudo estamos numa fase pertinente para apresentarmos um conjunto de propostas que permitam minimizar este sentimento de incerteza. Cabe ao movimento associativo questionar e propor soluções, que acabam por ficar ao critério da receptividade das instituições, a FAP tem trabalho em conjunto com as associações federadas que têm uma proximidade muito grande no terreno e aos estudantes face à sua estrutura. Não podemos correr o risco de determinados cenários que ocorreram no ano letivo anterior se voltem a repetir, e, portanto, se no ano passado houve uma fase de reacção, é expectado que agora já tenha havido tempo de adaptação, de aprendizagem e reflexão entre os docentes com os órgãos de gestão das instituições e que pelos menos um modelo mais aprimorado possa continuar a garantir a qualidade da educação no ensino superior.
“Portanto, ministrar uma aula através de uma plataforma nos mesmos moldes que é ministrada presencialmente não reflecte inovação pedagógica, e é nesse erro que não podemos cair. É esse potencial que deve ser explorado através da formação pedagógica dos docentes”
Quais são os planos adotados e perspectivados pela FAP de forma a garantir a segurança de todos os estudantes ao mesmo tempo que se prioriza a valorização da educação?
Estamos perante uma grande oportunidade de evoluir naquilo que podem ser os modelos de aprendizagem do futuro, mas para isso importa questionar o que correu bem e correu mal, por exemplo desde logo se fossem disponibilizados serviços de apoio educativo e apoio tecnológico aos docentes. A formação contínua permite melhorar as competências pedagógicas, mas também a utilização de ferramentas digitais por parte dos docentes. Isto é um exemplo que nós temos vindo a insistir, porque transitámos de uma sala de aula para trás de uma câmara, mas não mudámos de paradigma. Portanto, ministrar uma aula através de uma plataforma nos mesmos moldes que é ministrada presencialmente não reflecte inovação pedagógica, e é nesse erro que não podemos cair. É esse potencial que deve ser explorado através da formação pedagógica dos docentes. Isto permite através do regime online manter a segurança dos estudantes e ao mesmo tempo continuar a valorizar a educação.
Face à pandemia da covid-19, foi prometido o acesso facilitado, aos estudantes, a alojamentos locais, pousadas da juventude, e unidades hoteleiras. Considerando que o alojamento continua a ser uma problemática no meio académico, qual é a posição da FAP em relação a esta matéria?
No âmbito da discussão pública do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), a FAP reforçou a necessidade de assegurar que o Plano Nacional para o Alojamento no Ensino Superior, cujo progresso na execução tem ficado aquém das expectativas, beneficie das subvenções comunitárias, para que seja cumprido o objetivo de aumentar a capacidade de alojamento em 15.000 camas. Embora muitos estudantes não estejam agora no Porto, este problema continua a existir e acabou por ficar mascarado. No pós-pandemia esta problemática continuará a ser evidente e não me admirava de ver preços de quartos novamente a rondar entre os 300 e 400 euros. A FAP tem de continuar a trazer este assunto para a agenda política, não só pelos custos das rendas e quartos, mas também pelas condições das habitações. A FAP tem sido pioneira na apresentação de soluções. Temos como exemplo o bairro académico, um projecto ao qual precisamos de imprimir a maior velocidade neste momento e passar para lá do planeamento.
“Existe uma quebra no encaixe financeiro das associações, e se há um reconhecimento público do papel das mesmas, seria benéfico que esse reconhecimento tivesse uma aplicabilidade prática para que as associações não entrassem numa situação de subfinanciamento crónico”
Existiram alterações nos regulamentos de candidatura e atribuição de apoio relativamente aos programas de apoio ao associativismo juvenil. Qual é a opinião da FAP enquanto representantes de 27 associações nelas federadas?
Nós já nos posicionamos relativamente a isso e a FAP reuniu com o secretário de Estado da Juventude e do Desporto no âmbito desta alteração, e fruto do que já tem sido o papel assumido pela FAP, consideramos que as federações não deveriam ter acesso a este tipo de apoios. As federações representam interesses comuns das associações, e se as associações de estudantes já são individualmente beneficiárias desse apoio, as federações não devem aceder a esse mesmo apoio. O modelo de financiamento das federações ou assenta na autossustentabilidade ou através do pagamento de quotas, e, portanto, verbas para o pagamento de quotas podiam estar incluídas nesse plano apoio, ou seja, financiarem as associações de estudantes para poderem pagar quotas nessas mesmas federações.
Ainda relativamente à alteração das portarias, a FAP interveio para que no ano de 2020 fossem consideradas nas majorações o cálculo relativamente ao ano de 2019, porque muitos dos planos de atividades não foram cumpridos na integra ou tiveram que ser adaptados, uma vez que o movimento associativo também foi apanhado de surpresa por esta pandemia. Por outro lado, pedimos o revogar da devolução do apoio concedido às associações de estudantes no ano de 2020 com a possibilidade de utilização desses mesmos apoios, e a título excepcional, em despesas fixas de infraestruturas, para além de considerar atividades de representação estudantil não apoiadas. O país estava confinado e havia muitos dirigentes estudantis nas instituições ao lado das direcções de forma a darem uma resposta positiva ao cenário vivido. Neste momento, existe uma quebra no encaixe financeiro das associações, e se há um reconhecimento público do papel das mesmas, seria benéfico que esse reconhecimento tivesse uma aplicabilidade prática para que as associações não entrassem numa situação de subfinanciamento crónico.
“A partir do momento que um estudante ingressa no ensino superior, esta etapa só se considera concluída com sucesso quando os estudantes conseguem entrar no mercado de trabalho com condições favoráveis”
Quais são os principais pilares e projecto da FAP para o atual mandato?
Nós elegemos primeiro o emprego digno e de qualidade, acima de tudo porque muitos estudantes ingressaram no ensino superior ainda a recuperar dos efeitos da crise anterior e agora enfrentamos uma nova crise, e acabamos por ter estudantes que no espaço de apenas uma década são abalados por uma nova crise. É muito importante estar ao lado dos jovens e dos estudantes neste momento pois considero que vamos passar por grandes desafios. A FAP não se pode demover do seu papel nesta matéria, porque a partir do momento que um estudante ingressa no ensino superior, esta etapa só se considera concluída com sucesso quando os estudantes conseguem entrar no mercado de trabalho com condições favoráveis.
A inovação pedagógica é também uma das nossas apostas, uma vez que precisamos de um verdadeiro modelo de inovação que responda às exigências de um estudante no século XXI, que não nos deixe ficar presos às metodologias que acabam por ser conservadoras. No entanto a minha concepção de inovação pedagógica não se reduz ao uso das ferramentas digitais, ou seja, deve ser estendido para além do ensino online.
É também importante trabalharmos nas competências futuras necessárias à entrada dos estudantes no mercado de trabalho. A inovação e a transformação digitais são transversais a várias áreas e isto deve fazer parte da formação dada aos estudantes nas instituições de ensino superior.
Artigo escrito por: Pedro Miguel de Carvalho. O autor escreve segundo o Antigo Acordo Ortográfico.