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ANDRÉ LAMAS LEITE: OS RECLUSOS “SÃO OS ESQUECIDOS DOS ESQUECIDOS”

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André Lamas Leite lançou uma campanha no Facebook cujo mote era simples: “façam-me chegar livros que tenham”. Durante uma visita ao estabelecimento prisional do Porto, em Custóias, o professor de Direito Penal e Criminologia teve a ideia de criar a página “Um livro na prisão, uma janela para voar”.

No decorrer da visita às instalações do Estabelecimento Prisional de Custóias, Lamas Leite passou pela biblioteca e perguntou-se: “mas então este espaço é muito utilizado?”. Para além da habitual leitura do jornal, os reclusos mostravam interesse em requisitar livros que, no entanto, eram escassos. Face a uma biblioteca pouco apetrechada, justificada por “questões orçamentais”, o docente compreendeu rapidamente a necessidade de uma renovação no espaço.

Além desta falha, o professor deparou-se com outras dificuldades, entre as quais, a própria roupa dos reclusos. “É uma obrigação do próprio Estado, prevista na lei, prover os reclusos da alimentação e do vestuário necessário, mas nem sempre isso acontece”, reconhece Lamas Leite. Mas a crise deixou de permitir às famílias colmatar estas falhas. “Com a crise que vivemos, muitas vezes as famílias não têm sequer possibilidade de se deslocar ao EP porque vivem longe e portanto não levam nada. Aquelas que têm possibilidades de ir lá não têm possibilidade de levar nada”, acrescentou.

Não são só as falhas físicas que preocuparam Lamas Leite. O professor destaca a importância da assistência aos reclusos e das ações de formação: “A ressocialização é um dos objetivos da pena, prevista expressamente na lei, mas depois não temos muitas vezes meios para as levar à prática. Um técnico de reinserção social tem entre 200 a 300 reclusos a seu cargo, para elaborar o que chamamos o PIR – Plano Individual de Ressocialização. Ora, não há trabalho sério com 200 ou 300 pessoas. Há uma falta enorme de técnicos”, explicou.

“São os esquecidos dos esquecidos, os reclusos. Nós sabemos que as prisões não dão votos (…), não tem uma voz política. Por isso são também muitas vezes esquecidos pelo sistema. E muitas vezes os políticos querem esquecê-los porque estão seguros que é o que a população quer. Eu não estou tão seguro que seja assim”, reconheceu Lamas Leite. O professor alertou para o facto de os estabelecimentos prisionais e dos reclusos serem “negligenciados”.

Aquela que parecia uma visitar normal a um estabelecimento prisional, trouxe a André Lamas Leite novas reflexões e preocupações com uma camada da população que tende a ser esquecida. “Cheguei a casa e pensei que realmente, nós, sociedade civil, temos de ter uma atitude mais proactiva. Não nos podemos limitar a ir para o Facebook queixar-nos das coisas, não adianta nada, isso não muda nada”, assumiu.

Da visita ao lançamento da campanha nas redes sociais foi um pequeno passo. “Convidei no dia seguinte os meus amigos, quem tinha disponível na altura e chamei-lhe ‘Um livro na mão, uma janela para voar'”, explicou o professor de Direito Penal.

O desafio era simples: fazer chegar livros de todos os tipos, qualquer género literário. O centro da campanha foi a FDUP. “A partir desse momento, meados de outubro, começamos a receber. E foi um efeito fantástico das redes sociais, amigos convidaram amigos e hoje a página tem 4000 e tal likes e as pessoas foram passando palavra”, conta.

Esta iniciativa surgiu “muito espontaneamente” e foi atingindo números inesperados, que chamaram a atenção da comunicação social: “Foram passando palavra de tal modo que passado pouco tempo sou contactado pelos meios de comunicação social, televisão, rádio e imprensa, porque tinha sido uma campanha inovadora, nunca ninguém se tinha lembrado de recolher livros e roupa para as prisões”, explicou.

André Lamas Leite não esteve sozinho nesta recolha. “Nós – digo nós porque apesar de ter começado em mim foi uma campanha à qual aderiram uma série de pessoas – fomos contactados por algumas instituições.

Se a ideia inicial era recolher 100, 200 livros para os EP do Porto, masculino e feminino, e roupa de homem, mulher e também criança, para as que vivem com as mães, no EP de Santa Cruz do Bispo, até aos 5 anos, a iniciativa “superou completamente todas as expetativas”. “Em dezembro tivemos de dar por encerrada a campanha, que recolheu mais de 10 mil exemplares e vários quilos de roupa”, explicou Lamas Leite.

De todos os efeitos que esta campanha teve, o docente salienta o fim pedagógico e o impacto que teve na comunidade: “enquanto professor de Direito Penal, serviu para chamar a atenção dos meus alunos para as questões das prisões”.

 

André Lamas Leite enfrentou também algumas dificuldades nesta campanha, que se prenderam com a “falta de visão da Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais”, e “chocou” o professor. Como qualquer campanha com eco e bons resultados, as reações menos positivas também fizeram parte deste tipo de trabalhos. “Tive também reações que me perguntam porque é que estou a tratar bem os reclusos, a recolher bens para eles, quando há crianças e idosos, sem-abrigo que necessitam de bens”, explicou o professor. Lamas Leite alega que existem instituições que dão esse apoio e zelam pelos cidadãos em dificuldades. No entanto, afirma que “muito poucas são as instituições que dão apoio [aos reclusos] ”.

Quanto às críticas de que foi alvo, que falavam de uma desculpabilização dos reclusos, André Lamas Leite alega que estão a cumprir uma pena de prisão porque foram julgados e considerados culpados. No entanto, o que preocupa o professor é a formação dos reclusos no período de detenção, “um tempo que pode ser utilizado para criar novas competências”. Este projeto, nas palavras de Lamas Leite, teve sempre o objectivo de “chamar a atenção para a necessidade de criar novas competências (…) e de investir numa verdadeira ressocialização”, no sentido de tornar o tempo de prisão num período útil para os reclusos.

Em janeiro passado André Lamas Leite fez questão de organizar a sessão de encerramento da campanha, na FDUP, que contou com as presenças do subdiretorgeral do EP, do coordenador da Pastoral Penitenciária e de um recluso.

Perante um salão nobre repleto, Lamas Leite considera que o momento alto da sessão foi a intervenção do recluso, uma vez que “as pessoas ficaram muito impressionadas com um testemunho tão simples, em que se percebeu o efeito da campanha”.

Uma nova campanha não está agora nos planos do professor de Direito Penal e, apesar de ter dado por terminada a campanha, a página “Um livro na prisão, uma janela para voar” continua ativa.

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