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Desporto

Maria Joana Carvalho: “No confinamento começámos a perceber que somos muito inativos”

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Uma questão muito relevante, mesmo antes da pandemia, é a valorização do desporto no feminino. No que toca à valorização das atletas e o investimento feito nelas, o que é que está aqui a faltar? Qual o impacto que esta desvalorização tem nas atletas amadoras que, ao ver este cenário, não sentem ter possibilidade de seguir o desporto como carreira a tempo inteiro?

Nós estamos a caminhar, embora a passinhos muito pequeninos, em relação ao desporto feminino. Apontar dedos não vale a pena. O que vale apontar é que é uma questão cultural. No exemplo do futebol, a seleção brasileira feminina tem tido um sucesso fantástico e as condições são completamente diferentes para os colegas masculinos. Nas outras modalidades isto pode não ser tão visível, mas existe sempre. Claro que estas disparidades têm vindo a diminuir e para isso têm vindo a contribuir muitas pessoas que estão viradas especificamente para esta área da desigualdade de género em termos do desporto federado. Dou-lhe um exemplo: a minha filha jogava basquetebol e a certa altura as instalações não davam para todos. Qual foi a equipa que terminou? A feminina. Mesmo num grande clube da cidade.

Em relação ao desporto universitário, apesar de tudo, na U. Porto tentamos ao máximo garantir oportunidades para todos. Temos mais de 40 modalidades para que toda a gente tenha acesso. Mais, as competições têm de ter obrigatoriamente um campeonato masculino e feminino. Isso é exatamente para tentar que o desporto feminino cresça. Mesmo assim há mais participação masculina. Por outro lado, a UP tem também o programa o UPfit, que abre muito a porta para que pelo menos o sexo feminino possa praticar outros tipos de modalidades que tenham mais a ver com os seus interesses. Se me diz que é uma questão cultural ou não, também pode ser. Digo-lhe quando era pequena queria ir para o futebol e não me deixaram. Só havia uma equipa, que era o Boavista. Hoje em dia já há outras.

Temos algumas modalidades mais apreciadas e apoiadas pelo público e outras que não recebem o mesmo apoio. Devido à pandemia, há modalidades que, embora tenham sucesso além-fronteiras, como por exemplo o caso do andebol, vão sofrer muito em termos daquilo que as equipas estão prontas a investir e o quanto a federação pode fazer para conter danos. De que forma pode isto impactar os atletas da academia e o desporto na academia em geral?

Há um ano ninguém imaginava que isto ia acontecer e de repente tivemos de nos ajustar. O impacto inicial foi pior, mas agora acho que temos de tentar o mais possível voltar à normalidade. É isso que estamos a tentar fazer. Por exemplo, nos Campeonatos Académicos do Porto (CAP), só podemos voltar à normalidade com segurança, senão não faz sentido voltar à normalidade. Isto vai ter um impacto quer a nível federado quer a nível da academia. Nós já tivemos uma reunião com a Federação Académica do Porto e com o Instituto Politécnico do Porto no sentido de ver quando é que conseguimos voltar à normalidade, sendo que é certo que primeiro temos de ter segurança, portanto existir algum impacto. Estamos a tentar minimizá-lo o mais possível e acho que muitas vezes com os treinos online, não é a mesma coisa, até porque não temos o contacto com colegas. A preparação física, por exemplo, pode e deve ser trabalhada. À distância, pelo menos, vamos tentando juntar equipa e fazer esses treinos. Nós tivemos treinos específicos virados para a corrida. Houve muitas federações no confinamento que entraram em contacto connosco para nós tentarmos dar via online esse tipo de treinos. 

E as modalidades são para ser mantidas?

As modalidades são para ser mantidas completamente. A esperança será a última a morrer.

Com esta pausa nos CAP, quais foram e têm sido as maiores dificuldades para a reitoria, bem como para as faculdades e o Centro Desportivo da Universidade do Porto (CDUP)? 

Neste momento estamos em stand-by até sentirmos que temos condições de segurança. O desporto universitário tem um convívio fora da competição e tudo isso depois tem de ser pensado e assegurado. Faz parte. As equipas vão todas numa camioneta em contacto. Só isso  aumenta o risco. Modéstia à parte, o desporto na UP comportou-se muito bem. Fomos obrigados a estar em confinamento e passados dois dias começamos a expor conteúdo gratuitamente para toda a comunidade. Não só para a nossa, mas também para fazer serviço público, precisamente porque durante o confinamento entendemos que as pessoas estavam a precisar de um bocadinho de carinho e a precisarem de estar mais ativas. 

Colocamos imensos vídeos de variadas modalidades para as pessoas optarem, desde yoga até à musculação, a circuit training e zumba. Começamos com aulas síncronas e assíncronas, ou seja, vídeos que as pessoas pudessem ir lá buscar quando quisessem e por Zoom. Posso-lhe dizer que foi um sucesso. Tivemos mais de um milhão de visualizações, o que é fabuloso. Para além disso tivemos aulas específicas de treino, dicas nutricionais, pois durante o confinamento é consumida muita comida e às vezes de pouca qualidade. Foi mesmo muito bom. Penso que numa altura muito má conseguimos dar a volta por cima. Depois progressivamente, consoante nos fosse permitido utilizar os espaços cá fora, viemos para o outdoor, em grupos pequenos e por marcação, nos espaços perto da Asprela e perto da Faculdade de Ciências. Fizemos muitas aulas outdoor e progressivamente, à medida da evolução positiva, já conseguimos abrir as nossas instalações com todas as regras e mais algumas.

A UP não tem obrigação de levar estas ideias para fora da academia, mas fê-lo indo para além dos alunos e das suas famílias.

Penso que a U. Porto, sendo uma instituição da cidade, e de formação de educação, tem aqui uma componente cívica importante. O desporto tem de ser para todos. Aliás, uma das coisas que temos estado a tentar fazer é termos finalmente o Estádio Universitário acessível aos clubes da cidade e associações desportivas. Queremos que as pessoas da cidade o utilizem, queremos que seja um espaço vivo. Todas as nossas instalações, mesmo o programa UPFit é aberto a externos. Os nossos estudantes têm um preço privilegiado, mas sim, quisemos mesmo cumprir o nosso papel social, não nos ficarmos só pela comunidade UP. 

 

A atividade física é muitas vezes desvalorizada, especialmente no caso dos jovens que ingressam agora na universidade e passam de ter uma disciplina que os leva a fazer exercício para uma visão facultativa e de auto-organização, que acaba por aumentar a sedentariedade nessa faixa etária.

É uma preocupação que a UP tem muito. Aliás, o seu plano estratégico é esse: promover a atividade física, não olhando apenas para a parte competitiva, que também é importante, mas também olhar muito para uma parte do desporto como lazer, de desporto para todos. Um dos nossos focos principais são os caloiros, porque eles vêm de um ensino em que é obrigatório e de repente chegam aqui e é facultativo. Portanto, ou nós tornamos atrativas as atividades físicas e desportivas ou eles não vão querer. Se juntar a isso a alteração de residência, a alteração de responsabilidades, é muito estimulo ao mesmo tempo e muitas vezes de facto o desporto e a atividade física sai aqui prejudicada. Temos mesmo essa preocupação com o estilo de vida e particularmente com essa transição que normalmente é muito mal feita. O exercício, para além de contribuir positivamente para a saúde, inclusive saúde mental, contribui para bons resultados académicos. A missão do desporto na UP é que todos praticassem qualquer atividade física ou desportiva.

Apesar da larga oferta da UP neste âmbito aos alunos, como o caso do UPFit, muitos não sabem sequer da existência destas possibilidades. Sente que podem estar a falhar vias de comunicação com os alunos?

Quando falava anteriormente de campanhas de divulgação, é precisamente isso que íamos e vamos fazer. O UPFit para os estudantes é muito barato e têm condições fantásticas para que possam praticar, com instrutores bastante qualificados, muito preocupados, que fazem plano de treino. Portanto temos um tratamento diferente e barato, temos é que passar à fase que íamos passar mesmo com a “pausa ativa” estudante, que tem também outra tarefa: divulgar os nossos serviços e incentivá-los à prática. Quando vemos que eles não estão muito motivados para a prática, temos de lhes mostrar e motivá-los e depois divulgar os serviços.

Sente que na época do confinamento possa ter existido, por um lado o aumento da sedentariedade, mas por outro uma maior valorização do exercício, de nos mexermos devido à quantidade de tempo que passamos em casa parados?

Estou cem por cento de acordo com isso. O confinamento leva as pessoas a ficarem muito sedentárias, mas também fez ganhar consciência de que nós somos muito sedentários no nosso dia-a-dia quando estamos em casa. Por isso, as pessoas procuraram – e o programa do UPFit em casa contribuiu muito para isso – estar mais ativas de alguma forma. Nunca vi tanta gente a correr como no tempo de confinamento. O confinamento foi um estímulo. Gosto de ver as coisas por um lado positivo. Isto no global foi algo negativo, mas teve as suas pequenas partes positivas. Teve duas coisas: mostrar-nos que afinal o digital é fundamental, para nos aproximar e fazermos coisas que de outra coisa não conseguiríamos e para nos mostrar que em casa somos muito sedentários, que queremos e precisamos de atividade física. Muita gente começou a praticar e nós tivemos muitas novas inscrições no programa UPFit.

O CDUP está desde o início do ano académico a retomar a sua atividade. Quais estão a ser as grandes dificuldades?

A maior dificuldade penso que é a redução a 20 pessoas que nos permitem em cada aula, mas é necessário por uma questão de segurança. Temos que reduzir o número, garantir as máscaras, o gel, garantir horários que permitam a desinfeção. No fundo, reduziu-nos o número de pessoas, sessões e alterou o horário. Outra dificuldade acaba por ser a marcação para garantir o tal número máximo de pessoas. Para quem frequenta é sempre o mais complicado. Mas, por outro lado, tenho a garantia da segurança e da confiança das pessoas. Elas sentem-se seguras e confiantes em ir às instalações do CDUP. 

Acredita que a população pode, deste momento onde nos vimos forçados à clausura, com tanto tempo e sem muito poder fazer, adotar hábitos mais saudáveis?

É como disse, no confinamento começamos a perceber que somos muito inativos. Então dentro de casa somos mesmo muito inativos. Devíamos fazer cerca de 30 minutos de exercício moderado por dia, ou pelo menos cinco vezes por semana. 30 minutos que muitas vezes não fazemos. As pessoas tomaram consciência e penso que esta é a nossa missão e visão, que tenham um estilo de vida mais ativo, que façam exercício físico, mas que esse exercício lhes permita ser mais ativos no dia-a-dia.

Se conseguimos influenciar nesta idade [universitária], que é uma idade de mudança de comportamentos, nós conseguimos mudar esse comportamento ao longo de toda a vida, porque se gostarem de fazer desporto agora, vão gostar de o fazer ao longo da vida.