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Ciência e Saúde

Pedro Graça: “Os nutricionistas deveriam ser protagonistas nas equipas interdisciplinares que atuam sobre os doentes”

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Desde 1997 que é docente da FCNAUP. Na sua opinião a faculdade foi prejudicada ou desvalorizada ao longo dos anos por não ter uma “casa própria”?

Foi na medida em que uma “casa própria” representa o valor, de um modo geral, que a UP e a cidade dão às suas instituições. Sendo a Universidade do Porto pioneira, a nível nacional, na formação na área da nutrição, podia-se ter tirado partido dessa diferenciação. Apesar disto, a FCNAUP conseguiu equilibrar a ausência de instalações próprias com outras valências em que se desenvolveram bastantes trabalhos. Por sermos uma faculdade pequena, temos uma elevada proximidade com os estudantes, o que leva a uma excelente qualidade pedagógica, referida nos questionários que os mesmos preenchem.

Passados dois anos de ter assumido o cargo de diretor da FCNAUP, como é ter finalmente instalações próprias?

Sendo a nossa faculdade de nutrição, e sendo a alimentação inadequada a principal responsável pela perda de anos de vida com qualidade dos portugueses, podemos servir muito a comunidade. As instalações próprias podem ajudar. Esta crise económica fortíssima que se avizinha, relacionada com a pandemia que vivemos, vai obrigar as sociedades a prestar uma atenção muito especial à insegurança alimentar e ao risco das pessoas não terem dinheiro para comprar os alimentos que gostariam, ou, pelo menos, os alimentos que lhes poderiam fornecer uma alimentação de qualidade e saudável. Nesse aspeto, o papel da UP, através da FCNAUP, pode ser muito importante. Creio que a UP, tendo instituições de altíssima qualidade tanto na área da nutrição como na área do desporto, devia estar plenamente envolvida na oferta de qualidade de vida aos nossos estudantes. Adicionalmente, a alimentação, o ato de comer e aquilo que gravita à volta da comida tem uma componente cultural muito forte. Sendo a universidade multicultural, já que recebe estudantes do mundo inteiro, a alimentação dos portugueses deveria ser um cartão de visita da nossa cultura. Ou seja, a UP devia proporcionar o conhecimento tanto da língua portuguesa como da comida portuguesa, que é um fator identitário do povo.

Qual o papel e a importância dos nutricionistas para a comunidade? Todos deveríamos ser acompanhados por um?

Os nutricionistas deveriam ser protagonistas nas equipas interdisciplinares que atuam sobre os doentes, já que a alimentação é um fator determinante da nossa saúde. A maior parte das doenças que hoje afetam os portugueses e consomem muitos recursos do Serviço Nacional de Saúde (SNS) têm quase todas a alimentação como possível fator de prevenção e evolução, como a obesidade, a diabetes, a hipertensão e determinados cancros. Os nutricionistas são essenciais, mas infelizmente não têm tido o protagonismo que merecem.

Na sua opinião, as redes sociais podem ser vantajosas a nível da divulgação de hábitos nutricionais corretos? 

Podem, mas atualmente não o são porque a comida de má qualidade, geralmente, tem muito mais dinheiro para se promover do que a de boa qualidade, já que a primeira gera mais lucros. A área da nutrição é uma das áreas da saúde mais instrumentalizada pelas redes sociais, o que é um problema pois a indústria alimentar utiliza os que mais influência têm, mesmo que não tenham o conhecimento necessário para o fazer, para chegar às pessoas. 

Para além de devermos seguir uma dieta variada e equilibrada, o que é necessário para que uma pessoa possa ser considerada saudável?

A saúde tem vários domínios, como a alimentação, a atividade física e a parte psicológica. Estes são os três eixos determinantes do bem-estar e da saúde de uma pessoa. A missão da UP deve ser ensinar, fazer com que as pessoas que passam por cá tenham sentidos cívico e ético elevados e saibam cuidar de si próprias. Isto trata-se de um processo de aprendizagem, que também o é a nível alimentar. Se a UP tem na sua estrutura uma das faculdades dedicadas exclusivamente à nutrição, faz sentido que essa diferenciação se irradie a todos os estudantes. Precisamos de pessoas bem formadas e saudáveis que estejam conscientes do que podem fazer para se manter com bem-estar e saúde.

Em que se baseia a dieta mediterrânica? 

Para se conhecer a dieta convido todos a visitarem o jardim mediterrânico, em frente à faculdade, que apresenta diversas plantas mediterrânicas que se adaptaram ao nosso clima. É um padrão alimentar que foi construído ao longo de muitos séculos e que resulta de uma adaptação entre o homem e o meio ambiente. E porquê mediterrânica? Porque houve condições ao longo do mediterrâneo para um conjunto de espécies animais e vegetais crescerem ao mesmo tempo. Essa simultaneidade de características fez com que o investigador Ancel Keys, nos anos 50 e 60, apelidasse a dieta de mediterrânica devido à observação de populações da orla mediterrânica que tinham modos de alimentação semelhantes. Uma alimentação de base vegetal, com o azeite como gordura principal, onde se consumem pequenas quantidades de carne e se recorre frequentemente a produtos sazonais e frescos. Caracteriza-se ainda pela utilização de uma culinária protetora com o uso abundante de água, pois perdem-se menos nutrientes e criam-se menos compostos tóxicos. É património imaterial da UNESCO, ou seja, é um património de conhecimento transmitido ao longo dos anos de geração em geração. A UP e a FCNAUP têm um trabalho quase pioneiro a defender esta dieta, apesar de se situarem no Norte. A roda da alimentação mediterrânica – uma adaptação da roda dos alimentos – foi produzida pela nossa faculdade.

Dadas as circunstâncias atuais, que vantagens pode ter a dieta mediterrânica na prevenção da evolução da COVID-19?

A dieta tem na sua composição compostos com capacidade antioxidante e anti-inflamatória. A COVID-19 ataca mais violentamente pessoas que sofrem de algum processo inflamatório, mesmo que ligeiro. Ao reunir uma quantidade de substâncias anti-inflamatórias consideráveis, este tipo de dieta acaba por poder ser um fator que pode contribuir para evitar o exacerbar da doença.

Foi curador e moderador na conferência “Dieta Mediterrânica à Portuguesa”. O que retira da conferência?

Retiro 4 coisas fundamentais. Participação ativa de investigadores e docentes da UP, FCUP e FCNAUP, que demostraram ser os melhores na área a pensar neste assunto, o que considero ser um motivo de orgulho. Possibilidade de organização de um congresso de elevadíssimo sucesso através de meios digitais, online, que teve 3500 inscrições tornando o congresso um dos mais, senão o mais, participado do ano na área da nutrição. O feedback de quem assistiu foi bastante positivo: as pessoas sentiram-se como se estivessem na sala. Isto pode alterar o modelo dos congressos em Portugal nos próximos tempos, apesar de faltar o networking. A passagem de informação foi eficiente e, para além disso, ficou tudo gravado no YouTube, o que permite a qualquer pessoa assistir, o que não acontecia noutro formato. A realização de uma parceria entre a academia, a Direção-Geral da Saúde (DGS) e o município de Lisboa (instituições públicas) e a Jerónimo Martins (instituição privada), que veio provar que com transparência, rigor e honestidade são possíveis estas parcerias público-privadas que trazem benefícios para ambas as partes. E o prazer e possibilidade de produzir materiais gráficos de alta qualidade científica e artística. Materiais que perduram muito alem daquilo que é o tempo efémero de uma conferência.

Considera que o consumo de açúcar é um hábito demasiado recorrente nas crianças e jovens atualmente?

Não vejo, neste momento, qualquer razão para o consumo de açúcar diário. Em muitos casos, o açúcar adicionado a alguns alimentos, que no passado era um conservante, tornou-se um fator de prazer sensorial para o consumidor que não apresenta qualquer valor nutricional. Não há qualquer vantagem para além do prazer sensorial em consumir um refrigerante (água, açúcar e caramelo).

Como podem, tanto a FCNAUP como a UP, sensibilizar os estudantes para a problemática do desperdício alimentar?

Nos últimos anos, há um aumento da consciência ambiental por parte de muitos dos nossos estudantes. Se eles pensarem que o consumo alimentar, que vai desde a produção até o deitar ao lixo, é um dos fatores que mais contribuiu para a emissão de gases de efeito de estufa (GEE) e para a degradação ambiental, são as nossas escolhas alimentares que vão determinar o que acontece. Acho que as pessoas devem usar a sua cultura culinária e alimentar em prol da proteção ambiental. Podemos, por exemplo, em vez de comprar alimentos importados, que viajam milhares de quilómetros, comprar produtos locais; em dias que se confecionem quantidades de comida a mais, saber usar o que sobrou para confecionar outro prato; e substituir dois vezes por semana o consumo de carne por proteína vegetal.

O que acha do consumo de bebidas alcoólicas ao nível académico?

A universidade, para além de dever ensinar a comer, também tem obrigação de ensinar a beber. Hoje sabemos que o consumo excessivo de álcool é um dos maiores problemas de saúde que atinge as pessoas entre os 18 e os 25 anos. Nomeadamente, aumenta o risco de acidentes rodoviários, relações sexuais desprotegidas, violência doméstica e dependência. Acima de tudo devemos ter uma atitude preventiva e um código de ética na universidade para definir se é ou não permitido que as empresas que vendem bebidas alcoólicas patrocinem as atividades académicas. 

Como diretor e professor da FCNAUP, gostaria de deixar alguma mensagem ou conselho a nível nutricional aos alunos da UP?

Aproveitem o tempo que são obrigados a estar em casa para melhorar as vossas competências de comer bem. O vosso corpo e saúde vão agradecer-vos daqui a uns anos.

 

Artigo elaborado por Maria Teresa Martins.