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Educação

Levante a mão quem quer viver para sempre: um debate sobre imortalidade e mind uploading

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No passado dia 30 de maio, o Salão Ático do Coliseu do Porto Ageas foi palco de um debate sobre a imortalidade. Este conceito existiu durante longos séculos, apenas relacionado com a área da espiritualidade e ficção científica. Atualmente, com o avanço da ciência e tecnologia, surgiu o conceito de mind uploading, o mote para que a imortalidade possa ser uma realidade mais próxima do que se possa imaginar.

O que é o mind uploading?

O mind uploading, ou emulação total do cérebro, é um processo de mapeamento da estrutura do cérebro com precisão suficiente para “simular o estado mental” e transmitir esta informação para um computador. Estudado por Steven S. Gouveia, doutorado em neurofilosofia da mente, este conceito, que surgiu no início deste século, levanta muitas questões filosóficas e éticas.

O debate, dirigido por Minês Castanheira, poetisa e licenciada em Jornalismo e Ciências da Comunicação, começou por apresentar este conceito, que  é, neste momento, um cenário ainda fictício. Para levar avante esta ideia, será necessário mapear toda a estrutura cerebral, um processo extremamente complexo. 

Segundo Steven S. Gouveia, há três formas de realizar o upload da mente para um computador: 

  1. upload destrutivo, em que há destruição da mente e criação de um cérebro artifical; 
  2. upload gradual, em que a transferência de informação é realizada de forma gradual, e com recurso a elementos biologicamente compatíveis, através da nanotecnologia;  
  3. upload não destrutivo, em que é feito um mapa de como funciona o cérebro, sem a sua destruição, e é criado um análogo funcional. 

O upload gradual poderá ser o mais promissor, se for possível conjugar os princípios éticos e filosóficos subjacentes.

Quais as implicações éticas?

As questões éticas levantadas por este conceito foram discutidas por Ana Sofia Carvalho, docente de Ética e Bioética no Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar. 

Segundo a docente, o desejo da imortalidade vem do silêncio que se cria à volta da morte. No entanto, uma das grandes questões que poderá estar associada à aplicação do mind uploading relaciona-se com a acessibilidade da técnica à sociedade como um todo. Num contexto em que nem todos teriam acesso a esta tecnologia, a sua aplicação poderia provocar disrupções sociais significativas.

Foto: Carina Vieira

Para Steven S. Gouveia, os problemas éticos estarão também relacionados com a identidade pessoal de cada um. Com a tranferência de informação para um computador ou outro componente artifical, a personalidade irá permanecer? Outra questão que se levanta prende-se com a possibilidade dos dados da mente de cada pessoa estarem acessíveis a entidades terceiras e os problemas de privacidade pessoal associados. Finalmente, surge ainda a pergunta: A transferência da estrutura cerebral é suficiente para a transferência da consciência e memórias? As reflexões sobre a aplicação deste conceito devem ser feitas antes do desenvolvimento desta tecnologia.

O teológo e sacerdote da diocese do Porto Jorge Teixeira da Cunha trouxe ao debate a perspetiva da relação da fé com a imortalidade. Segundo o sacerdote, existe a morte e a transfiguração da morte, não existindo mais nada para além disso. Esta ideia desvia-se, assim, do conceito de mind uploading.

Para Paulo Borges, professor de Filosofia e de Medicina e Meditação na Universidade de Lisboa, não temos de esperar pela morte para aceder a experiências de imortalidade ou a estados alternativos de consciência. A consciência não se limita ao organismo fisiológico e perdura quando se dissocia do corpo. Desta forma, os humanos podem ser naturalmente imortais através da sua descendência e da sua obra, que perduram no tempo.

Desta troca de perspetivas, em que o público foi incentivado a participar, surgiram mais perguntas do que respostas. De acordo com os quatro convidados para o debate, viver o presente de forma mais consciente, e viver para os outros, pode ser uma forma de experienciar a eternidade. Um dos principais remorsos descritos na hora da morte por muitos indivíduos é não terem vivido a vida que gostariam de ter vivido. 

Finalmente, todos os panelistas deixaram no ar as questões: O que dá sentido à nossa vida? Para além disto, como se sustentaria um mundo de pessoas imortais?

Com interveninetes de áreas muito diversas, o debate permitiu trazer à discussão um tema ainda pouco conhecido em Portugal, por questões morais, sociais e culturais. As problemáticas éticas surgem, inevitavelmente, quando se fala de mind uploading e a sua discussão pode ser determinante para o futuro da humanidade. Esta iniciativa pretendeu, assim, convocar toda a sociedade para participar nesta reflexão.

 

Artigo escrito por: Carina Vieira

Editado por: Inês Miranda