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Educação

Ensino à distância: como correu e o que melhorar

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O novo coronavírus chegou e veio para ficar. Milhares de estudantes e docentes do ensino superior foram para casa testar novas estratégias de ensino-aprendizagem, enquanto conciliavam a vida académica e profissional com a vida familiar e social. A passagem do ensino presencial para o ensino à distância fez-se num abrir e fechar de olhos. Esta mudança não foi fácil nem correu na perfeição. Uma prioridade das instituições de ensino foi garantir que a comunidade estudantil reunia os meios necessários para aceder às aulas e realizar os exames online. Em caso de carência de computadores pessoais, por exemplo, as faculdades aprontaram-se a disponibilizá-los aos alunos.

“A assunção de que as aulas teóricas são facilmente transformadas em aulas gravadas é uma falácia”, considera Pedro Pereira Rodrigues, professor na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP), pois o método de trabalho do docente é baseado na transmissão do conhecimento através de conversas com os alunos e não apenas o ato de “debitar a matéria” – o que numa videochamada com centenas de estudantes não é bem conseguido. A comunicação entre estudantes e docentes foi uma prioridade. Vários cursos criaram grupos de chat em aplicações online para facilitar o contacto simultâneo com toda a turma, o que, de certa forma, fez com que os estudantes sentissem que alguns professores estiveram mais disponíveis para ajudar os alunos no modelo de ensino à distância do que no modelo presencial.

Outra das preocupações dos professores foi evitar que os alunos perdessem o foco. João Lopes, professor de Física Experimental no Instituto Superior de Engenharia do Porto (ISEP), continuou a resolver os exercícios durante a aula através da plataforma Zoom, bem como a mostrar vídeos relacionados com a área de estudo, de forma a captar a atenção dos alunos e tornar a aula mais interativa. A utilização de plataformas de videochamada para lecionar a matéria não lhe é estranha: há alguns anos que o professor permite que os alunos o contactem através do Skype para esclarecer dúvidas. “Às vezes é demasiado demoroso estar a escrever num email como é que se resolve um exercício, ou então tirar uma fotografia de uma resolução e depois explicar o que lá está. Tem mais efeito se eu, ao mesmo tempo, estiver a falar com a pessoa”, clarifica o docente. 

Alguns cursos como Medicina, Engenharia, Desporto ou Artes Plásticas acarretaram problemas acrescidos na adaptação das aulas práticas ao ensino à distância. Na Faculdade de Belas Artes (FBAUP), as aulas práticas continuaram a basear-se na realização dos exercícios propostos, que foram adequados às novas circunstâncias, garante Bárbara Freitas, que ingressou neste atípico ano letivo na Licenciatura em Artes Plásticas da FBAUP. Porém, houve matérias que não foram dadas e algumas cadeiras alteraram os critérios de avaliação, uma vez que os alunos não tinham os materiais nem as ferramentas para realizarem os trabalhos durante o período de confinamento. “Houve exercícios que passaram a ser trabalhos de pesquisa e outros apostaram muito mais na criatividade do aluno do que na qualidade técnica”, explica a estudante. Outras disciplinas foram suspensas, tendo sido retomadas fora do calendário normal.

Luís Pinto, está no segundo ano da licenciatura em Educação Física e Desporto do Instituto Universitário da Maia (ISMAI), curso que adotou uma estratégia de aprendizagem em que os alunos eram professores por um dia e davam a aula, ensinando a maneira correta de se fazer os exercícios das diferentes modalidades desportivas. Para não prejudicar a formação dos seus estudantes, no próximo ano letivo, o ISMAI vai garantir aulas (de carácter opcional) das disciplinas práticas que os alunos tiveram durante os meses de confinamento.

Rodrigo Sousa, aluno do primeiro ano da licenciatura em Engenharia Eletrónica e de Computadores no ISEP refere que os exercícios práticos que antes fazia em laboratórios passaram a ser realizados em simuladores indicados pelos professores. Os simuladores eram de fácil acesso e intuitivos, porém, o aluno sentia que a unidade curricular perdeu a componente prática, uma vez que não fazia os exercícios manualmente e, consequentemente, “não havia muitos dos problemas e defeitos que normalmente se encontram”.

No curso de Medicina, as unidades curriculares que requerem um contacto entre alunos e pacientes foram substituídas por aulas em que eram discutidos casos clínicos. Gonçalo Gomes, no terceiro ano do curdo na FMUP, considera que a solução encontrada “não substitui completamente o contacto com o paciente, que é algo fundamental para a competência de um médico”. O professor da FMUP, Pedro Pereira Rodrigues, esclarece que estão a ser desenvolvidas estratégias para que essa lacuna “não seja um travão para o próximo ano letivo”, mas ainda não pode garantir que os alunos terão acesso às consultas e aos doentes.

Em termos de avaliação, os exames apresentaram uma estrutura similar àquela a que os estudantes já estão habituados. Em algumas faculdades os alunos puderam esclarecer as dúvidas que surgiram durante a realização da prova, pois estavam simultaneamente numa reunião por Zoom. Na possibilidade de haver problemas na submissão do exame, os alunos do ISEP puderam utilizar os computadores da faculdade para realizar a prova. 

Prós e contras do ensino à distância

 

Luís Pinto, estudante de Desporto, tem resposta pronta para o ensino à distância: “não é benéfico”. O aluno justifica-se com o facto de em casa existirem mais distrações, nomeadamente por causa dos familiares, e porque não tem as condições necessárias a uma boa aprendizagem. Já no caso da estudante de artes, Bárbara Freitas diz as aulas online são vantajosas em termos de “adaptação, superação e de estimulação da criatividade”. Contudo, a aluna reconhece que os estudantes não experienciam a vida académica no seu todo, perdendo muitas das oportunidades que marcam esta etapa. A estudante de Belas Artes menciona ainda que “há uma grande importância na relação aluno-professor, na explicação, e em ver as coisas a serem feitas ao vivo, isso perde-se muito [nas aulas à distância]”.

O grau de envolvimento dos professores é um dos fatores mencionados pelos alunos que contribui para o sucesso do ensino à distância. Neste sentido, Rodrigo Sousa realça os docentes que “fazem desenhos e partilham o ecrã”. Para além disso, o facto de certos professores gravarem as aulas permite que os alunos possam revê-las no horário que lhes convém.

Do ponto de vista dos docentes, João Lopes assegura que a aprendizagem foi bem conseguida, mas reconhece que houve falhas. O professor do ISEP aponta que nas aulas online há menos interrupções, tornando “o tempo mais rendoso”, visto que não existem pausas com os alunos que chegam mais tarde. João Lopes considera o ensino à distância vantajoso nas situações de alunos e professores que anteriormente tinham de se deslocar para outras cidades ou países para frequentar a universidade. Pedro Pereira Rodrigues alerta para o facto de que na transição do ensino presencial para a distância “não é muito fácil de perceber se tudo aquilo que deveria ter sido feito foi de facto realizado”. O professor acredita que os próximos anos não vão ser normais e que o prejuízo que a pandemia causou na qualidade da aprendizagem dos alunos “só se vai notar daqui a alguns anos, quando estas competências tiverem de ser colocadas à prova”. O docente de Medicina também menciona como vantagem a maior facilidade para “chegar a um público alvo mais abrangente e potencialmente mais heterogéneo”. Contudo, esta potencialidade também traz consigo dificuldades, nomeadamente no que toca à “adaptação dos conteúdos às necessidades específicas do público alvo”.

João Lopes, do ISEP, confessa como principal desvantagem a falta de contacto com os alunos. Nas aulas por videochamada, a maior parte dos estudantes estavam com a câmara desligada, impossibilitando o professor de observar o feedback dos alunos a partir das suas expressões faciais. Contudo, confessa que não há tantos alunos a participar na aula, algo que o surpreendeu. Para além disso, considera que a resolução ou exposição de um exercício demora mais tempo e é ligeiramente mais difícil. Os professores queixam-se da carga de trabalho acrescida com o ensino à distância, que exigiu um esforço muito maior do que o normal, sendo “humanamente impossível” para os docentes conseguirem realizar mais uma tarefa para além de tudo o que já tinham para fazer. Pedro Pereira Rodrigues alega que, caso a situação se estenda no novo ano letivo, “vai ser preciso novos canais e mais pessoas”.

 

O futuro do ensino à distância

 

Quando questionados sobre a melhor solução para o próximo ano letivo, os alunos e professores apresentam a mesma resposta: na impossibilidade de ser presencial, todos preferem adotar um “modelo híbrido” que concilie as vantagens do ensino à distância e do ensino presencial. As aulas teóricas continuariam a ser lecionadas por videochamada ou aulas gravadas e as aulas práticas seriam realizadas na faculdade, com as devidas medidas de segurança sanitária.

A existência de um curso de literacia digital ou de ações de formação nesta área (tal como as frequentadas pelos docentes do ISEP) é uma ideia defendida por muitos dos alunos que conversaram com o JUP. Bárbara Freitas, estudante de Belas Artes, afirma que “o corpo docente teve muita mais dificuldade em lidar com os programas informáticos do que os alunos, porque o trabalho deles exige muito mais conhecimento da parte técnica e não apenas abrir o link do Zoom. Em algumas situações foram os alunos que auxiliaram os professores na utilização das plataformas online

Pedro Pereira Rodrigues afirma que em relação ao próximo ano “a incerteza ainda é muito grande” e as decisões finais não foram tomadas. O docente aconselha a faculdade a proceder, no início do ano letivo, a um levantamento real das condições dos estudantes, em termos de materiais tecnológicos e infraestruturas, para assegurar as necessidades básicas do ensino à distância. O professor do ISEP, João Lopes, acrescenta que o modelo híbrido seria “uma evolução positiva”, mas defende que as primeiras semanas de aula deveriam ser presenciais para os professores conhecerem os alunos e vice-versa. 

Os estudantes afirmam que gostariam de ter aulas práticas das unidades curriculares do último semestre, por considerarem que há muita coisa que não sabem fazer e que deviam saber, ou por sentirem que a aprendizagem não foi bem conseguida. Nesta lógica, Bárbara Freitas defende que o modo de ensino e o modelo de avaliação “tem de ser revisto”, pois houve professores que tiveram uma “pedagogia melhor do que outros”. A aluna de Artes Plásticas revela ainda que os estudantes sentem falta do ambiente da faculdade que os inspira e motiva, “porque há muita gente a fazer muitos projetos e há muitos estímulos”. Luís Pinto, estudante do ISMAI, encara o problema com outros olhos: “é do futuro de cada um que se trata, então os alunos têm de estar motivados.”

A produtividade e estabilidade dos alunos é uma das bandeiras das lutas estudantis que reclamam junto da Reitoria mais serviços de acompanhamento de estudantes nestas situações, pois trata-se de “uma matéria de foro psicológico, da sanidade mental”, argumenta Gonçalo Gomes. O estudante da FMUP salienta cada vez mais estudos que referem que a síndrome de burnout nos estudantes universitários tem vindo a aumentar. O professor de Medicina, Pedro Pereira Rodrigues, declara que “se o ensino à distância se transformar numa necessidade decorrente, é imprescindível arranjar estratégias de engagement dos estudantes no processo de aprendizagem”. Já João Lopes refere que uma espécie de tutoria a um grupo mais pequeno ou a um único aluno é uma ideia válida, realçando a alta taxa de sucesso.

Em relação à variação do número de estudantes no próximo ano letivo, o professor da FMUP considera que “é uma incógnita completa”, enquanto o docente do ISEP deduz que “vai aumentar a frequência e o número de alunos”. Ambos justificam que  o ensino à distância faz com que os estudantes se sintam mais seguros, pois não têm de se dirigir à cidade do Porto nem dividir um apartamento, realizando apenas deslocamentos pontuais indispensáveis. João Lopes acredita que nestas condições os alunos não vão perder a oportunidade de tirar cursos online e obter um grau académico. Ainda assim, Pedro Pereira Rodrigues frisa que “não é fácil prever o impacto que o ensino à distância vai ter, porque é heterogéneo demais”.

 

João Múrias