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eSports: Competição à medida da quarentena

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Desde que a pandemia chegou em força à Europa, a incerteza reinou em praticamente todos os desportos, com fãs de futebol, basquetebol, entre outros, a verem as competições suspensas até informação futura, sem certezas relativas à conclusão das respetivas temporadas. No caso da Liga NOS, o regresso aconteceu apenas em junho, enquanto as restantes modalidades deram por terminada a época de forma precoce e dedicaram-se deste então à preparação para o regresso.

Todavia, a nível nacional e internacional, um desporto manteve-se em constante atividade e sem grandes alterações: o desporto eletrónico ou, como é mais conhecido, os eSports. Nesta vertente, League of Legends (LOL) e Counter-Strike: Global Offensive (CS) são dois dos videojogos mais populares da atualidade e nem a pandemia alterou esse panorama.

Na competição profissional de CS, o primeiro Major do ano – o equivalente a um Grand Slam no ténis – estava planeado para o mês de maio, no Rio de Janeiro. A expectativa do público brasileiro era altíssima, uma vez que seria a primeira vez que a grande competição se deslocava até à América do Sul, com o Brasil a ser uma das maiores comunidades de CS do globo. 

Cedo se percebeu que tal não seria possível, à medida que o Brasil se tornou num dos países mais afetados pela COVID-19. A competição foi por isso adiada para novembro, o que levou ao cancelamento do segundo Major do ano. Ainda assim, devido à situação atual no Brasil, em setembro, a organizadora, bem como a Valve, produtora do jogo, entenderam que não existiam condições para realizar o torneio em novembro. Desta forma, pela primeira vez desde 2013 não haverá uma edição da principal prova de CS.

Nuno Moutinho. Gamepedia

O mesmo receio recaiu sobre o Mundial de LOL. Contudo, apesar destes receios futuros e a impossibilidade de encher arenas, o presente deste desporto está assegurado e as competições prosseguem online com a normalidade possível. O apuramento para o Mundial de ambos continua a ser disputado, com as transmissões gratuitas na plataforma de streaming Twitch a gerar números acima daquilo que é habitual. 

No panorama nacional, tanto a Liga Portuguesa de LOL como a Master League (uma competição à parte da Liga) de CS continuaram e já foram, entretanto, concluídas. A RTP Arena, canal que transmite a Liga portuguesa de CS, também registou um recorde de espectadores durante a quarentena, com milhares de portugueses a colarem-se ao monitor para ver a final do campeonato de CS que ditou a vitória dos favoritos SAW frente aos Vodafone Giants.

Em declarações ao JUP, João Cício, Managing Director da Inygon, organizadora da LPLOL (Liga Portuguesa de LOL), afirmou que entre os meses de junho e agosto verificou-se um aumento de 215,7% de espectadores únicos na transmissão da competição em relação aos meses anteriores. Já o canal oficial no Twitch da Inygon conseguiu em junho um recorde de 12.261 espectadores no primeiro dia de competição europeia.

Apesar disso, João Ciclo não esconde que a pandemia provocou várias dificuldades, como por exemplo o adiamento e alteração da Liga Portuguesa de CS (LPCS) que estava planeada para ser totalmente disputada numa arena com público, algo que se tornou impossível. “A produção agora foca-se toda na transmissão, de modo a tentar cumprir os calendários das provas e a tentar levar aos espectadores a melhor experiência possível. No entanto, mesmo as transmissões sofreram algum impacto, como ter os comentadores a relatar a partir de casa e não no estúdio”, explicou o Diretor da organizadora.

No momento de avaliar do impacto do confinamento nestes projetos, os problemas são transversais à realidade dos restantes desportos. “Acabou por ter um impacto significativo. No caso da LPCS vimo-nos obrigados a adiar os playoffs para novembro e a retirar o resto do calendário da prova. No caso da LPLOL, conseguimos cumprir o calendário, mas alteramos as etapas com público. Obviamente, tudo isto resultou num prejuízo considerável para a empresa, mas vimo-nos obrigados a adaptar a esta nova realidade.”

Sobre a realização do campeonato mundial, João Cíclo mostra-se cauteloso e realista. “Vai depender de como esta situação se desenrolar no futuro, mas imagino que este ano ainda não se vejam eventos com público ao vivo. Não tenho informações sobre como irá decorrer o Worlds 2020, mas se fosse eu a desenhar, nesta altura apostaria num evento ao vivo mas à porta fechada. A ausência de público irá sempre retirar algum brilho, especialmente à tão esperada cerimónia de abertura, mas no caso do LOL será obrigatório, uma vez que tem equipas de vários continentes a participar”, concluiu o Managing Director da Inygon.

No patamar internacional, a transmissão da Liga Europeia de LOL (LEC) obteve apenas no seu canal da Twitch, na final do primeiro split (o primeiro de dois campeonatos da época), disputado a 19 de abril, mais de 817 mil espectadores únicos provenientes de todo o mundo. Por sua vez, a fase de qualificação para o Major de Counter-Strike: Global Offensive registou um pico de mais 332 mil espectadores. Os números que vão sendo conseguidos ao longo dos anos estão perto de rivalizar com as grandes ligas de outros desportos como por exemplo a NBA, um sinal disso foram os 44 milhões de espectadores únicos que marcaram presença nas finais do Mundial de LOL de 2019.

O impacto da pandemia não se ficou pela organização e logística das competições, uma vez que também os jogadores profissionais se viram forçados a adaptar-se às novas condições. Nuno “Slayer” Moutinho, Capitão dos EGN, equipa vencedora do segundo split da LPLOL de 2020, relatou ao JUP algumas das dificuldades enfrentadas:

“A verdade é que esta pandemia também nos afetou de uma forma negativa, apesar de parecer que estamos habituados a estas circunstâncias. As pessoas ao não saírem de casa, ao terem parte da sua vida limitada acabam por ter menos paciência, ser menos rigorosos com os treinos, entre outras coisas que prejudicam o rendimento de uma equipa. As rotinas mudaram e muita coisa foi diferente. O facto de estarmos mais tempo em casa fez com que as horas a jogar/treinar individualmente fossem aumentadas e isso originou um cansaço muito grande de toda a equipa”

Por outro lado, o Capitão dos EGN mencionou que o confinamento trouxe uma maior atenção para a competição virtual e para o campeonato português. “A quarentena acabou por ter sem dúvida uma consequência positiva não só para a nossa equipa e liga, mas também para os eSports, e sinceramente estou à espera de um impacto ainda maior em breve.” Nuno Moutinho espera agora que “haja muitas empresas e marcas atentas a isto” e acredita que “o medo de investir nestes tempos difíceis seja a razão que está a atrasar o investimento que os eSports merecem”.

É, nesta fase, já impossível negar o crescimento dos eSports. Em 2017, entre entusiastas e fãs casuais (considerando entusiastas aqueles que regularmente acompanham a competição e /ou competem e casuais aqueles que ocasionalmente vêm por exemplo as finais), um relatório da Deloitte dava conta da existência de 335 milhões de espectadores únicos do desporto eletrónico, com algumas previsões a apontar para que o número ascenda aos 557 milhões em 2021. Para além disso, de 2017 para 2018, o investimento neste desporto aumentou em 837%, com a estimativa de que o cenário dos eSports possa atingir em 2023 um valor total de 1.5 mil milhões de dólares – cerca de 1.268 mil milhões de euros. 

O crescimento dos eSports já era claro e acontecia a um bom ritmo, mas a pandemia e a suspensão de outros desportos trouxe uma maior atenção para esta alternativa, com muitos dos novos espectadores a tornarem-se seguidores mais frequentes. Os eSports podem não ser “O” desporto do futuro, mas prometem continuar a crescer de forma sustentada.

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