Ciência e Saúde

Ana Sofia Carvalho: “Existe muito esta diferença entre igualdade e equidade: eu verdadeiramente não quero ser igual, eu quero ter os mesmos direitos”

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Professora Catedrática Convidada, Ana Sofia Carvalho, vive a ciência de uma maneira muito diferente. O seu trabalho em bioética permite-lhe viver a dualidade que a caracteriza, entre a objetividade científica e as ciências humanísticas. Doutorada em Biotecnologia, tem desenvolvido investigação na área da bioética e ética médica. É ainda professora no Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar.

Juntamente com a docência, é membro de órgãos consultivos na área da ética, tanto a nível nacional como internacional. É autora de vários artigos científicos e responsável por vários projetos de investigação. Devido ao seu trabalho, foi, recentemente, distinguida pela 4ª edição do livro “Mulheres na Ciência”, projeto da Ciência Viva. Neste contexto, numa breve entrevista ao JUP, Ana Sofia Carvalho fala do seu percurso e da importância que tem esta distinção. 

O que significa para si esta distinção – “Mulher na Ciência”?

A distinção, para mim, foi muito mais importante enquanto área científica do que enquanto pessoa individual, ou seja, o reconhecimento pela Ciência Viva que esta área da ética e da bioética também é uma ciência. O que para mim foi mais importante neste prémio foi exatamente o reforço de que quem quer trabalhar nesta área deve fazê-lo com uma objetividade científica e com uma forma científica de estar na vida. 

Para mim, o grande significado e a grande mensagem que eu tiro deste prémio é exatamente que a ética, tal como as outras áreas, é preciso estudar, é preciso conhecer, é preciso formar, é preciso fazer um conjunto de circunstâncias formativas que nos permitam sermos bons naquilo que fazemos.

“A ética, tal como as outras áreas, é preciso estudar, é preciso conhecer, é preciso formar.”

Durante a sua juventude, já sabia o que queria fazer no futuro?

Não, de todo. Eu comecei claramente pela parte mais científica: tenho licenciatura em Microbiologia e doutoramento em Biotecnologia. Fiz ciência de laboratório até acabar o doutoramento. Esta área da ética surge, porque realmente tive um “mestre” como professor, que foi o professor Walter Osswald. Era professor na Faculdade de Medicina, mas a mim deu-me aulas noutro contexto. Quando saiu da Faculdade de Medicina começou a trabalhar nesta área, e depois resgatou-me um bocadinho; portanto, eu fazia as duas coisas ao mesmo tempo até acabar o doutoramento. 

Entretanto, fiz formação e fiz mestrado na Faculdade de Medicina em Ética Médica e, quando acabei o doutoramento, percebi facilmente que teria que escolher. Confesso que foi uma escolha difícil. Uma pessoa habituada a trabalhar na ciência, a trabalhar no laboratório, mudar radicalmente a forma de fazer investigação foi um desafio muito complexo. Estou muito feliz pela escolha que fiz, adoro tudo aquilo que eu faço, adoro as aulas, adoro a investigação. E adoro a área em que trabalho, realmente acho que é um privilégio, porque é uma área que nos obriga a estudar imensa coisa de áreas completamente diferentes.

Ser mulher alguma vez teve algum impacto positivo ou negativo para si a nível profissional? Pode dar alguns exemplos?

Durante a minha vida, fui muitas vezes a primeira mulher, fui muitas vezes a mais jovem a assumir muitos cargos que normalmente estavam atribuídos a homens. É preciso um espaço de conquista maior, a conquista não é imediata. Depois de conquistar, eu confesso que nunca tive nenhum problema do ponto de vista de afirmação, esteja onde estiver, relativamente ao facto de ser mulher. 

Existe muito esta diferença entre igualdade e equidade: eu verdadeiramente não quero ser igual, eu quero ter os mesmos direitos. E portanto, do ponto de vista de conquistas de direitos, eu acho que é algo que a sociedade vai fazendo. Infelizmente, recentemente temos tido muitos casos e muitas circunstâncias de mulheres exploradas de uma forma vil e assustadora, e isso obviamente não pode, de forma nenhuma, acontecer. Mas nunca senti assim verdadeiramente na primeira pessoa. Senti e tive muito revés na minha vida e na minha carreira, mas nunca atribuí isso ao facto de ser mulher.

“Existe muito esta diferença entre igualdade e equidade: eu verdadeiramente não quero ser igual, eu quero ter os mesmos direitos.”

Para além da carreira científica, porque escolheu ensinar e o que a motiva?

Tudo: eu acho que tudo o que faço é para os alunos. Não consigo imaginar ser investigadora sem depois conseguir transmitir. Claro que uma pessoa enquanto investigadora transmite, porque publica artigos, vai a conferências, … Mas o gozo que é ter o desafio de dar asas aos outros, para eles voarem sozinhos, é uma coisa que só um professor pode sentir. Dar aulas e ensinar é uma missão, não é uma profissão, e é algo que tem de preencher quem o faz. Eu não conseguia viver sem as duas coisas. A sala de aulas é o meu habitat mais natural, é um sítio onde gosto mesmo de estar.

“O gozo que é ter o desafio de dar asas aos outros, para eles voarem sozinhos, é uma coisa que só um professor pode sentir.”

Para além deste prémio, que outros podem destacar o seu percurso profissional?

Tive uma distinção, o prémio João XXI, da Associação Internacional dos Médicos Católicos, sobre um trabalho que fiz sobre o diagnóstico genético pré-implantatório e de que forma podemos usar a narrativa para trabalhar algumas áreas do ponto de vista científico e do ponto de vista ético. 

Tenho tantas coisas boas que me aconteceram e tive a possibilidade de ter trabalhado com pessoas maravilhosas! Tive um mestre que era um exemplo: isso realmente é um prémio incrível. Ter uma educação pelo exemplo de alguém, acho que é o maior prémio que se pode ter. 

Uma pessoa acaba por ter muitas vezes um impacto direto na forma como as pessoas trabalham e fazem. Tenho colegas médicos a ligarem-me e dizer “Eu agora estou a fazer como a professora diz e está a correr tão bem!”. Mudar procedimentos que estão estabelecidos e estão maus, e que nós sabemos que realmente vão contribuir imenso para aquilo que é o interesse do doente, o bem estar do doente, o bem estar das pessoas. É uma graça trabalhar numa área onde uma pessoa pode, de alguma forma, contribuir tanto para o bem estar da humanidade. Só isso acho que já é um prémio.

O que diria a todas as meninas/jovens/mulheres que gostariam de construir uma carreira científica?

Não desistirem. A ciência é como na vida, damos dez passos em frente e de repente somos puxados vinte para trás. A vida também é assim, não só a vida científica e profissional, é a vida no seu todo. Quem gosta verdadeiramente, quem tem curiosidade: só na ciência é que nós realmente podemos viver esta curiosidade de forma plena.

Mais do que não desistir, é perceber que as pessoas mais novas têm de ser apoiadas pelas pessoas mais velhas. E nós, mais velhos, temos o dever de as apoiar em tudo, ter toda a disponibilidade para as ajudar, porque é esse o nosso emprego e a nossa missão. Encontrar orientadores, mentores e pessoas que sejam uma inspiração é tão importante, tão essencial. Quem orienta deve educar formalmente e pelo exemplo. Esta educação pelo exemplo é  algo que é claramente impagável.

“A ciência é como na vida, damos dez passos em frente e de repente somos puxados vinte para trás.”

O que é para si ser uma “Mulher na Ciência”?

Como eu disse: para mim, o mais importante é reconhecerem que esta ciência que eu faço é uma ciência igual a todas as outras. No fundo, o prémio é uma metáfora para aquilo que eu passo a vida a dizer: “quem trabalha na ética tem de ter formação”. As pessoas, só porque são boas pessoas, não são bons eticistas e não sabem fazer ética. Fazer bioética é fazer ciência. Quem quer fazer ciência tem de ter formação específica. Se não tem formação específica, não está a fazer ciência.

 

Artigo escrito por: Carina Vieira e Joana Monteiro

Editado por: Inês Miranda e Maria Teresa Martins

Atualizado a 26/05/2023

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