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Cultura

Diogo Faro: E nada a utopia levou

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Quando tudo era vírus, Diogo Faro propôs-se ao “Minuto Sem Covid”, um projeto que arrebitou o monótono dia de quarentena e apelou para os múltiplos assuntos que continuaram a requerer atenção e revolução (nomeadamente, o pequeno almoço das bloggers). Com a cara séria de quem torna a piada ainda mais piadética, Diogo Faro desmonta os assuntos mais mediáticos e os de maior fofoca e não tem pudor em responder às pessoas estranhamente zangadas que comentam as suas publicações – “as pessoas falam e escrevem muito sem o mínimo de cuidado ou de interesse pela verdade ou pela informação que importa.” 

 

UMA MAÇÃ E UMA REVOLUÇÃO POR DIA 

É filho de artistas – de uma cantora de ópera e de um maestro – e chegou a tirar um curso “a sério” antes de se dedicar totalmente ao humor. Sabe que “todos precisamos da arte nas suas várias formas”, mas só com um canudo em Publicidade e Marketing na mão e depois de algumas cabeçadas na parede, percebeu que a vontade de escrever e de fazer rir se tornou incontrolável. “O meu crescimento enquanto humorista é sempre coincidente com o meu crescimento pessoal”, confessa Diogo Faro. Precisamente por isso, há oito anos – quando começou – ainda não agitava as redes com piadas sobre touradas ou fascistas porque não se “interessava assim muito nem conhecia muito.” Mas o mundo mudou e as piadas mudaram. 

Neste momento, com 34 anos, não só faz rir como faz parar. E para além de entreter também faz ver sob outro prisma. É um ativista contra o sistema e culpa as notas e as moedas pelos demais males: “o capitalismo da maneira como está construído é uma das grandes causas de ainda se manter tão vigente o racismo e a desigualdade de género – que são formas de preservar o poder numa determinada elite”. Acredita na mudança: lê, vê e partilha sugestões e recomendações para ensinar a moldar um mundo mais justo e melhor. 

“Eu nem defendo assim nada de extraordinário. Só que os seres humanos sejam respeitados por igual, com os mesmos direitos, e com o mesmo direito a serem felizes”

Aprende com o que o rodeia “todos os dias” e, por isso, sente necessidade de dar voz às minorias e não perder uma oportunidade de sair à rua – mesmo que seja para se infiltrar numa manifestação que não defende, e comentá-la posteriormente com conhecimento de causa. “Estamos numa altura em que temos de falar mais e mais alto para conseguir balançar, um pouco, o quão ativo são os do contra”, adianta sem hesitações. E vinca, repetidamente, o poder da manifestação e da revolução. Numa sociedade assente no imediatismo digital e na facilidade de dispersar informação, gritar ao vivo “faz com que a comunicação preste atenção, faz com que os governantes prestem atenção”. E, ainda que no século XXI, soltar a voz continua a ser impactante e a gerar mais frutos do que teclar. 

 

RIR PARA NÃO CHORAR

Não existe um pré-COVID e um pós-COVID: existe uma realidade, na qual “as prioridades não estão certas”. Diogo Faro sentiu na pele os cancelamentos e as mudanças de planos impostas pela situação pandémica, mas “felizmente” não se viu aflito. No entanto, sabe ver que “por mais que as pessoas digam que ‘estamos todos no mesmo barco’, não estamos. Há pessoas que estão em jangadas”. E algumas delas são artistas. 

O setor dará continuidade a uma luta antiga e, tendencialmente, infrutífera – mas vital. O desespero e falta de garantias que recentemente vieram à tona são de tal forma acentuados que “só mostram que já estavam desamparadas antes, há muito tempo”. 

O papel de Diogo Faro, no meio do constante caos, é continuar a agarrar no humor como uma “ferramenta útil para passar certas ideias, simplificá-las e torná-las mais leves”. Através das publicações nas redes sociais, das crónicas semanais, das entrevistas esporádicas e de todas as vezes em que, seja pelo motivo que for, se torna assunto numa conversa alheia, o humorista é uma cara com peso no processo de normalização. 

“Nós temos todos muito medo do ridículo e de nos expormos”, afirma entre pausas. Mas, contra todos aqueles que ainda não aterraram na liberdade individual do século “eu faço o que me apetece”, Diogo Faro faz questão de pintar as unhas, falar de orgias, gozar com tudo o que fique à direita do centro e ainda rir-se de si próprio. Quer uma escola diferente e uma política mais real, uma arte possível e um riso mais generalizado. Quer as cores, os géneros, as orientações, as posses e os berços todos arrumados a um canto, para viver melhor neste mundo que é um “Lugar Estranho”. Cada vez mais estranho – ou não se chamasse assim o seu espetáculo de stand-up. Tem muitas mais convicções do que sonhos, porque “não é uma utopia, é uma coisa tangível: só querermos um mundo mais justo” e, até tudo ser real, fará rir o mais que puder.

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