Cultura
Estudar artes: Lá fora, o mundo é sempre novo?
Em Portugal há um certo receio, não em educar artes, mas em educar para ser artista. “É perigoso” – ouvem os jovens, repetidamente. É perigoso porque, culturalmente, a cultura é desvalorizada e, consequentemente, o futuro é incerto. Ao longo de todo o percurso escolar tentam convencer os alunos que “ir para ciências ou engenharia tem muito mais saída” – revela Luana Carneiro, que, cansada destes discursos e com vontade de criar sem hesitações, com apenas 18 anos, rumou a Southampton, em Inglaterra, para estudar Acting and Performance.
No entanto, o medo, a falta de maturidade ou de condições financeiras nem sempre permitem uma mudança tão radical. Tomás Machado afirma, seguro de si, que, atualmente, “há dificuldade em arranjar emprego em todas as áreas. Por isso, o melhor é sermos felizes no que decidimos fazer.” O bailarino, de 20 anos, apostou na única escola superior de dança do país, em Lisboa, e vinca que, para os planos vingarem, é preciso confiança: “nunca tive medo de explorar esta área, porque, desde miúdo, demonstrei querer fazer e saber fazer”.
A felicidade pesa mais que qualquer outra incógnita da equação. E, embora a crítica ao setor cultural seja evidente e a sensação de discriminação artística seja incontornável, há jovens artistas que não se veem noutra casa que não Portugal, confiando no leque de oportunidades disponível. “No que toca à aprendizagem do meu instrumento, a meu ver, tenho um dos melhores professores cá”, afirma Alexandra Mendes, que estuda Música, Performance da Viola d’arco, na Universidade de Aveiro. A estudante não apenas evitou o além-fronteiras como fugiu aos dois maiores pólos universitários do país, porque foi precisamente à procura da melhor opção.
«MÃE, PAI…VOU EMBORA»
Dos que partem, há dois tipos: os que partem para voar e os que partem para trazer. Sabendo que os que partem para trazer pretendem aproveitar – o máximo possível – o voo.
Sara Monteiro foi estudar cinema, para Londres, e, apesar de ainda só ter um ano dessa “vida nova”, já assegura que “voltar, depois de saber o que é estar lá fora, é quase um downgrade.” Apesar das boas memórias e de deixar para trás a família e todo o grupo de amigos que a apoiaram e viram crescer, a futura argumentista sabe que, neste momento, se quer aventurar, experimentar e explorar. Está com sede de projetos e não se imagina a cumpri-los no seu país, porque “Portugal parece que estagna” quando se vai embora. Ao contrário de si que, quando regressa, vem sempre “com novas experiências e novas histórias para contar. Mas em Portugal, está tudo igual”.
O fraco ou nulo financiamento dos projetos – em especial, dos projetos com menor visibilidade – e a dificuldade em ingressar num grupo ou companhia – onde se verificam os mil cães a um osso – fazem a utopia tropeçar na realidade. Sara Teixeira ingressou no Royal Conservatoire of Antwerp, na Bélgica, numa tentativa de responder à portuguesa questão “como é que vais ganhar a vida a fazer isso?”. Entre iniciativas independentes, invenções do próprio trabalho e o sonho de andar a dançar com “os grandes”, a bailarina prevê que “ao longo destes três anos, as minhas ideias vão-me mudar: enquanto pessoa, e enquanto artista.” E, aproveitando cada momento e cada volta da vida, pondera voltar “se tiver uma proposta de trabalho que me dê valor, e que acrescente algo à minha carreira”.
De um lado diferente da moeda – e também de uma área artística distinta – Eduardo Romão sabe que quer voltar. Cresceu a experimentar e a aprender diferentes matérias artísticas e, na altura de se candidatar ao Ensino Superior, mudou-se para Turim, para se especializar em Design de Transportes – depois de três anos de secundário a explorar o mundo do design. “Itália é muito fixe, mas não é Portugal”, adianta. Não nega que é uma mentalidade avançada, um ensino especializado que nunca encontraria perto de casa e uma disponibilidade de recursos “de sonho”. Mas, acima das oportunidades, está a vontade de voltar para a segurança e conforto da família e dos amigos: “cá também há oportunidades de trabalho muito interessantes, e com a formação que vou trazer, não estou sequer preocupado em arranjar uma boa posição”.
«MAS O QUE É QUE FAZES, A SÉRIO?»
Há quem nasça artista porque nasceu no meio deles, e há quem nasça artista porque alimentou um dentro de si. Em todo o caso, a determinado momento, descobre-se que “ser artista não é uma profissão, é um estilo de vida” – tal como recorda Paulo Morais, aluno de Interpretação na Escola Superior de Música e Artes do Espetáculo, no Porto. O ator ouviu o ensinamento numa aula e fez por não se esquecer dele – porque é importante não esquecer que ser artista é ter a profissão e a rotina fundidos, intrinsecamente. E saber que essa sincronização vai influenciar (ou ditar) escolhas e possibilidades – de férias, de família, de disponibilidade mental. Mas quando se quer, quer-se, mais que tudo, “quer seja para ser num palco, numa sala de ensaios, na Rua de Santa Catarina, num espaço não-convencional, ou no espelho de minha casa”.
A “Sociedade de Espetáculo” dos dias de hoje consome cultura – e gosta de consumir, de discutir e de lhe prestar atenção. Dar-lhe crédito, porém, é um assunto mais complexo. “As pessoas à minha volta sempre tiveram muita curiosidade sobre o meu percurso, e fazem muitas perguntas”, recorda o bailarino, Tomás Machado. No entanto, em muitos casos, quando deixa de ser hobby e passa a querer ser um sustento, torna-se uma preocupação para a família. Fábio Fernandes está há seis anos em Londres a estudar guitarra clássica, na Guildhall School, e acredita que o segredo para pôr fim à descrença nos futuros artistas “está em desenvolver uma educação e tradição de apego, interesse, curiosidade e respeito pela cultura”. A criatividade que cicatriza a infância – e que é vital num percurso artístico – desvanece, em muitos casos, perante um regime académico demasiado regrado e uniformizado. Sara Monteiro, a estudante de cinema, lembra-se de “virar do avesso” todos os projetos da escola só para conseguir ir buscar a parte criativa – “porque, lá está: queria sempre fazer um filme”. Mas este estímulo interior não só não é fácil de manter, como nem sempre é bem-vindo. O guitarrista, Fábio Fernandes, acrescenta que, academicamente, as propostas deveriam ter mais potencial futuro e “gerar uma atitude para que se transcenda o contexto escolar. Eu cresci imenso com todos os projetos a que me dediquei completamente”.
«QUANDO FOR GRANDE QUERO SER FELIZ»
Em doze anos de escola, muitos não sobem a um palco, não pegam numa câmara, não libertam o corpo ou a voz ao som de uma música. Porém, quase todos rabiscam, de véspera, no diário visual e ganham o medo à flauta. E todos, sem exceção, sabem que um exame de matemática conta para o ranking, mas não saber o nome de nenhum dramaturgo não gera polémica. Carlos Silva optou por Engenharia Eletrotécnica e de Computadores, no Instituto Superior de Engenharia do Porto, embora, na época das decisões, o que lhe “vinha mais ao coração era Teatro-Circo, no Chapitô.” Mas a engenharia aliou-se à segurança, e nunca impediu que se fossem “lançando umas bolas”.
O país está a perder artistas, porque os assusta. Mas uma coisa é certa: um artista é sempre artista, quer estude artes, quer viva delas, quer as desenhe só na cabeça. Carlos aspira ao dia em que pode finalmente arregaçar mangas num “projeto que misture eletrotecnia com artes”. Alexandra Mendes, a jovem da música, não descarta tirar outro curso a seguir: “não por deixar de gostar deste, mas por gostar de tantos outros, e todos se complementarem tão bem”. E pesando na balança o medo com a felicidade, e a instabilidade com a adrenalina, verte-se tudo para a mesma vida e, no fim, “tudo isto só dá mais vontade para trabalhar. Para andar para a frente, e não ficar à espera que as coisas aconteçam”, confessa Luana Carneiro, a intérprete, expectante e animada.
Em casa, noutra cidade, ou noutro país, os jovens artistas portugueses olham para o mundo com uma atenção crítica, que caracteriza a geração, e pedem gosto, por parte de quem manda e distribui os recursos destinados às artes. Mais do que isso: pedem recursos destinados às artes. Portugueses em Portugal, ou portugueses noutro canto qualquer, levam, orgulhosamente, uma cultura autêntica e uma mentalidade artística que é “uma arma, carregada de futuro”.