Educação

A vida num colégio interno não é como nos livros

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Os filmes e livros infantojuvenis fizeram-nos acreditar que os colégios internos são lugares frios, austeros e infelizes, onde as crianças vão para lá castigadas por se terem comportado mal. No entanto, os alunos que realmente estudam nestes colégios, não confirmam estas suposições. Lourena é uma jovem de 19 anos que há dois anos veio do Brasil para Portugal e defende que viver num colégio interno “não é aquele negócio que todo o mundo fala quando se entra num internato, que é um negócio muito rígido”.

A estudante diz-se sentir muito acompanhada pela equipa de professores e coordenadores do colégio, referindo que eles “estão sempre a ver as nossas necessidades”. Lourena veio estudar para o Colégio Internato Claret, uma vez que era “a única oportunidade de vir estudar para Portugal”. De momento está a terminar o 12º ano na área de Ciências e Tecnologias. O irmão, Lourenço, só chegou um ano depois, tem 14 anos e frequenta o 9º ano. Ambos reconhecem que em termos de adaptação ao facto de estarem longe da família, “dois é mais fácil do que um”, mas nem sempre foi assim. Neste sentido, Vítor Pacheco, diretor pedagógico do Colégio Internato Claret, admite que “por mais acompanhamento que o colégio possa dar, não é fácil para uma criança, com 10 ou 12 anos, vir para o colégio estudar e deixar a família”.

O internato Claret não funciona ao fim de semana, portanto, os alunos internos vão para casa de familiares ou dos tutores que tenham em Portugal. Assim, quando Lourena chegou ao colégio os pais ficaram cá durante uns tempos, para que a filha se habituasse à nova dinâmica, “toda a experiência que eu tenho em Portugal já foi dentro do internato, foram muitas mudanças de uma vez só. Mas nos fins de semana ainda tinha alguém”.

Por sua vez, Lourenço sempre contou com a companhia da irmã que, aliás, é a sua tutora. No meio de risos, a jovem de 19 anos confessa que agora “até estranho quando os nossos pais vêm para cá, porque nós já temos um jeito diferente de fazer as coisas”. Contudo, os irmãos reconhecem que a primeira semana depois de os pais irem embora é a que custa mais, mas à medida que o tempo passa e eles se focam na rotina, as saudades ficam mais fáceis de se lidar. 

Estar longe de casa, dos pais e dos familiares pode ser um desafio para muitas crianças e adolescentes. Por isso, uma das prioridades do colégio é garantir que “os alunos se sintam acompanhados, se sintam bem, se sintam integrados numa família”, refere Vítor Pacheco. O diretor assegura que os alunos em regime de internato são acompanhados por uma “equipa multidisciplinar” composta por professores, coordenadores, assistentes e psicólogos que implementam dinâmicas diárias com os alunos, de modo que “a integração seja mais ou menos fácil”. Contudo, o diretor pedagógico reconhece que cada aluno tem a sua própria experiência de integração, mas “a experiência diz que, regra geral, os alunos acabam por se adaptar bem”.

Os principais entraves à adaptação que Vítor Pacheco aponta são as particularidades do sistema de ensino português e das suas práticas pedagógicas e não, propriamente, dificuldades em estabelecer relações interpessoais. Segundo o diretor, esta realidade é fruto das diferenças culturais entre os países de origem dos alunos internos e Portugal.

A rotina diária num internato

Os alunos em regime de internato são acompanhados pelo coordenador e por uma equipa de assistentes e estão inseridos em turmas com os restantes alunos do colégio. Por isso, durante a manhã e a tarde o horário é o mesmo, ou seja, estão em aulas desde as 9h até às 17h30. Depois das aulas têm uma hora de intervalo e às 18h30 iniciam um momento de estudo que termina às 20h. Esta hora e meia de estudo pode ser feita nos quartos individuais dos alunos ou noutros espaços coletivos do colégio, como a sala de informática, a sala do futuro, a sala de aula ou a biblioteca, consoante as suas necessidades e/ou preferências. Uma vez por semana, no mesmo horário, os alunos ainda praticam uma atividade extracurricular, que pode ser desportiva (ténis, taekwondo, futebol ou andebol, por exemplo) ou musical (violino, órgão, bateria, baixo, entre outros). Às oito da noite é a hora de jantar e às 21h15 regressam ao último momento de estudo, normalmente já no quarto, que acaba às 22h30. Por fim, o dia termina pelas onze da noite, hora de ir descansar.

Os alunos internos chegam ao colégio no domingo à noite, depois do jantar. Por sua vez, na sexta-feira as aulas acabam à hora de almoço e os alunos preparam-se para irem para casa de familiares ou tutores. Um dos objetivos do colégio é poder oferecer o serviço de fim de semana aos alunos, em princípio, já “a partir do próximo ano”. Assim, no sábado e domingo os alunos vão ter horas de estudo, mas também atividades de enriquecimento curricular, “para que possam passar um fim de semana, muito aproximado daquilo que é um fim de semana «normal»”, sendo-lhes proporcionadas várias experiências que façam parte da idade, como ir ao cinema.

Lourena considera ser “complicado” manter a rotina do colégio, visto que, de modo geral, não se acha ser “uma pessoa muito de rotinas, mas depois com o tempo aprende-se”. Já Lourenço diz que só sentiu “um pouco de dificuldade na questão do telemóvel à noite, mas depois de um tempo eu acho que consegui me adaptar e faz sentido, mais ou menos”.

Vítor Pacheco afirma que o colégio encara “o telemóvel como uma ferramenta de trabalho, tal como um lápis ou uma caneta”. No entanto, até ao 9º ano todos os alunos – internos; semi-internos (alunos que não vivem, mas almoçam no colégio); e externos (alunos que não vivem, nem almoçam no colégio) – não usam o telemóvel nos intervalos, mas podem trazê-los de casa. No secundário esta regra não se aplica. Além disto, os alunos internos não usam o telemóvel no tempo de estudo, mas têm acesso aos equipamentos tecnológicos fornecidos pelo colégio, como computadores e iPads. No ensino básico só podem usar o telemóvel no intervalo entre o jantar e o último momento de estudo, geralmente, para ligar à família. Os alunos internos do ensino secundário não têm nenhuma limitação.

Porquê escolher estudar num colégio interno?

A decisão de colocar os filhos a estudar num internato não é fácil para alguns pais, pois é complicado lidar com as saudades e com a distância. Mas então porquê tomá-la? Vítor Pacheco refere que os encarregados de educação procuram os serviços do Colégio Internato Claret por uma “multiplicidade de razões”. A primordial centra-se no modelo pedagógico da instituição, nomeadamente “os projetos em que estamos inseridos e a formação que pretendemos dar, numa fase que é crucial do ponto de vista formativo”.

De acordo com o diretor pedagógico, o colégio prioriza o desenvolvimento cognitivo e humano na formação académica dos seus alunos, “do ponto de vista académico, procuramos que os alunos desenvolvam as capacidades que têm e, simultaneamente, não descuramos da formação humana, porque ela acompanha-nos em tudo o que fazemos. Portanto, diria que estes dois são os eixos fundamentais”.

Com o intuito de fomentar as “inteligências múltiplas”, o colégio inclui na sua oferta curricular as Oficinas de Arte e Multimédia no segundo ciclo e as Áreas Descoberta para os alunos do terceiro ciclo que “procuram ensinar que o conhecimento e a aprendizagem que adquirem faz sentido ao serviço de um projeto interdisciplinar”, declara Vítor Pacheco.

O segundo grande motivo pelos alunos entrarem num internato está relacionado com o facto de as famílias não viverem na região, como é o caso dos irmãos brasileiros ouvidos pelo JUP. Lourena confirma que ela e o irmão conheceram “pessoas muito legais que nos ajudaram sempre e tivemos experiências que você só tem no internato”. A jovem finalista do ensino secundário ainda salienta que o colégio proporcionou-lhe adquirir uma boa noção de disciplina e estabelecer um comprometimento com as regras e dinâmicas de viver em comunidade.

Estudar durante a pandemia

A pandemia da covid-19, como não podia deixar de ser, marcou o dia a dia dos alunos deste colégio. A direção publicou um plano de contingência que obrigava ao uso de máscara nas instalações do colégio (exceto no interior dos quartos), definiu percursos de circulação em todos os espaços e promoveu o cumprimento do distanciamento social e da desinfeção e higienização regular das mãos. Estas regras foram aplicadas a todos os alunos do colégio, não tendo sido identificados nenhum caso de infeção por covid-19 nos alunos em regime de internato.

Durante o período de confinamento decretado pelo governo a nível nacional, o colégio encerrou por completo todas as instalações. Os alunos (incluindo os de internato) tiveram aulas à distância, a partir de suas casas.

“O colégio tentou fazer parte da solução e nunca ser um problema, no sentido de provocar pressão nos alunos” [Vítor Pacheco, Diretor Pedagógico]

Vítor Pacheco reconhece que esta alteração afetou a concentração e o cansaço dos alunos, mas garante que a instituição tinha uma equipa de professores, coordenadores e psicólogos que mantiveram contacto constante com os alunos, para receber feedback das aulas à distância, de modo a avaliar a capacidade de ensino e de aprendizagem. A equipa ainda procurou saber como é que os alunos se estavam a sentir em termos emocionais com todas as novas dinâmicas familiares, de estudo e de trabalho. “O colégio tentou fazer parte da solução e nunca ser um problema, no sentido de provocar pressão nos alunos”, refere o diretor pedagógico.

No primeiro confinamento, iniciado em março de 2020, Lourena e Lourenço iam regressar ao Brasil, mas as fronteiras foram fecharam e eles acabaram por ficar em solo português. Os irmãos confessam que “foi um pouco complicado”, uma vez que ambos viviam num estúdio de 40 metros quadrados, dificultando a gestão diária, nomeadamente, quando tinham aulas diferentes em simultâneo, como por exemplo as aulas de música – Lourena toca piano e Lourenço saxofone. O segundo confinamento correu melhor, porque eles mudaram de casa e cada um já tinha o seu próprio quarto. Além disto, os dois já estavam mais habituados à dinâmica diária em tempos de confinamento e pandemia e os horários escolares estavam mais bem distribuídos.

Artigo escrito por: João Múrias

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