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Mundo Novo

A pandemia que vai (ou não) mudar o mundo

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Este ano de 2020 começou com festejos, planos e desejos, mas não tardou em revelar-se um marco importante por motivos completamente diferentes daqueles que todos tínhamos em mente. Se em anos anteriores não era fácil adivinhar qual seria a palavra do ano em Portugal (talvez excecionando a de 2010, “vuvuzela”, e a de 2016, “geringonça”), não há dúvidas de que a deste ano será “coronavírus” – tanto em Portugal, como no mundo, graças à incrível e maldita globalização. Pois é, esta palavra, antes desconhecida por tantos, rapidamente se entranhou nos nossos ouvidos e é praticamente impossível passar um dia inteiro sem a dizer ou ouvir. A questão é: será esta a palavra do ano 2020, apenas, ou irá ela acompanhar-nos, nem que seja só no pensamento, por largos anos? 

Como sabemos, os primeiros casos registados deste vírus foram na China. E a China é tão longe… Na Europa vivia-se relaxadamente. Mas o vírus chegou à Europa. Pronto, chegou à Europa, mas Portugal está numa extremidade, a nossa posição periférica acabou de encontrar mais um ponto positivo. Mas o vírus chegou a Portugal. E em poucos meses invadiu todo o mundo. Nunca sequer imaginei que fosse possível testemunhar algo parecido com isto: não era só nos canais de televisão portugueses que se falava a toda a hora sobre o mesmo assunto – era todo o planeta Terra a falar deste problema, era todo o planeta Terra a vivenciar a mesma experiência, ao mesmo tempo. Se ainda há quem ache (e, infelizmente, há) que não há nada que nos una às pessoas que vivem do outro lado do mundo, veio este vírus provar o contrário. Aliás, ouvimos dizer que é este um vírus democrático, mas isso só é parcialmente verdadeiro, dado que uns puderam gozar umas férias nas suas mansões recatadas, ao passo que outros viram as suas pequenas casas a encolher. 

Desigualdade social e injustiça à parte, é inegável que os nossos hábitos sofreram uma mudança drástica. Eu estava na faculdade quando se confirmaram os primeiros casos em Portugal. Já há uns dias que todos estavam agarrados ao telemóvel para saber se realmente aqueles numerosos casos suspeitos viriam a ser confirmados, como que numa esperança absolutamente utópica de não haver casos no nosso país. Quando isso aconteceu, todos estremeceram. De imediato começou o medo; nos dias seguintes, a discriminação. Acabou por se tornar impraticável o ensino presencial e em poucos dias foram colocadas em marcha as aulas virtuais – aquilo que demoraria, em circunstâncias normais, décadas a ser implementado, tornou-se realidade num ápice. Num dia estava eu apertada em transportes públicos e a ser interpelada em inglês nas ruas do Porto, e no outro estou a ver os meus professores através de um ecrã e a cidade do Porto inundada, desta vez, de silêncio. 

O mundo parou e, por um lado, ainda bem! Fala-se até de uma espécie de vingança da natureza, ideia que me é cara, porque a azáfama, o stress e a procura incessante de nem se sabe bem o quê estava a crescer de tal modo que era mesmo preciso parar, repensar e reiniciar. E a verdade é que aquilo que achávamos imprescindível está longe de o ser. Dei por mim a ir ao supermercado apenas uma vez por semana (e não, não trazia todas as prateleiras às costas) e a não comprar uma única peça de roupa durante meses. Com muitas pessoas foi assim, até porque não havia alternativa, mas quando isto acabar, acaba também a paz? Quanto às relações interpessoais, confesso que há um hábito que eu espero que acabe permanentemente: cumprimentar com dois beijos na cara pessoas que nos são apresentadas que nunca vimos na vida – já estava na altura de isto ser desassociado de boa educação. Mas então e isto de não vermos os amigos e familiares pessoalmente, também terá vindo para ficar? Será que a pandemia veio fazer com que déssemos mais valor ao convívio ou com que descobríssemos o quão bom é termos apenas a nossa companhia? Quanto aos estudos e ao trabalho, serão o Zoom e o teletrabalho o futuro? Ou terá a saúde mental um papel preponderante no receio do uso destes métodos? Afinal de contas, o ser humano é um animal social, precisa dos outros para se desenvolver de forma saudável. Um ecrã traz até nós um mundo profundamente redutor – precisamos de sentir, de tocar, de cheirar, de experienciar, de interagir, e isso só uma máquina futurista poderá proporcionar (talvez até mais cedo do que se pensa). Quanto à política, será este o contexto que vai permitir a ascensão dos até agora tímidos fascistas? Ou será este o contexto que vai permitir a perceção da importância da união e da solidariedade?

Trouxe mais perguntas do que respostas, mas a verdade é que considero que há um mundo anterior e um mundo posterior à COVID-19. Tenho sérias dúvidas de que tudo regressará ao normal depois de uma vacina – ou melhor, o normal que aí vem já não será o normal do passado. Estas mudanças drásticas nas nossas vidas não serão temporárias, porque isso implicaria afirmar que o ser humano não tem qualquer capacidade de análise e de perspetivação de desenvolvimento. Agora cabe pensar, debater e procurar evitar que o mundo que nos aguarda seja um lugar menos agradável para viver do que aquele que está a desaparecer.

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