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EUA vs COVID-19: o isolamento internacional norte-americano como resposta

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Ilustração de Ângela Pereira

As medidas isolacionistas norte-americanas

Devido ao facto de o vírus ter alegadamente surgido em Wuhan, na China, as tensões entre este país e os EUA efervesceram. Donald Trump, presidente dos EUA, tem afirmado por diversas ocasiões que o coronavírus poderia ter sido controlado “na fonte”, sem ter se espalhado tão rapidamente ou causado pandemia, e tem acusado Pequim de atrasar a comunicação de dados cruciais sobre a gravidade do novo coronavírus, que poderiam ter travado a propagação da doença. Por sua vez, o ministro das Relações Exteriores da China, Wang Yi, noticia o Público, alertou que as posições de “certas forças políticas norte-americanas” sobre a origem do novo coronavírus estão a colocar os dois países “à beira de uma nova Guerra Fria”. Note-se que a tensão entre Pequim e Washington não é nova, uma vez que tem aumentado nos últimos anos, com a guerra comercial iniciada pelo Governo Trump com as sobretaxas alfandegárias. Verifica-se, de igual modo, um crescimento de conflitos entre os EUA e o Irão. Morteza Damanpak Jami, embaixador do Irão em Lisboa, declarou à RTP que “Teerão tem tido dificuldades no combate à pandemia devido às sanções norte-americanas contra o país”, acusando os Estados Unidos de usarem o coronavírus como “uma alavanca de pressão política”, com o objetivo final de “derrubar a República Islâmica”. Uma das decisões mais polémicas e impactantes a nível mundial tomada pelos EUA foi a sua saída da Organização Mundial de Saúde (OMS), anunciada a 29 de maio. Trump, que já tinha ameaçado, em abril, cortar o financiamento da OMS, vincando as diferenças contributivas face à China, defende que vai redirecionar os fundos atribuídos à organização para outras necessidades de saúde pública. Apesar de afirmar que a sua contribuição financeira é superior a qualquer outro Estado-membro, o presidente norte-americano defende que é o governo de Xi Jinping que controla a Organização Mundial da Saúde, sendo isto mais um dos motivos que o incentivou a sair da organização com o papel mais importante na conjuntura atual. No final do mês de junho, os EUA compraram quase todo o stock de Remdesivir, que corresponde a mais de 500 mil doses do medicamento, ou seja, quase a totalidade da produção nos próximos três meses. A biofarmacêutica Gilead vendeu aos EUA 100% da sua produção prevista para julho (94.200 doses), 90% da sua produção em agosto (174.900 doses), e 90% da sua produção em setembro (232.800 doses). Este medicamento tem sido inovador no tratamento da COVID-19, pois reduz o tempo de recuperação da infeção nos casos graves. Esta compra é mais um sinal do unilateralismo americano e uma consequência, segundo os especialistas, do funcionamento do mercado livre no acesso a medicamentos e vacinas, prejudicando os países mais pobres.  

 

Reações dos líderes da UE e da ONU

Estas ações dos Estados Unidos também já foram alvo de críticas pela Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, a qual reitera que “no que diz respeito ao combate à pandemia, não há lugar para ‘eu primeiro’”. Por sua vez, no início de junho, o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, numa mensagem em vídeo, afirmou que “a COVID-19 a maior crise de saúde pública da nossa geração” e que “é necessário trabalharmos em conjunto para desenvolver uma vacina”. Acrescenta ainda que é preciso “solidariedade global para garantir que todas as pessoas lhe têm acesso. A vacina para a COVID-19 deve ser vista como bem público mundial – uma vacina do povo, como cada vez mais líderes mundiais apelam”, disse Guterres.

 

Qual o futuro da política externa dos EUA?

Segundo esta análise, pode prever-se que o número de casos e mortes por COVID-19 continue a aumentar no território norte-americano e que, consequentemente, os EUA mantenham a sua postura isolacionista no futuro próximo. Tal poderá mudar se Donald Trump for retirado da Casa Branca através dos votos dos eleitores norte-americanos nas eleições presidenciais que terão lugar em novembro deste ano. 

De acordo com Diana Soller, investigadora no Instituto Português de Relações Internacionais, em entrevista concedida à Rádio Renascença, “Trump partia com grande vantagem, mas a gestão da crise pode mudar a perceção norte-americana da sua liderança”. Por outras palavras, se Joe Biden, candidato do partido democrata e vice-presidente no mandato de Barack Obama, ganhar as próximas eleições, poder-se-á testemunhar uma mudança na relação da América com o mundo, com o regresso do multilateralismo praticado pelo antigo presidente. Assim, tal como afirma Soller, “o resultado das eleições norte-americanas vai ser central na ordem internacional pós-coronavírus e nos anos que se avizinham. Trump tenderá a isolar-se, Biden a exercer liderança internacional”. Luís Tomé, diretor do departamento de Relações Internacionais da Universidade Autónoma de Lisboa, partilha da mesma avaliação que Soller, defendendo que “é quase certo que esta pandemia venha a ter profundas repercussões na ordem internacional”. Segundo este especialista, haverá uma tendência para que o reordenamento geopolítico mundial seja favorável à China: “Pequim começou a controlar a epidemia ao mesmo tempo que noutros países e regiões, com destaque para a Europa e, entretanto, os EUA, a pandemia alastrou, expondo a negligência e a impreparação dos respetivos sistemas e lideranças, de uma forma ainda mais grave e evidente do que na China.” Victor Angelo, antigo alto quadro das Nações Unidas, preocupa-se também com a competição pela hegemonia entre a China e os Estados Unidos. Em declarações ao DN, afirma que “essa disputa acentuar-se-á e marcará de modo determinante a agenda das relações internacionais”. A China já entrou num período de recuperação económica e política, enquanto os Estados Unidos se afundam na crise e se emaranham numa resposta caótica.

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