Educação
Dia Nacional do Estudante: 60 anos depois os protestos continuam
As celebrações do Dia Nacional do Estudante foram marcadas por protestos estudantis. Deste modo, no dia 22, decorreu um evento organizado pelo grupo Letras em Luta, com uma concentração à porta da Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP). No dia seguinte, a 23 de março, realizou-se uma concentração contra a subida do valor das propinas no 2º ciclo de estudos na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP), organizada pelo grupo A Voz do Engenheiro.
“Mais espaço, menos propinas”
O protesto na FLUP foi marcado por três momentos: primeiramente, foi pintada uma faixa, com o objetivo de reivindicar mais espaço para zonas de refeição e de estudo; seguidamente, os alunos entregaram um abaixo-assinado à direção da faculdade, a reivindicar o uso do bar do 2º piso pela comunidade estudantil. Por último, realizou-se um colóquio com o Professor Manuel Loff, docente do Departamento de História e de Estudos Políticos e Internacionais da Faculdade de Letras, sobre a importância histórico do Dia Nacional do Estudante, que este ano cumpre 60 anos, mas também os desafios atuais que o ensino superior enfrenta.
Carolina Teixeira, representante do Letras em Luta, afirmou que participação estudantil neste tipo de eventos é bastante positiva, uma vez que os alunos da FLUP são “ativos politicamente”. O protesto comprovou isso mesmo, pois mesmo num dia de chuva, os estudantes marcaram presença.
A estudante de Línguas e Relações Internacionais na FLUP referiu em declarações ao JUP que o protesto teve o objetivo de reivindicar o normal funcionamento do bar do 2º piso, que este ano foi vedado aos estudantes. “Era um importante espaço, não só para estudo, porque nós não temos uma sala permanente de estudo, mas também para as refeições”, acrescenta. O bar em questão foi interdito aos alunos, de modo a ser exclusivo para docentes, investigadores e não docentes, mas os alunos admitem que normalmente está vazio.
“Comemos nas escadas, muitas vezes, onde toda a gente passa e, para além de não ser higiénico, não são boas condições para uma pessoa comer, nem para conviver”
Desta forma, os estudantes apenas podem usufruir do Bar do Tio, que é um bar privado da Associação de Estudantes. As suas instalações não são muito grandes, acabando por não dar resposta à procura. Nos dias de chuva a situação piora, pois os alunos não podem usar a esplanada. “Comemos nas escadas, muitas vezes, onde toda a gente passa e, para além de não ser higiénico, não são boas condições para uma pessoa comer, nem para conviver”, expôs uma aluna que participou no protesto. A jovem ainda sugeriu que “se não conseguem criar ou construir mais espaços, ao menos que facilitem as salas para as pessoas comerem ou conviverem e não nos proíbam de estar em espaços que estão vazios.”
Em relação às salas de estudo, os estudantes referem que existem espaços para estudar que estão reservados para apenas um curso, enquanto os restantes não têm um espaço para estudar definido. A biblioteca está disponível para o efeito, contudo não tem mesas suficientes e tem um horário de funcionamento mais limitativo.
Os estudantes internacionais também se fizeram ouvir e manifestaram a necessidade de haver um apoio maior, em relação à Ação Social. A nível da atribuição de bolsas e das residências universitárias públicas, os alunos pedem para que sejam distribuídas a quem de facto precisa delas. A opinião partilhada é que a decisão deveria ser mais abrangente, pois os critérios são bastante específicos. A organização do protesto disse que “há pessoas que não podem ter acesso a bolsa porque os pais recebem um rendimento maior, mas na realidade não têm sítio para viver ou vivem longe”. Consequentemente, um aumento do número de bolsas da Ação Social seria uma forma de diminuir o abandono dos estudos, nomeadamente devido ao aumento das propinas do 2° e 3° ciclo de estudos.
“Uma pessoa que viva a 30 km para sul é igual a uma pessoa que viva a 30 km para norte, mas a que vive a 30 km para norte tem um lugar na residência e eu, que vivo a 30 km para sul, já não tenho porque supostamente vivo perto”
“Devíamos começar a pensar em estabelecer um teto máximo para as propinas do 2º e 3º ciclos de estudo, uma vez que não podemos baixar as propinas das licenciaturas e, hoje em dia, em Portugal, é impossível termos um trabalho sem um mestrado”, aludiu uma estudante da FLUP. A aluna ainda completou a sua ideia referindo que “uma boa parte dos jovens não tem qualquer possibilidade financeira de fazer face a esses custos, ainda por mais com os elevados preços das habitações na cidade do Porto.”
Neste sentido, os estudantes consideram que as condições das residências públicas devem ser melhoradas. Muitos dos protestantes denunciaram a falta de cozinha nas respetivas residências, limitando-os ao usufruto do microondas ou da cantina, como uma via mais barata. Contudo, esta não tem opções de pratos variadas. Além disso, também não têm uma sala de convívio. “Uma pessoa que viva a 30 km para sul é igual a uma pessoa que viva a 30 km para norte, mas a que vive a 30 km para norte tem um lugar na residência e eu, que vivo a 30 km para sul, já não tenho porque supostamente vivo perto”, admitiu uma aluna da Faculdade de Letras.
“A propina dobra, o dinheiro não sobra”
Da mesma forma, os estudantes da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto uniram-se para dar voz à revolta sentida pela subida da propina no 2º ciclo de estudos.
A Voz do Engenheiro, organizador da concentração, explicou que a Associação de Estudantes tem uma abordagem muito mais ligada com a bolsa da Ação Social, ao que A Voz do Engenheiro não considera que essa seja a linha de ação pretendida. Miguel Lopes, representante da organização, afirmou ao JUP que “nós [organização] vemos o acesso à profissão, enquanto formação plena de um engenheiro, a ser condicionada pelo aumento da propina do segundo ciclo. É a Ordem dos Engenheiros que diz que é considerado relevante e imprescindível a conclusão do mestrado para a formação completa de um engenheiro.” O estudante de mestrado em Engenharia Eletrotécnica e de Computadores ainda mostrou o desagrado com o aumento da propina, visto que “não foi justificado e nem sequer um processo transitório. Foi um aumento radical da propina.”
A desintegração dos mestrados integrados é, de facto, o principal responsável pelo aumento das propinas. É também “fruto da transposição de uma diretiva da União Europeia para corresponder à uniformização dos cursos para com o processo de Bolonha. No entanto, a definição da propina é totalmente da responsabilidade da Instituição. Um estudante que transite do primeiro ciclo, atualmente, para o segundo ciclo vai ver a sua propina aumentada para mais do dobro, de 697 euros para um valor de 1500 euros”, revelou Miguel Lopes.
Para além da concentração à porta da FEUP, a organização também reuniu mais de 1500 assinaturas no abaixo-assinado contra o aumento das propinas. Margarida Chalupa, representante d’A Voz do Engenheiro, em entrevista ao JUP, garantiu que o grupo vai levar os problemas concretos da FEUP e a questão das propinas, que é algo geral a todas as faculdades, para a grande manifestação de estudantes que ocorreu hoje, dia 24 de março, em Lisboa.
Associativismo estudantil
O Dia Nacional do Estudante surgiu como “o estímulo à participação dos estudantes na vida escolar e da sociedade” e a “cooperação e convivência entre os estudantes”, segundo o Decreto-Lei 19/87, de 1 de junho. Apresentou ainda como objetivos “a democratização e o desenvolvimento do ensino” e “a ligação dos estudantes com a comunidade”. Este dia foi estabelecido pelo Presidente da República, Mário Soares, a 28 de abril de 1987.
Stephen Murgatroyd, especialista em educação, afirmou que “a voz dos estudantes é a estrada para a mudança”. Efetivamente, esta data é um dia de comemoração e de homenagem, mas também uma chamada de atenção para continuar a lutar pela liberdade e igualdade estudantis, tal como o grupo Letras em Luta se apresenta: “em luta por um ensino superior público, gratuito, democrático e de qualidade”.
O antigo Presidente da Federação Académica do Porto (FAP), João Pedro Videira, também mencionou que os estudantes são “um dos grandes agentes de transformação política e social” e que são “os principais responsáveis pelo enorme progresso social do século XX”. Quando questionado sobre isto, o Professor Manuel Loff admitiu que “o progresso resulta de uma multiplicidade de manifestações dos indivíduos e dos grupos sociais que conseguem dar passos em frente para a emancipação da liberdade, do respeito, da dignidade humana, das próprias identidades e na correção de injustiças.”
“A crise académica 1962 é um dos fatores que contribui para a queda da ditadura e para a queda do fascismo em Portugal pois ocorre no início da Guerra Colonial, que é o fenómeno essencial para explicar a degradação da da ditadura”
A crise académica teve início no conflito entre os estudantes universitários e o regime do Estado Novo, visto que o ministro da Educação da altura proibiu as comemorações do Dia do Estudante. Desta forma, decorreu “uma concentração na Cidade Universitária, como protesto às determinações do ministro da Educação, segundo o jornal “O Século”. Tal como consta na TSF, “a longa crise estudantil marcou o despertar para a atividade política de uma geração que, em anos futuros, mostraria ser um dos setores mais ativos da resistência ao Estado Novo”.
O Professor Manuel Loff afirmou no colóquio que deu na Faculdade de Letras no dia 22 de março que “a crise académica 1962 é um dos fatores que contribui para a queda da ditadura e para a queda do fascismo em Portugal pois ocorre no início da Guerra Colonial, que é o fenómeno essencial para explicar a degradação da da ditadura.” Assim, “inscreve-se numa vaga à escala internacional de grande mobilização dos jovens designadamente quando estão na universidade e tem esse papel central”, completou o professor de História.
No ano de 1969, começou um período de crise com a proibição do uso da palavra dos estudantes, por parte do reitor da Universidade de Coimbra, na inauguração do Edifício das Matemáticas. O presidente da Associação Académica de Coimbra repetiu o pedido e, apesar de lhe ter sido negado, realizou o seu discurso, acabando por ser detido pela PIDE. Posteriormente, em sinal de protesto, promulgou-se o Luto Académico.
Já em liberdade, em 1994, “foi a primeira vez que os jovens se mobilizaram de forma claramente embaraçante e politicamente poderosa para contrariar aquele governo. Isso teve um peso muito importante. Era uma geração à rasca que colocou o poder político à rasca”, referiu Manuel Loff em entrevista ao JUP. O docente da Faculdade de Letras do Porto ainda afirmou que esse protesto “entrou para o panteão dos movimentos estudantis em Portugal porque foi o último grande movimento de massa estudantil na democracia portuguesa.”
Manuel Loff, numa reflexão sobre a realidade atual do ensino superior, considerou que “os estudantes das universidades portuguesas vivem numa espécie de ilusão sobre a sua condição social (…) porque, para um grande número de estudantes, a sua condição social é extraordinariamente precária (…) devido ao custo enorme que implica estudar, o pagamento das propinas, as dificuldades que têm a ver com a habitação.”
Artigo escrito por: Roselimar Azevedo
Editado por: João Múrias