Mundo Novo
A cidade confinada. “No entanto, ela move-se”
O JUP saiu do confinamento e desceu até ao coração da Invicta para medir a sua pulsação em tempos de pandemia. Equipados com máscaras cirúrgicas e gel desinfetante, testemunhamos o receio que mina a confiança, a segurança e o à-vontade característicos dos tripeiros.
A estação da Trindade, epicentro dos transportes públicos do Porto, não apresentava o comum rodopio de gente que todos os dias ali se reúne. A loja Andante, com uma fila de pessoas, era o único local que contrastava com o ambiente em redor. Estávamos no início de julho e muitos dos passageiros pretendiam renovar as suas assinaturas mensais e, tal como a equipa do JUP, realizar a sua primeira viagem desde o início da pandemia.
Contudo, nem todas as pessoas puderam estar confinadas. Bruna Rodrigues nunca deixou de utilizar o Metro do Porto, pois esteve sempre a trabalhar e afirma que sanitariamente se sente segura, uma vez que “vê pessoal limpando”. Aliás, Carlos Guimarães, funcionário da empresa que realiza a limpeza da rede de metropolitano do Porto, garante que as estações de metro são limpas diariamente, duas vezes de manhã e duas vezes à tarde, deixando “tudo limpinho”. Por outro lado, Bruna Rodrigues realça que as pessoas nem sempre respeitam o distanciamento social de 1,5 metros dentro das estações e dos veículos da rede de metropolitano da cidade, a não ser se estiver alguém a “instruir.”
Continuamos o nosso percurso pelas principais artérias da cidade e “estacionamos” na praça de táxis da Câmara Municipal. Apesar de uma ligeira intimidação provocada pela câmara fotográfica e pelo gravador, os taxistas aceitaram conversar com o JUP. O setor dos táxis foi prejudicado por uma enorme “quebra”, diz-nos o taxista António Novo. O mesmo afirma que, durante o período mais crítico da pandemia em Portugal, não teve “hipótese” de trabalhar. O taxista ficou em casa aproximadamente dois meses e meio, mas a normalidade do setor ainda não voltou.
Os clientes, segundo António Novo, apresentam algum receio e consciência, tendendo a cumprir as medidas de segurança exigidas “sem obstáculos”. A desinfeção do veículo é feita sempre que se troca de cliente, o uso de máscara é obrigatório e o limite máximo é de dois passageiros, que devem seguir atrás e não ao lado do condutor.
Os custos suplementares são suportados pelos proprietários dos veículos de táxi, como é o caso de Jorge António, somando-se às despesas normais. Como se perderam muitos turistas, a receita diminuiu e a única ajuda estatal aos pequenos empresários foi o layoff. O secretário de Estado da Mobilidade, Eduardo Pinheiro, numa entrevista ao jornal Público, afirmou que para colmatar o impacto da crise neste setor poderá haver uma injeção de capital nas empresas públicas de transporte, deixando de fora os pequenos empresários do setor dos táxis. Assim, subir os preços seria a “machadada final”, sublinha o taxista.
Descemos a avenida dos Aliados e apanhamos a boleia de Manuel Ribeiro, enquanto espera pela hora da próxima carreira. O motorista da Sociedade de Transportes Coletivos do Porto (STCP) confirma que a quebra de passageiros durante os períodos de estado de emergência foi “bastante acentuada”, chegando “a andar com duas ou três pessoas por autocarro”. A transportadora portuense também adotou o plano de contingência aprovado pelo governo: a entrada e saída de passageiros passou a ser realizada, exclusivamente, pela porta traseira do veículo, os assentos mais próximos do condutor foram bloqueados com fitas e um acrílico protegeu o lugar do motorista.
Em relação à retoma da normalidade, Manuel Ribeiro afirma que se verificou um aumento do número de passageiros, nomeadamente a partir das últimas semanas de junho, mas ainda “está longe” do habitual. De forma geral, para o motorista da STCP, “as pessoas têm sido ordeiras” e adaptaram-se rapidamente às regras impostas, que, atualmente, consistem no uso obrigatório de máscaras de proteção individual e no limite de passageiros a dois terços da lotação do veículo.
Já na praça da Liberdade, o som dos veículos motorizados junto da cadeia de restauração de fast-food é uma constante. Braulio da Silva é um dos motoristas da empresa de entregas Uber Eats que, em cima da sua mota, espera por mais um pedido. Este setor é uma exceção na realidade do país, visto que, aparentemente, não registou perdas financeiras no período da pandemia, pois muitas pessoas ficaram em casa e solicitaram comida através destas aplicações, refere o motorista. Ao contrário do restante serviço da restauração, o take-away nunca foi limitado e viu acrescido, no processo de levantamento e entrega de comida ao domicílio, um conjunto de medidas preventivas de higiene que, na opinião de Braulio da Silva, serão úteis mesmo num contexto pós-pandemia.
Próxima paragem: desconfinar
Durante o período de confinamento, a Metro do Porto sofreu uma “redução drástica” do número de passageiros. Ao JUP, Ana Paula Gonçalves, diretora do Gabinete de Ambiente, Segurança e Qualidade da empresa, refere a título de exemplo a diminuição do número de validações de 5.630 milhões em abril de 2019 para 173 validações em abril de 2020 – a validação do título de transporte não era obrigatória neste mês.
A rede de metropolitano da cidade reduziu a oferta, mas a resposta à procura estava salvaguardada. A empresa foi aumentando gradualmente a frequência dos seus serviços e, em meados de julho, os números indicavam “nem 50% da procura relativamente ao período homólogo do ano passado”. Em setembro, de acordo com Ana Paula Gonçalves, a procura está nos 56%.
A administração da empresa afirma que a regra do limite de lotação de dois terços do veículo tem sido respeitada e o seu controlo é feito pelas equipas no terreno ou por um sistema tecnológico, inserido em alguns veículos, que diariamente fazem a contagem do número de passageiros, em especial nas horas de ponta e nas linhas de maior procura. Contudo, o JUP pôde verificar que na hora de ponta da manhã este limite dificilmente é cumprido, pois as carruagens encontram-se sobrelotadas.
O mês de setembro foi preparado com especial atenção, devido ao esperado aumento do número de passageiros, com o regresso às aulas e o fim das férias. Em recentes declarações ao jornal Público, a Metro do Porto confirmou que, entre as 6h e as 20h, em dias úteis, os veículos vão circular em carruagens duplas em todas as linhas da rede.
No entanto, uma coisa é certa para a rede de metropolitano: o aumento do número de carruagens não é possível. Limitações técnicas e de infraestrutura são a justificação. Ainda assim, de acordo com o Público, a empresa procedeu à adaptação de mais de 15 veículos da frota, de modo a ter uma nova disposição com assentos laterais, permitindo o aumento de 10% da capacidade dos veículos. A higienização e a desinfeção dos espaços estão salvaguardadas: os veículos e as estações da rede são desinfetados todos os meses, sendo reforçados semanalmente com uma desinfeção nas zonas de maior contacto (como, por exemplo, puxadores, botões de elevador, barras fixas, máquinas de venda de bilhetes e multibancos), o uso de máscara continuará a ser obrigatório e as ações de sensibilização serão intensificadas.
“O distanciamento social será talvez a questão mais crítica para se manter”, admite a diretora do Gabinete de Ambiente, Segurança e Qualidade da Metro do Porto, pois, se não houver desfasamento de horários, é complicado evitar aglomerados de pessoas nas horas de pico da manhã e do final de tarde. Em relação a um possível aumento do preço dos bilhetes ou dos passes para colmatar o esforço, Ana Paula Gonçalves refere ainda que não está a par do assunto mas considera que “não está sequer equacionado”.
A segurança (sempre) em primeiro lugar
Nos últimos meses, quer a Polícia de Segurança Pública quer a Polícia Municipal do Porto procederam a uma série de ações de sensibilização e de fiscalização para garantirem o cumprimento das normas em vigência, pois “a polícia tem um papel, no âmbito do Estado de Direito, enquanto agente de proteção civil e enquanto entidade que colabora com as autoridades de saúde pública”, refere Marco Almeida, comissário da PSP no Comando Metropolitano do Porto.
Os transportes públicos mereceram mais atenção por parte das entidades oficiais, devido ao progressivo aumento do número de passageiros. Vítor Venâncio, agente da Polícia Municipal do Porto, afirma que não testemunhou nenhum caso em que os passageiros não utilizassem a máscara dentro dos transportes, confirmando que “foi muita” a fiscalização feita. A retoma da atividade era algo muito esperado pelos comerciantes de várias áreas que, de um modo geral, têm obedecido às regras de contingência impostas pelo Governo, tendo sido apenas registadas “situações residuais” de incumprimento. Nesses casos, verificou-se uma “colaboração imediata” dos responsáveis desses estabelecimentos com as forças de autoridade, menciona o comissário.
O levantamento de algumas restrições resultou no ajuntamento de um elevado número de pessoas pelas ruas da cidade. A PSP afirma que “os casos mais recorrentes são de jovens que se juntam na via pública”. Marco Almeida explica que o procedimento definido consiste numa “abordagem pedagógica, no sentido de as pessoas se conformarem e adaptarem às regras. Nas situações em que as pessoas não colaboram, são aplicados autos de contraordenação ao abrigo da legislação, para depois poderem ser eventualmente sancionados com coimas.”
Fazendo um balanço dos últimos meses, Vítor Venâncio afirma que “no Porto, as pessoas portaram-se muito bem”. Ideia corroborada por Marco Almeida: “há uma vontade geral de se querer cumprir as normas, em proteção de toda a comunidade portuense.” O comissário ainda dá como exemplo “de uma enorme responsabilidade o cumprimento coletivo das normas” impostas durante os festejos do S. João.
Combate à violência doméstica
Na conferência diária da DGS de dia 29 de abril, o secretário de Estado da Saúde afirmou que o combate à violência doméstica durante a pandemia da COVID-19 tem de ser uma prioridade. Neste sentido, o Comissário da PSP, Marco Almeida, diz que o coronavírus “não trouxe grandes novidades” no apoio e acompanhamento à vítima de violência doméstica, uma vez que a Polícia, nos últimos anos, tem realizado esse acompanhamento de forma próxima, mas que “implique o mínimo possível a presença física da vítima junto da polícia”.
O comissário garante que “tudo foi desenvolvido com alguma normalidade”, não tendo havido um aumento do número de denúncias de violência doméstica. “Naturalmente, no período de vigência do estado de emergência e durante os estados de calamidade, pelo menos nos momentos mais críticos [de violência], houve menos recurso à polícia”, porém, como há períodos em que o recurso à polícia é maior do que noutros, é possível que as vítimas, com o desconfinamento, se desloquem às esquadras para procederem às denúncias, que antes eram “canalizadas pelos meios eletrónicos”, refere Marco Almeida.
João Múrias e José Tiago Sousa