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Cultura

Aulas Abertas 2022: Ângela Ferreira e “O Estado das Coisas”

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No dia 21 de abril às 18h30, foi a vez de Ângela Ferreira ser recebida na Universidade Católica, no Porto. Com uma plateia composta por estudantes e docentes, o encontro iniciou-se com uma breve apresentação biográfica da artista feita por Nuno Crespo, diretor e professor da Escola das Artes. Nuno Crespo salientou que a singularidade da obra plástica da artista convidada se deve à “articulação complexa” de realidades aparentemente antagónicas como norte/sul e arte/ativismo. Além das suas obras serem “lugares de articulação”, o diretor manifestou particular interesse na “cisão” que atravessa o conjunto da obra de Ângela Ferreira: “Essa cisão expressa-se na sua condição de artista entre África e a Europa, no modo como a sua prática artística dialoga com a arte ocidental, nomeadamente com o formalismo e o construtivismo russo, e, ainda, na necessidade de fazer parte do contexto social e político das sociedades com que tem contactado”.

Vendo a sua biografia como “motor de arranque do processo criativo”, a obra artística de Ângela Ferreira reflete a tensa relação entre o Ocidente e África. Sempre em trânsito entre Portugal, Moçambique e África do Sul e com uma juventude marcada por momentos de instabilidade e mudança políticas, a ideia de “pertença” e a presença de uma consciência política atravessam a respetiva obra artística.

Ângela Ferreira. Foto: Rita Queiroz/Escola das Artes

Posteriormente, Ângela Ferreira ofereceu um testemunho artístico, político e pessoal singular, com o título-provocação “O Estado das Coisas” – expressão que para um público cinéfilo não pode deixar de ecoar o trágico filme homólogo de Wim Wenders. Filmado em Portugal, a longa-metragem retrata a gravação fracassada por falta de recursos económicos do filme “The Survivors”, uma ficção científica sobre os sobreviventes da Terra pós-apocalipse. Com a escolha do título, Ângela Ferreira sugere uma analogia entre o enredo do filme e o período pós-colonial.

De seguida, apresentou alguns dos seus trabalhos, dando ênfase à importância da investigação no seu processo criativo. Os seus dispositivos visuais e espaciais convidam a uma reflexão crítica sobre o passado colonial e o modo como o pensamos no presente. Desde Hotel da Praia Grande (2003), For Mozambique (2008) a Entrer dans la mine (2013), as suas obras problematizam o dominante pensamento eurocêntrico e o capitalismo desenfreado, contribuindo para a construção e a conservação de uma memória coletiva sobre as marcas do colonialismo, de forma justa e igualitária.

Simultaneamente, a artista deu conta também da sua hibridez artística, em permanente deslocamento entre a fotografia, o vídeo, a escultura, a arquitetura, a música e a performance.  Ângela Ferreira ainda salientou que o seu trabalho artístico procura ter uma vertente social e política, “sem deixar de ser inteligível no discurso da arte contemporânea”.

À sua atividade artística, Ângela Ferreira alia a sua vertente como docente na Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa. Se a prática artística é um reflexo da sua forma de pensar o mundo, como docente, interessa-lhe transmitir “metodologias de trabalho que confiem aos alunos capacidades reais para operarem no ponto mais avançado do estado da arte”, salientou Ângela Ferreira na conferência “Educação e Desenvolvimento: Escola e Sociedade” na Fundação Calouste Gulbenkian em Lisboa.

Nascida em Maputo, em 1958, no seio de uma família portuguesa, aos 15 anos, veio para Lisboa, já com a revolução em curso. Mas foi a Cidade do Cabo, na África do Sul, o local escolhido para estudar Belas Artes. Durante este período, a artista viveu intensamente as revoltas estudantis contra o apartheid sul-africano.

Ângela Ferreira. Foto: Rita Queiroz/Escola das Artes

Depois das comunicações de Luiz Camillo Osório, Ulrich Baer, Mathia Diawara, Ângela Ferreira e Rosangela Rennó seguem-se mais três aulas, de acesso gratuito: Filipa Lowndes Vicente (12 de maio), Jessica Sarah Rinland (19 de maio) e Marinho de Pina (26 de maio).

O projeto Aulas Abertas tem vindo a decorrer na Escola das Artes, no segundo semestre, desde 2019. O ciclo Aulas Abertas foi pensado para dinamizar o debate sobre questões artísticas atuais, a partir de uma programação multidisciplinar. Apesar de ter lugar no Anfiteatro Ilídio Pinho, na Escola das Artes na Foz do Porto, o projeto procura abrir a Escola a interessados e/ou estudantes de diferentes áreas de outras instituições, convocando a comunidade em geral a assistir e a dar o seu contributo, enriquecendo o debate sobre as problemáticas da arte contemporânea.

Artigo escrito por: Mafalda Pereira

Editado por: João Múrias e Tiago Oliveira